Papa destacou dimensão «inimaginável» dos casos de abusos sexuais, lembrando ainda realização do Sínodo dos Bispos e viagem ao Reino Unido
Bento XVI admitiu esta Segunda-feira que a Igreja Católica viveu um ano difícil por causa da dimensão “inimaginável” atingida pelos escândalos de abusos sexuais envolvendo membros do clero, que classificou como uma “humilhação”.
“Fomos abalados quando, precisamente neste ano (ano sacerdotal, convocado pelo Papa, ndr), numa dimensão para nós inimaginável, tivemos conhecimento de abusos contra menores cometidos por sacerdotes contra menores”, declarou.
No encontro anual com a Cúria Romana, para a troca de saudações natalícias, no Vaticano, o Papa assegurou que a Igreja é chamada a viver esta “humilhação” como apelo à “verdade” e à “renovação”.
“Sob o manto do sagrado”, disse, estes abusos “ferem profundamente a pessoa humana na sua infância e provocam-lhe danos para toda a vida”.
“Temos de interrogar-nos sobre o que é estava errado no nosso anúncio, em todo o nosso modo de configurar o ser cristão, para que tal possa ter acontecido”, frisou.
Bento XVI citou uma visão da mística Santa Hildegarda de Bingen – nascida no ano de 1098, em Bermersheim, actual Alemanha, e falecida em 1179 – na qual se falava do rosto da Igreja “coberta de pó”.
“Assim a vimos. A sua veste rompeu-se, por culpa dos sacerdotes”, referiu.
Após afirmar que “só a verdade salva”, o Papa pediu que se façam todos os esforços para “reparar o mais possível a injustiça cometida”.
“Precisamos de encontrar uma nova determinação na fé e no bem. Temos de ser capazes de penitência”, insistiu, agradecendo a todos os que procuram reparar junto das vítimas o mal cometido.
Bento XVI denunciou, a este respeito, o mercado da pornografia infantil, do turismo sexual e da droga, lamentando uma “perversão de fundo do conceito de ethos”.
O Papa quis deixar uma palavra de estímulo aos “bons sacerdotes”, que mesmo nesta situação de crise “transmitem com humildade e fidelidade a bondade do Senhor e, no meio das devastações, testemunham a beleza, não perdida, do sacerdócio”.
Bento XVI aludiu ainda à realização, em Outubro, de um Sínodo para o Médio Oriente, reafirmando que no mundo de hoje “os cristãos são a minoria mais oprimida e atormentada”.
“As palavras e pensamentos do Sínodo devem ser um forte grito, dirigido a todas as pessoas com responsabilidade política ou religiosa, para que parem com a cristianofobia”, referiu.
Para Bento XVI, é “o interesse comum que deve unir todos os homens de boa vontade”, dado que está em jogo o “futuro da humanidade”.
“Todos têm consciência de que a violência não traz nenhum progresso, foi ela, aliás, que criou a actual situação” no Médio Oriente, alertou.
A parte final do discurso foi dedicada à “inesquecível” viagem ao Reino Unido, em Setembro, que culminou com a beatificação do cardeal John Henry Newman (1801-1890), um dos principais teólogos católicos do século XIX, convertido do anglicanismo.
Newman, afirmou Bento XVI, mostra uma concepção “diametralmente oposta” ao pensamento moderno sobre a “consciência”.
“No pensamento moderno, a palavra «consciência» significa que, em matéria de moral e de religião, a dimensão subjectiva, o indivíduo, constitui a última instância de decisão”, observou o Papa, para quem a consciência é “a capacidade de o homem reconhecer a verdade”.
Bento XVI destacou a necessidade de “combater contra a cegueira em relação à razão” e de “manter a capacidade de ver o essencial, ver Deus e o homem, o que é bom e verdadeiro”.
O Papa incluiu a sua visita a Portugal (11 a 14 de Maio de 2010) no lote das “significativas viagens” que fez em 2010, afirmando que aqui, como em Malta e Espanha, “foi novamente visível que a fé não é uma coisa do passado, mas um encontro com o Deus que continua a viver e agir”.