Bem-aventurados os imperfeitos, porque alcançaram a perfeição de Deus

Padre Miguel Lopes Neto, Diocese do Algarve

Foto Agência ECCLESIA/PR, Padre Miguel Neto – V Jornadas Nacionais da Pastoral do Turismo

A mensagem do Papa Francisco para este Dia Mundial da Paz é um autêntico olhar de lucidez, sobre a realidade que o estrondoso desenvolvimento da Inteligência Artificial implica no mundo atual. É impressionante o encanto que esta provoca em alguns sectores da sociedade. Esse desejo pelo artificial faz-nos, perigosamente, esquecer que a perfeição é artificial e a realidade do ser humano é ser imperfeito e falível. Posso exemplificar com o campo das relações humanas. Um tema bastante atual, no passado mês de dezembro, e necessário na vivência cristã contemporânea. Não existe nada mais artificial que defender que há relações perfeitas ou regulares. Não há famílias, nem relações perfeitas, já que todos somos seres humanos imperfeitos e criamos relações humanas imperfeitas, entre nós. Uma relação perfeita é tão artificial como um trabalho académico escrito com recurso a inteligência artificial. Não tem erros. Não há discussão. Não há dúvidas. Mas da mesma forma que nesse trabalho académico não há uma ideia pessoal, uma intuição, uma ideia original, numa relação dita perfeita não há amor, não há o querer arriscar amar alguém que é imperfeito como nós. Ser perfeito é ser artificial e, se é artificial, não é humano. O artificial não olha às circunstâncias envolventes, centralizando todas as suas forças somente na questão que quer responder.

A Inteligência Artificial tem e deve ser regulada, porque pode afetar a dignidade do ser humano, que é único, irrepetível e original. O Papa Francisco recorda-nos que “a dignidade intrínseca de cada pessoa e a fraternidade que nos une como membros da única família humana devem estar na base do desenvolvimento de novas tecnologias e servir como critérios indiscutíveis para as avaliar antes da sua utilização, para que o progresso digital possa verificar-se no respeito pela justiça e contribuir para a causa da paz.

Para além da supressão de postos de trabalho, consequência que é evidente num primeiro olhar, o uso massivo e vulgar da Inteligência Artificial pode levar à tentação do fim da necessária imprevisibilidade da vida humana. É importante ter sempre em mente que “nem tudo pode ser previsto, nem tudo pode ser calculado; no fim de contas, «a realidade é superior à ideia» e, por mais prodigiosa que seja a nossa capacidade de calcular, haverá sempre um resíduo inacessível que escapa a qualquer tentativa de quantificação.”

A emancipação e a superação da criatura homem em relação ao criador Deus, que é a essência do pecado original, está permanentemente diante do Homens. Tal como no início da criação, o Homem de hoje está frente a um convite perverso, com aparência boa: “abrir-se-ão os vossos olhos e sereis como Deus” (Gn 3, 5). O uso perverso e descontrolado da Inteligência Artificial pode levar-nos a querer ser “Deus”: “Com efeito o ser humano, mortal por definição, pensando em ultrapassar todo o limite mediante a técnica, corre o risco, na obsessão de querer controlar tudo, de perder o controle sobre si mesmo; na busca duma liberdade absoluta, de cair na espiral duma ditadura tecnológica. Reconhecer e aceitar o próprio limite de criatura é condição indispensável para que o homem alcance ou, melhor, acolha a plenitude como uma dádiva; ao passo que, no contexto ideológico dum paradigma tecnocrático animado por uma prometeica presunção de autossuficiência, as desigualdades poderiam crescer sem medida, e o conhecimento e a riqueza acumular-se nas mãos de poucos, com graves riscos para as sociedades democráticas e uma coexistência pacífica.

Foi o ser humano, com as suas imperfeições e insuficiências, que foi criado por Deus e por isso “não se deve permitir que os algoritmos determinem o modo como entendemos os direitos humanos, ponham de lado os valores essenciais da compaixão, da misericórdia e do perdão, ou eliminem a possibilidade de um indivíduo mudar e deixar para trás o passado.” Deus perdoa, a Inteligência Artificial não perdoa, porque acumula, sem misericórdia, a imperfeição do Homem.

Cabe-nos, a nós, utilizar uma vez a criação de Deus através do cérebro humano, para aumentar em humanidade, valorizando a obra suprema de Deus, que é o ser humano, já que “se a inteligência artificial fosse utilizada para promover o desenvolvimento humano integral, poderia introduzir inovações importantes na agricultura, na instrução e na cultura, uma melhoria do nível de vida de inteiras nações e povos, o crescimento da fraternidade humana e da amizade social. Em última análise, a forma como a utilizamos para incluir os últimos, isto é, os irmãos e irmãs mais frágeis e necessitados, é a medida reveladora da nossa humanidade.”

É essencial não esquecer o apelo que o Papa Francisco deixa: “Possam os fiéis cristãos, os crentes das várias religiões e os homens e mulheres de boa vontade colaborar harmoniosamente para aproveitar as oportunidades e enfrentar os desafios colocados pela revolução digital, e entregar às gerações futuras um mundo mais solidário, justo e pacífico.”

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Agência ECCLESIA

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