Beja conclui Rede Museológica Diocesana

Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres reabre como museu A Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres em Beja, um dos mais importantes monumentos religiosos da capital do Baixo Alentejo, reabre esta segunda-feira como museu, concluindo a Rede Museológica Diocesana. A reabertura da igreja e a inauguração do Museu Episcopal que passa a funcionar na casa anexa têm lugar hoje, 20 de Novembro, às 17H30, numa cerimónia a que preside a Ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima. A inauguração do Museu Episcopal coincide com uma exposição temporária, intitulada “Nas Asas da Aurora”, que revela alguns dos tesouros ocultos das igrejas de Beja, sem esquecer as antigas casas religiosas da cidade. Entre as peças que vêm agora à luz do dia, pela primeira vez, encontra-se um raro conjunto de disciplinas e cilícias dos séculos XVIII e XIX, recentemente inventariado pelo Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja. Neste conjunto de instrumentos de penitência, que serviam outrora para a auto-mortificação, destacam-se os cintos e os colares com pontas de arame e os látegos ou açoites de cânhamo e de ferro. Não menos interessante é uma pequena cruz de madeira, talvez já de inícios do século XX, com puas de ferro, que servia para colocar sob os joelhos ou os pés. São impressionantes documentos de épocas profundamente marcadas pela vivência mística. 20 anos Desde o falecimento do último capelão, há cerca de 20 anos, que um dos mais emblemáticos monumentos religiosos de Beja se encontra fechado. A degradação acentuou-se na década de 1990, pondo o edifício em risco de ruína, apesar da classificação como imóvel de interesse público. Através da parceria entre o Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja e o Estado, realizou-se um exemplar processo de recuperação que permitiu salvaguardar a talha, as pinturas murais e de cavalete, os azulejos e as obras de arte móveis da igreja dos Prazeres. Os trabalhos alargaram-se à envolvente e ao jardim, com a colaboração da Câmara. Tesouros ocultos Uma exposição temporária dá a conhecer os tesouros ocultos das igrejas da cidade, entre alfaias litúrgicas, pinturas, esculturas e objectos devocionais. Algumas delas surpreendem pela beleza e pelo esplendor, como as insígnias dos antigos bispos ou a imagem de São Pedro, de Joaquim Machado de Castro, pertencente à ermida do mesmo nome, nos arredores de Beja. Outras impressionam pela austeridade, como o retrato no leito da morte de Soror Perpétua da Luz, uma monja “iluminada” que viveu no convento da Esperança, ou as disciplinas e cilícios utilizados para penitência nas casas religiosas femininas. O património religioso pacense revela todo um universo espiritual com raízes bem marcadas no nosso território. História A necessidade de facilitar o acesso à principal praça de Beja levou à abertura, no século XVI, de uma porta na muralha medieval. Foi junto a este postigo que se veio a construir, encostada à fortaleza, a igreja de Nossa Senhora dos Prazeres. A escolha do sítio explica-se não só por ser um dos mais frequentados da cidade mas também pelo costume de marcar a protecção simbólica de cada uma das suas entradas com uma capela. A invocação escolhida, por seu turno, reflecte uma devoção muito presente na época, quando o culto mariano estava no auge. De facto, o santuário dos Prazeres tornou-se um dos principais centros da devoção das gentes de Beja, como o atestam as importantes ofertas votivas que recebeu, incluindo um notável núcleo de joalharia. São pouco conhecidas as circunstâncias que rodearam a edificação da igreja, mas esta já estava concluída em 1672. A sua tipologia segue um modelo característico da arquitectura maneirista, correspondendo à fachada de linhas discretas um interior muito sumptuoso, concebido à maneira de obra de arte total. Vítor Serrão classificou-o como “um dos mais sedutores testemunhos de totalidade decorativa da arte barroca do tempo de D. Pedro II”. A azulejaria, a escultura e a pintura afluem aqui, com grande coerência plástica, na criação de um “teatro sagrado” que permite antever as glórias do Céu. Nossa Senhora dos Prazeres é um dos mais belos templos barrocos do Sul. A talha, da autoria de Manuel João da Fonseca e Francisco da Silva, cobre integralmente as paredes, dialogando com telas de António de Oliveira Bernardes, o grande pintor da transição do reinado de D. Pedro II para o de D. João V, que tinha as suas raízes em Beja. Verdadeiramente impressionante é o ciclo de pinturas murais que revestem na íntegra o tecto, criando a ilusão de uma arquitectura povoada por cenas da vida de Nossa Senhora, obra-prima que Oliveira Bernardes levou a cabo de parceria com seu pai, Pedro Figueira, pintor natural de Moura, mas estabelecido em Beja, e com João Pereira Pegado, outro mestre da região. Os silhares de azulejos, assinados e datados porGabriel del Barco, completam à perfeição o conjunto, que desenvolve todo um tratado de teologia em torno da vida e dos mistérios da Virgem. Recuperação É com grande expectativa que a população de Beja acolhe a reabertura do imóvel, depois de décadas de abandono. O caso, exemplificativo do esquecimento em que jazem muitos monumentos religiosos dos centros históricos das nossas cidades e vilas, devido à terciarização destas áreas centrais, hoje dedicadas principalmente a serviços e com escassos residentes. No caso da igreja dos Prazeres, a reabertura do edifício ficou a dever-se ao empenhamento de um grupo de voluntários que lutou anos a fio pela sua recuperação, conseguindo o apoio da União Europeia, do Estado e da própria Diocese, através do Programa Operacional da Cultura. O passo inicial foi dado em 1998, com a reparação das coberturas e a consolidação das magníficas pinturas do tecto, a cargo da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Entre 2002 e 2006, o IPPAR levou a cabo, em empreitadas sucessivas, o restauro do edifício e das suas colecções, que incluem peças oferecidas por D. Fr. Manuel do Cenáculo, o primeiro bispo de Beja. Ostentando na frontaria um fecho de abóbada da época manuelina, com as chagas de Cristo envoltas pela coroa de espinhos, o edifício anexo à igreja albergava a casa do despacho e outras dependências da Irmandade de Nossa Senhora dos Prazeres. Mais tarde serviu de residência para o capelão. Hoje tem um uso museológico e constitui o núcleo primordial do renascido Museu Episcopal de Beja. O nome invoca a instituição fundada em 1892, por Mons. Amadeu Ruas, sob a égide do bispo D. António Xavier de Sousa Monteiro, para evitar a dispersão das obras de arte pertencentes aos últimos conventos e mosteiros femininos de Beja que se foram extinguindo, em penosa agonia, ao longo da segunda metade do século XIX. Este museu desapareceu com o advento da República, sendo nacionalizado e integrado no Museu Regional, mas o ideal que esteve na sua génese – preservar, estudar e divulgar o património religioso pacense – continua vivo.

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