Beja: Caminhos da Música com concerto pedagógico do Ensemble Alpha

Promovido regularmente pelo Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja e pela Arte das Musas desde 2006, o Festival Terras sem Sombra tem vindo a abranger, na edição deste ano, novos temas e novos públicos. Uma das linhas inéditas consiste na captação do público infanto-juvenil. É este o objectivo do concerto pedagógico – algo pouco frequente em ciclos de música erudita – que se realiza na igreja de Nossa Senhora da Assunção, Matriz de Grândola, hoje, dia 24 de Abril, às 17.30 horas.

A iniciativa corre a cargo do Ensemble Alpha, formado por Fernando Marques Gomes (voz, flautas e percussão), Ivan Moody (voz e direcção musicológica), João Luís Ferreira (voz e percussão) e Rui Gonçalo Fernandes (voz). Trata-se de um excelente dispositivo vocal e instrumental para o programa a apresentar, sujeito a um título, de resto, muito inspirado: “Os Caminhos da Música”. Percursos melódicos que coincidem, em larga medida, com outros rumos patentes na evolução de uma terra de funda vocação musical que, depois de ter pertencido à Ordem de Santiago, marcou a história contemporânea de Portugal, na eclosão da República (1910), com o político Jacinto Nunes, e na emergência da Revolução de 1974, com o cantor e compositor Zeca Afonso.

O concerto de 24 de Abril – data já em si simbólica – propõe uma associação entre velhas melodias litúrgicas da tradição europeia (gregoriana, bizantina, russa, italiana), os cânticos outrora entoados pelos peregrinos a santuários de renome internacional, como Santiago de Compostela e Montserrat, e a música popular portuguesa de inspiração religiosa. A escolha traduz o intuito didáctico, sempre presente na orientação do Festival, concebido à maneira de uma pequena “história da música”, sobretudo no âmbito sacro, mas evoca também aspectos que se prendem com o passado e o presente de Grândola.

Esta vila, sede de vasto concelho, situa-se numa das rotas mais destacadas do Caminho de Santiago no Alentejo, o que a tornou, em finais da Idade Média, ponto obrigatório de passagem dos peregrinos, que pernoitavam e refaziam forças no antigo Hospital do Espírito Santo – mais tarde da Misericórdia. A história da povoação encontra-se intimamente associada, aliás, à sua localização num entroncamento dos itinerários que unem o Sul e o Norte, o Nascente e o Poente, realidade que lhe marcaria o devir e atraiu, ao longo dos séculos, gentes de origens diversificadas. Um fenómeno bem patente, de resto, na actualidade.

Tudo isto justifica que se celebre em Grândola um encontro de culturas cujo fio condutor reside, afinal, no desejo de valorizar as raízes comuns da música religiosa da Europa. Segundo lembra o provérbio português, “de pequenino se torne o pepino”. Ao avançar para a componente pedagógica, o Festival Terras sem Sombra aposta na continuidade de gerações, uma dificuldade sentida no país, mas de basilar significado para a evolução da cultura musical. É um passo na direcção do futuro, dado em colaboração com o município e paróquia locais, que se associam, para o efeito, às outras entidades presentes no projecto, como a Direcção-Geral das Artes (Ministério da Cultura) e a Delta.

Vozes do Ocidente e do Oriente
O Ensemble Alpha dedica-se ao estudo dos contrastes e das ligações entre várias tradições medievais de música sacra, com ênfase especial nas de países ortodoxos e da Península Ibérica, desenvolvendo uma abordagem fortemente influenciada por diversas tradições populares. Os membros colaboram, trazendo as suas próprias experiências, distintas e especializadas, aos projectos do grupo. Ivan Moody, o director musicológico do Ensemble Alpha, é presbítero da Igreja Ortodoxa Grega (Patriarcado de Constantinopla) em Portugal, tendo desenvolvido, como compositor e maestro, uma carreira de renome internacional.

Em Julho de 1996 o grupo apresentou dois concertos, com enorme êxito, na Sardenha, para celebrar a inauguração da igreja mais antiga da ilha, recentemente restaurada, e desde então tem realizado intervenções em diferentes pontos de Portugal, concentrando-se em temas específicos, como o Natal, a Páscoa e a devoção à Virgem Maria. Actuou várias vezes na RTP, em programas como Acontece, no Colóquio International sobre Cister, em Caminhos e, ainda, em transmissões radiofónicas nacionais, em Itália e nos Estados Unidos da América. Outros projectos incluíram o concerto que assinalou a exposição, em Lisboa, da colecção de ícones Vemizelis, do Museu Benaki (Atenas), diversos espectáculos em Itália e uma série de actuações, entusiasticamente recebidas, para a prestigiada Cambridge Early Music Society, de Boston.

No Verão de 2002 o grupo fez uma tournée em França e em Itália, participando no Festival Guil-Durance e no Festival de Música Antiga de Magnano. Em 2003 concretizou uma terceira tournée na Sardenha, por ocasião do Festival Echi Lontani, além de concertos em Savigliano e Saluzzo. Em 2005 lançou o CD “O Divina Virgo” (da etiqueta Dialogos) e participou no Festival de Música Antiga de Pantelleria. Deslocou-se posteriormente à península itálica (Festivais Grandezze e Meraviglie em Modena e Wunderkamer em Trieste, 2007) e à Finlândia (Festival Internacional de Vaasa, 2009), além de dar concertos regulares em Portugal, entre os quais se incluem actuações no Festival Terras sem Sombra de Música Sacra do Baixo Alentejo e no Festival de Música Antiga de Carrazeda de Ansiães.

Pelos Caminhos da Música
Como escreveu Ivan Moody no estudo que serve de introdução a este concerto, as obras nele incluídas provêm essencialmente de três tradições musicais diferentes: a ibérica, a italiana e a oriental ortodoxa. A primeira é exemplificada pelas Cantigas de Santa Maria, de Afonso X, o Sábio, rei de Castela e Leão, e pelo Llibre Vermell do mosteiro de Santa Maria de Montserrat, mas está também largamente documentada em músicas da tradição oral dos nossos dias; a segunda nas Laude, um repertório com muitas semelhanças às Cantigas; e a terceira pela música litúrgica do rito bizantino, espalhado nos países eslavos.

O programa procura demonstrar as ligações – e as diferenças – entre estes vários repertórios, com a música ortodoxa como uma espécie de “pano de fundo”, colocando-os ao mesmo tempo numa perspectiva “oral”, ou seja, explorando os seus laços com a música religiosa de tradição popular, designadamente no caso das Cantigas e das Laude, repertórios concebidos fora do contexto litúrgico (as últimas eram entoadas nas grandes vigílias populares das confrarias de Itália e outros pontos do continente europeu, em plena Idade Média). Aspectos musicais relevantes incluem o uso de harmonia ou de bordões em peças monofónicas e de percussão, em especial o adufe, patente na música tradicional portuguesa.

Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja

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