Homilia da Peregrinação a Vila Viçosa, comemorativa dos 150 anos da proclamação do dogma da Imaculada Conceição a Vila Viçosa, 1 de Maio de 2004 1. Na sua história multissecular, o venerando santuário de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa vive neste dia, 1 de Maio de 2004, mais um importante e significativo acontecimento. Aqui viemos como peregrinos, provenientes da Arquidiocese e de outras partes do País, para assinalar os 150 anos da proclamação do dogma da Imaculada Conceição. Ecoam no nosso espírito as palavras proféticas de Nossa Senhora: “Todas as gerações me proclamarão bem-aventurada” (Lc 1,48). O Anjo S. Gabriel havia-A já saudado, dizendo: “Salvé ó cheia de graça” (Lc. 1,28), como, há pouco, ouvimos no texto do Evangelho de S. Lucas. Também nós queremos com o nosso gesto manter bem vivo, neste recanto de Portugal, no Solar da Padroeira, o perene hino de louvor à Mãe do Salvador. Continuamos com todas as gerações a proclamá-l’A “bem-aventurada”. 2. A presente peregrinação assume um significado particularmente relevante, se tivermos em conta que, no meio de nós, em deslocação extraordinária, se encontram as venerandas Relíquias do Beato Nuno de Santa Maria. Um tal acontecimento, além de nos encher de imenso júbilo faz ressaltar o profundo amor dedicado a Nossa Senhora por uma das mais notáveis figuras da história pátria, cuja vida se encontra intimamente ligada a Vila Viçosa. Além disso, faz ressaltar as raízes cristãs e marianas do Povo português. D. Nuno Álvares Pereira, o Condestável do Reino, foi durante trinta anos, nos sé. XIV e X, Fronteiro-Mor do Alentejo. A grandeza singular da sua epopeia construiu-se, por conseguinte, em grande parte, nesta planura, sem esquecer obviamente outros momentos históricos, como os de Aljubarrota. A nós importa sobretudo pôr em evidência, nesta hora, a grandeza de alma do herói e santo, que deixou traços indeléveis de fé e devoção à Mãe de Deus na terra alentejana. Dessa fé e devoção são silenciosos testemunhos as múltiplas igrejas da Orada e, em particular, este antiquíssimo santuário da Imaculada Conceição. Nas constantes deslocações e correrias por caminhos e campos de Portugal ao serviço da Pátria, D. Nuno dava, acima de tudo, testemunho inquebrantável da fé cristã; norteavam-no os critérios do Evangelho; alimentava-o a oração e, sobretudo, a Eucaristia; iluminava-o o Espírito Santo. A sua fé levava-o a ser humilde nos momentos de glória, confiante nas graves ocasiões de perigo, justo no cumprimento do direito, heróico na defesa da Pátria e misericordioso no tratamento dos vencidos. Trabalhou, como poucos, talvez como ninguém, pela defesa e pelo progresso da seu Torrão natal Tornou-se exemplo único de cidadania cristã, de serviço generoso aos seus irmãos portugueses. 3. Mas, se há traço marcadamente forte na vida de D. Nuno, esse é, sem dúvida, a devoção entranhada à Virgem Maria. Por isso, quando, no fim da existência, despojando-se de todos os bens, se recolheu ao Convento do Carmo, em Lisboa, como simples irmão leigo, aceitou que lhe chamassem Nuno de Santa Maria. Viveu então exclusivamente para o serviço dos pobres. O povo de Lisboa, com aquele instinto de verdade que é característica do povo simples, não deixou de o considerar santo. Depois da sua morte, a Igreja aceitou que lhe fosse prestado culto público, e esse culto ao Beato Nuno de Santa Maria tem-se mantido vivo até aos dias de hoje. Quanta alegria sentimos ao ver o processo de canonização deste grande português está precisamente neste nosso tempo a seguir o seu curso! Queremos hoje pedir a Deus, por intercessão da Virgem Imaculada que, em breve, nos conceda a graça da sua canonização. 4. A celebração jubilar da proclamação do dogma da Imaculada Conceição constitui para nós um forte apelo: apelo reforçado pelo exemplo do Beato Nuno de Santa Maria, cujas Relíquias aqui veneramos, Em primeiro lugar, somos interpelados a viver em fidelidade a vida nova da agraça, que brota da Ressurreição de Cristo, lutando contra o mal, vencendo o “homem velho” que existe em nós. A Virgem Maria, Mãe de Cristo, foi isenta de toda a culpa. O nosso ideal deve ser o da libertação de todas as formas de pecado. O pecado, para além de ser ofensa a Deus que nos criou e salvou por amor; para além de ser um transgressão da lei divina, constitui um verdadeiro mal para nós e para a sociedade. Não estamos nós a assistir no nosso tempo a tantos sofrimentos, a famílias desfeitas a sectores de jovens sem sentido para a vida, a povos envolvidos em guerras e vitimas do terrorismo, tudo isto consequências duma atmosfera de pecado que nos envolve? Aprendamos de Maria, a Imaculada Conceição, a pôr a nossa felicidade na prática do bem, na virtude, no amor de Deus e do próximo. Coloquemos n’Ela a nossa força e a nossa esperança. Saibamos contribuir, a exemplo de D. Nuno Álvares Pereira, para que a nossa Pátria se mantenha fiel aos seus valores morais, espirituais e religiosos, vencendo os ataques de algumas forças laicistas ateias que procuram subverter esses mesmos valores. O dia de hoje e todo este ano jubilar são sobretudo tempo de esperança. A Imaculada Conceição fala-nos de esperança de vitória sobre o mal, do amor de Deus e do amor entre os homens. Cantemos com a vida o que hoje cantamos com a nossa voz: “Salvé, ó cheia de graça” + Maurílio de Gouveia, Arcebispo de Évora