Francisco evoca população do Iémen, «martirizada por uma guerra esquecida»
Awali, Barém, 03 nov 2022 (Ecclesia) – O Papa alertou hoje no Barém para os “populismos” e “imperialismos” que disse ameaçarem o futuro da humanidade, apelando a uma convivência global que seja marcada pela “hospitalidade, a solicitude pelo outro, a fraternidade”.
“Assistimos, preocupados, ao crescimento em larga escala da indiferença e da suspeição mútua, à extensão de rivalidades e contraposições que se esperavam superadas, a populismos, extremismos e imperialismos que põem em perigo a segurança de todos”, referiu Francisco, primeiro pontífice a visitar este reino da Península Arábica, falando no Palácio Real de Sakhir, na cidade de Awali.
A intervenção, em italiano, alertou para a “realidade monstruosa e sem sentido da guerra, que semeia por toda a parte destruição e erradica a esperança”.
“Na guerra, emerge o pior lado do homem: egoísmo, violência e mentira. Sim, porque a guerra, qualquer guerra, constitui também a morte da verdade”, advertiu o Papa.
Rejeitemos a lógica das armas e invertamos o rumo, transformando as enormes despesas militares em investimentos para combater a fome, a falta de cuidados sanitários e de instrução. Tenho no coração a tristeza por tantas situações de conflito”.
No regresso à Península Arábica, após a visita de 2019 a Abu Dhabi, Francisco deixou um “pensamento especial e sentido ao Iémen, martirizado por uma guerra esquecida que, como qualquer guerra, não leva a nenhuma vitória, mas apenas a amargas derrotas para todos”.
“Recordo na oração sobretudo os civis, as crianças, os idosos, os doentes, e imploro: que se calem as armas, que se calem as armas, que se calem as armas!”, pediu.
Após uma visita privada ao soberano local, Hamad bin Isa al-Khalifa, o Papa dirigiu-se a representantes políticos e da sociedade civil, apresentando-se como “peregrino de paz”.
Francisco manifestou a sua “alegria” por chegar ao país, onde “convergem antiguidade e modernidade”.
A medalha oficial da viagem inclui uma alusão à ‘Árvore da Vida’ (Shajarat-al-Hayat), que resiste há mais de 400 anos num lugar árido do deserto, tendo Francisco usado essa referência no seu discurso.
“Na opinião de muitos, o segredo estaria nas raízes, que se estendem por dezenas de metros sob o solo, bebendo em depósitos subterrâneos de água. As raízes, portanto”, declarou.
O Papa falou ainda do antigo reino de Dilmum, uma das mais importantes civilizações antigas da região, para sublinhar a importância deste país como “encruzilhada de mútuo enriquecimento entre os povos”.
“Um aspeto sobressai nesta terra: foi sempre lugar de encontro entre populações diferentes”, assinalou, elogiando a “sociedade mista, multiétnica e multirreligiosa, que foi capaz de superar o perigo do isolamento”.
A viagem, que decorre até domingo, prevê a participação do Papa num fórum de diálogo entre Oriente e Ocidente em prol da “coexistência humana pacífica”, encontros com responsáveis islâmicos e com a comunidade católica local.
“Estes dias marcam uma etapa preciosa no percurso de amizade que tem vindo a intensificar-se, nos últimos anos, com vários líderes religiosos islâmicos”, assinalou.
Francisco deixou votos de que a liberdade religiosa, reconhecida no Barém, “se torne plena, não se limitando à liberdade de culto”, e que a “igual dignidade e paridade de oportunidades sejam reconhecidas concretamente a todo o grupo e a toda a pessoa”.
“Penso, antes de mais nada, no direito à vida, na necessidade de o garantir sempre, mesmo em relação a quem é punido, cuja existência não pode ser eliminada”, acrescentou, numa crítica à pena de morte.
A intervenção mostrou preocupação com os trabalhadores imigrantes – um tema que ganhou relevo no vizinho Catar, que dentro de três semanas recebe o Mundial de Futebol masculino.
“Nos nossos dias, há ainda muita falta de trabalho e demasiado trabalho desumano: isto acarreta não só graves riscos de instabilidade social, mas representa um atentado à dignidade humana”, denunciou o pontífice.
O Papa defendeu a garantia de “condições laborais seguras e dignas”, desafiando o Barém a ser um “farol na promoção em toda a área dos direitos e condições équas e cada vez melhores para os trabalhadores, as mulheres e os jovens”.
O discurso inicial da 39ª viagem internacional de Francisco aludiu ainda à Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP27), que tem lugar no Egito, neste mês de novembro, desejando que “constitua um passo em frente” na definição de medidas “concretas e com visão, feitas a pensar nas gerações mais jovens, antes que seja demasiado tarde e se comprometa o seu futuro”.
O encontro marcou o final do programa oficial desta quinta-feira.
OC
O rei Hamad bin Isa Al Khalifa saudou Francisco como “convidado de honra, um querido convidado”, manifestadno “orgulho pela sua abençoada e histórica visita à terra de antigas civilizações milenares, no país da tolerância, convivência e paz”.
O monarca disse esperar que esta visita deixe “uma grande marca moral e espiritual” e sublinhou a liderança do Papa no diálogo e na comunicação entre os seguidores das religiões monoteístas. “para aproximar os povos e animar a nossa civilização humana”. A agenda do Papa na sexta-feira começa pelas 10h00 locais (07h00 em Lisboa), com a participação na conclusão do ‘Fórum do Barém para o Diálogo: Oriente e Ocidente para a Coexistência Humana’, na Praça Al-Fida’, onde profere o seu segundo discurso. Francisco tem depois um encontro privado com o grande imã de Al-Azhar, a partir das 16h00 locais, na Residência Papal junto ao Sakhir Royal Palace; a 4 de fevereiro de 2019, o Papa e Ahmad Al-Tayyeb assinaram a Declaração de Abu Dhabi, sobre a Fraternidade Humana, considerada como “histórica”, pelo Vaticano. O programa de sexta-feira prevê uma reunião com os membros do Conselho dos Sábios Muçulmanos (Muslim Council of Elders), presidido por Al-Tayyeb, às 16h30, na Mesquita do ‘Sakhir Royal Palace’; e o encontro ecuménico com oração pela paz, na Catedral de Nossa Senhora da Arábia, a partir das 17h45 locais. |