Átrio dos Gentios – onde a democracia se faz chão

Isabel Varanda, Coordenadora geral do Átrio dos Gentios em Braga e Guimarães

Gentios?! Já nos chamaram nomes piores.

A poucos dias da inauguração do 1º Átrio dos Gentios em Portugal alegramo-nos ao constatar que o “Átrio dos Gentios” anda na boca de muita gente. Uns, ficam-se pela designação, que consideram infeliz e, de algum modo, insultuosa; outros, cheios de curiosidade, procuram saber mais sobre o tal templo de Jerusalém que Herodes havia mandado construir por volta do ano 20 antes de Cristo; outros – muitos – entrando pela “metáfora viva” adentro, procuram descobrir as razões que presidiram à reabilitação deste nome por parte do Pontifício Conselho da Cultura e da sua pertinência no tempo presente.

A construção do Átrio português começou há quase um ano. As peripécias da construção – e são muitas – serão contadas mais tarde. Por agora, alegramo-nos porque a obra não foi embargada, nem hipotecada, nem os construtores desanimaram. Prova disso é a grande festa de inauguração do Átrio que terá lugar nos próximos dias 16 e 17 de novembro, como tem sido amplamente noticiado.
Algumas notas de contextualização:

1) Na génese está a conjugação de vários fatores: por um lado, a iniciativa do Pontifício Conselho da Cultura ao lançar em Paris, nos dias 24-25 de março de 2011, a primeira pedra de um novo lugar simbólico – o Átrio dos Gentios – projetado para se ir construindo e estendendo ao mundo inteiro; por outro lado, a oportunidade de concretização surge em 2012 com a distinção das cidades de Braga e de Guimarães como capitais europeias da juventude e da cultura, respetivamente. Neste contexto, a arquidiocese de Braga julgou oportuno pedir ao Pontifício Conselho da Cultura que o Átrio também passasse por Portugal. E assim, de Paris a Florença, de Assis a Bucareste, de Tirana a Palermo, de Barcelona a Estocolmo, passando pelo Québec e pelos EUA, o Átrio dos Gentios chega a Braga e a Guimarães, para uma nova sessão.

2) Cada sessão do Átrio dos Gentios desenvolve-se à volta de um tema, diferente de país para país, de sessão para sessão. Ousaria dizer que o átrio é mais importante do que o tema; o encontro das pessoas no átrio e a viagem que cada uma faz até lá chegar, são, ousaria dizer, mais importantes do que as ideias que aí se (des)encontrarão. Pensar a vida, no entanto, a nossa vida, nos seus sobressaltos, revelações, mistérios, desafios, afinações e desafinações; pensar as identidades e as culturas, pensar o estilo de vida e a salvaguarda do universo, para além dos limites do império financeiro e económico, pode ser sinal distinto e claro de resistência às tentativas de nos fazerem crer que a vida de cada um é redutível a um preço, formatável por um orçamento, alienável por qualquer ideologia, seja religiosa, política ou cultural.

3) A leitura do programa detalhado permite ao leitor perceber alguns dos critérios que presidiram ao convite dos intervenientes nos diferentes atos: a) que a ciência, a política, as artes e ofícios, a cultura, a laicidade, a cidadania, a literatura e a religião, estivessem representados; b) que isto não é “uma coisa da Igreja e dos padres”. Quer na organização do átrio quer nos convidados para os diálogos, a representação da Igreja como instituição e da religião, em geral, é discreta e proporcional: uns crentes, outros não crentes ou agnósticos, todos são convidados a sair dos seus espaços habituais de convicção e de reflexão para se encontrarem num átrio, num lugar neutro e acessível a todos. c) Muitos estranharão não encontrarem alguns nomes, por exemplo, da área da saúde, da medicina ou da bioética, que são referência nacional e internacional em algumas das temáticas em discussão. Procurámos ir mais longe do que as referências comuns e do que os nomes expectáveis. Esse também é o espírito do Átrio. d) Do mesmo modo, não há lugar para convites oficiais, formais ou pessoais, nem lugar para representações institucionais, para além das justas obrigações relativamente aos nossos anfitriões. As autoridades civis, religiosas e militares não são convidadas formalmente mas, esperamos que se sintam convidadas no convite dirigido a todos os homens e a todas as mulheres para quem o mistério da vida no cosmos e da vida humana em particular não é uma questão de somenos importância; contamos com a vossa presença, gentios com os gentios.

4) No átrio não há púlpitos, nem cátedras nem palcos; há liberdade para as gentes, para os gentios que todos somos quando nos decidimos a sair dos espaços onde se tecem biografias confortáveis, para habitarmos um espaço onde as singularidades biográficas irredutíveis rimam com a aventura da fraternidade. No átrio dos gentios há chão para toda a gente poder enraizar a sua palavra e fazer ouvir o seu direito e o seu dever à autodeterminação de um projeto de vida e de um estilo de vida à altura do ser humano.
Isto também é exercício e construção da democracia.

Isabel Varanda,
Coordenadora geral do Átrio dos Gentios em Braga e Guimarães

Partilhar:
Scroll to Top