À Conversa com… o Bispo eleito Auxiliar de Lisboa, D. Carlos Azevedo VP – Como foi este tempo de espera? Como conseguiu gerir estes 6 meses de intensos rumores, para já não ir ao ano de 1992, altura em que esteve na C.E.P. e em que já se antevia este acontecimento? Carlos Azevedo (CA) – O que importa na vida dum padre é a dedicação ao serviço da Igreja e daqueles que se abrem ao Mistério de Deus. O resto são as oportunidades e as circunstâncias que vão ditando aqueles que melhor podem servir nos lugares, nos diferentes sectores em que vamos dando o nosso contributo. Portanto, fundamentalmente foi servindo sempre, foi dedicando àquilo que me era dado que eu fui vivendo. Mesmo agora nestes últimos meses fui tentando encontrar nas minhas tarefas e na oração a melhor atitude para encarar essa situação. VP – De que forma pensa e sente a necessidade de ser Bispo na actualidade? Qual tem sido a principal preocupação que lhe toca desde que foi nomeado para este novo ministério? CA – Para já é mesmo uma pré-ocupação, porque uma coisa é o conhecimento que nós temos do documento – tenho estado a ler a exortação pós-sinodal do papel do Bispo – e outra coisa é a realidade concreta de cada Diocese. Portanto, estou com paixão de servir e com disponibilidade para encontrar quer naqueles com quem estarei em comunhão, sobretudo com o Bispo de Lisboa, o Senhor Patriarca, e com os que estão mais próximos dele. Encontrar, com o meu contributo e com a minha sensibilidade também, os melhores caminhos para evangelização nesta hora da História. Penso que o fundamental neste momento e nestas circunstâncias é uma atitude orante para criar disponibilidade e retirar do coração aqueles obstáculos que naturalmente vêm ao de cima, desde o temor às ideias preconcebidas ou qualquer outra coisa que possa perturbar a disponibilidade interior para a tarefa. O que vejo hoje que um Bispo tem que ser é, antes de mais: muito amigo dos seus padres, daqueles que colaboram com ele; incentivador do carisma de cada um e animador desses carismas; depois, muito exigente na estruturação da vida da Igreja para que ela seja ágil e se renove para corresponder aos novos tempos; e, também, muito atento aos sinais da presença de Deus na História – seja na vida cultural, na vida económica, na vida política – a atenção permanente àquilo que Deus nos diz através do que acontece no mundo, com muita fidelidade à Igreja e muita fidelidade à História. VP – Poderemos dizer que tem o caminho mais facilitado e receptivo do Patriarcado de Lisboa por ter estado 4 anos na Reitoria da UCP? É um ponto forte e a razão para ter sido nomeado para Bispo Auxiliar de Lisboa? CA – Penso que não é uma preparação especial. O facto de ter estado em Lisboa, já me dá mais algum conhecimento de Lisboa, mas a actividade que tinha do ponto de vista do contacto pastoral era muita limitada. Era mais com alguns alunos da Faculdade de Teologia e, portanto, com o Seminário, e com antigos alunos lá da Faculdade também; o contacto com uma ou outra Paróquia que pediu os meus serviços; e com um grupo de jovens, esses sim, de formação de animadores. Tive uma série de encontros de fim-de-semana com eles e ainda está marcado um para Março, que espero passar por lá. Foi assim o contacto, as conversas que ia tendo e o Retiro que fiz ao Clero de Lisboa, há cerca de 2-3 anos. Os padres vão-me conhecendo um pouco pelos Retiros e pelos Simpósios do Clero. Eles a mim conhecem-me mas eu a eles não os conheço tão bem. Esta será uma oportunidade para nos conhecermos e criarmos laços de comunhão. A realidade da vida da Igreja diocesana não a conheço, será uma descoberta. VP – O que é, de grosso modo, vai mudar/abdicar na sua vida pastoral e apostólica de tudo aquilo em que estava inserido e que foi fazendo, como o ser Professor, as Conferências várias, o Movimento Oásis? CA – Evidentemente que a função episcopal cria outras aberturas de resposta à Igreja e, portanto, quer as Conferências – que exigem um pouco de reflexão, tempo e preparação – ficarão ligeiramente limitadas; como também a parte da investigação, a parte da História religiosa e da Iconografia religiosa, que foram campos do meu trabalho, ficarão agora na gaveta. Estes sectores da arte, da investigação e da intervenção não quer dizer que ficam totalmente de lado, mas também o meu contributo até levando outros a entusiasmarem-se e fazerem aquilo que acho que é importante continuar a fazer, mas não directamente, porque o tempo não dará para tudo. VP – Pelo que sabemos, cada Bispo Auxiliar tem uma área própria de acção pastoral relacionada com os Movimentos, Grupos e Instituições Eclesiais. Se puder optar por uma área qual é aquela que gostaria de lhe ver entregue? CA – Eu até hoje não tenho escolhido as áreas em que quero trabalhar. As pessoas vão vendo em que posso ser útil e eu vou servindo aquilo que me pedem. O que tenho feito é aquilo que me pedem, não aquilo que eu quero, embora muitas vezes coincida aquilo que me pedem com aquilo de que eu gosto. Mas acho que só depois de reunir com o Senhor Patriarca e os outros Bispos é que distribuiremos essas tarefas. Em Lisboa há a distribuição por zonas pastorais, por isso há uma zona que é entregue a um Bispo Auxiliar. Será definido a partir de Abril, quando inserir a nova equipa, quer os sectores da pastoral como uma zona pastoral. Ficarei disponível para isso, para o que for não sei. Com certeza que, por uma questão de recursos humanos, é bom sempre que estejamos naquilo em que temos maior aptidão. Há uns que estamos mais preparados, outros onde estamos menos. Isso depois será certamente tido em conta. VP – Está agora a decorrer uma grande exposição em Santa Maria da Feira, sobre S. Sebastião, que se deve pratica e essencialmente ao P. Carlos, ao seu trabalho de Comissário Geral. Sentiu-se isolado de meios e apoios nesta execução, de curta e acelerada preparação? CA – O facto de nestes 3 meses desde que vim de Lisboa, da Reitoria da UCP, e em que continuei a dar as aulas, o resto do tempo pude entregá-lo, sobretudo, a esta tarefa de preparar a exposição. O resto das dificuldades são dificuldades inerentes ao país em que vivemos, onde tudo o que é inventário de arte está por fazer, onde há uma dificuldade enorme de encontrar e seleccionar um conjunto de peças. E depois, também, cheguei aqui e não tive uma equipa com quem estava habituado a trabalhar. Essa equipa está agora dispersa. VP – Com a espiritualidade que lhe é devida, tanto à de S. Sebastião como à do P. Carlos, o que é lhe trouxe de novo na procura e maior envolvência na figura deste Santo? O que regista com maior apreço e quer dar a conhecer a quem conhece mal S. Sebastião? CA – Todas as exposições que tenho feito faço-as sempre como Padre, disse isso nas minhas palavras de abertura desta Exposição. Não fiz nenhuma para simplesmente mostrar arte. As exposições têm todas um intuito pastoral, catequético, uma mensagem. Quero dizer com isto que as peças não são tratadas como devem ser, não estudadas do ponto de vista histórico, mas para além de tudo isto que se deve fazer, há ali um outro acrescento, que é a dimensão dum percurso que as pessoas fazem – ao entrar na exposição até sair – duma mensagem que as faz interrogar, que as faz reflectir e que também as enriquece culturalmente. Ora são estes aspectos, alguns vão lá só pelo enriquecimento cultural, mas outros também trarão algum proveito espiritual, alguma fruição de beleza, que também é espiritual, e uma mensagem do que é importante na vida e do que vale a pensa na vida. Ora, certamente, que a imagem de um S. Sebastião – toda a história embora passada pela passio legendária do séc. V, mas que depois os pintores retrataram – ao passar trazia uma grande fortaleza e um grande alívio para as pessoas, porque em momentos de peste, a grande razão da divulgação do culto sebastianino, encontravam aí grande alívio. Isso foi fundamental para as suas vidas. Também podemos dizer que o facto das pessoas olharem para S. Sebastião e verem nele alguém que deu a vida por Cristo, isso é significativo para as adversidades do mundo contemporâneo, onde há muita realidade difícil, que exige muita fortaleza. Essa mesma fortaleza está hoje presente na vida da sociedade, no testemunho de alguém que persistiu e lutou pela liberdade. VP – Tem também outra grande responsabilidade em suas mãos: o ser Postulador do processo de Canonização da Irmã Maria Rita de Jesus. Como está a decorrer e vai continuar este processo? CA – Felizmente que o processo coincide também com o encerramento destes dias. Portanto, o trabalho do Postulador “terminou”, na medida em que o processo vai para Roma e lá vai ser analisado. Em Roma é que vai haver um Postulador, será um Padre Capuchinho que já está escolhido e que já estava previsto, porque o Postulador tem que estar e viver em Roma, é das normas. E o Postulador, que preparou até aqui a causa, passa a Vice-Postulador. Em Portugal o Boletim que vai continuar a animar a memória da Irmã Rita poderá continuar a contar comigo na escrita de um ou outro artigo, mas penso que as Irmãs encontrarão uma Vice-Postuladora ou um Vice-Postulador para cá e eu ficarei mais livre deste processo. Nesta missão não é costume que os Bispos sejam Postuladores ou Vice-Postuladores. Terminei a minha missão, fiz o que era pretendido, e num tempo recorde, não só na aprovação em Roma no nihil obstat, mas também no trabalho excepcional de 8 meses do Tribunal Eclesiástico, em que pode ouvir 35 testemunhas e reorganizar o processo. Parabéns por isso ao Tribunal, pelo seu trabalho tão dedicado, para que tudo pudesse terminar a tempo. VP – Além de ter sido, como Padre, Director Espiritual do Seminário, Pároco da Sr.ª da Conceição, Assistente do Movimento Oásis, Professor e Vice-Reitor da UCP, o que gostaria de ter feito mais? Que ideais tinha para o futuro? CA – Gostaria de ter feito muita coisa melhor do que fiz. De resto, fazer outras experiências. Não fui eu que quis, não fiz tão bem como era vontade de Deus, certamente, mas procurei fazer o melhor possível. Agora estava a pensar que seria interessante uma experiência rural, que ainda não tinha tido, de um desafio duma unidade pastoral numa zona onde estivesse com meia dúzia ou mais Paróquias, nos arredores urbanos, onde se sonhasse um novo tipo de pastoral numa unidade pastoral. Era um sonho que acalentava. Outro era também uma casa de Oração, um Eremitério. Estava agora tudo a encaminhar-se para avançar, em S. Pedro das Águias, junto ao Távora. Estava já feita a escritura, tinha ido lá com um grupo de jovens desbravar silvas, está um arquitecto a fazer o projecto, vamos ver como avança agora noutra direcção. Eram 2 projectos do ponto de vista pastoral. VP – Mas não quer dizer que morra a concretização do seu 2º projecto, já que as coisas vão a bom andamento para um bom fim… CA – Esse projecto vem da minha ligação ao Daniel Faria e da visita que fazíamos todos os anos lá, na altura do Carnaval, ver as amendoeiras em flor e passar a manhã em S. Pedro das Águias. Veio depois a ideia de arranjar uma casinha velha e fazer lá um Eremitério. Depois da morte do Daniel, fiz mesmo o compromisso de fazer isso que já tinha sido sonhado na presença da vida dele, de fazer lá a “Casa Daniel”, uma Casa de Oração, que seria também um pouco memória dessa nossa experiência. Há um grupo também que está ligado a isso e esse grupo ficará com maior responsabilidade. Teremos que formalizar o modo de dar seguimento a essa iniciativa.