1. O homem criado por Deus é um ser livre, tem o destino em suas mãos e o dos seus irmãos, não depende do movimento das estrelas nem dos horóscopos. A noção de destino é contrária à liberdade de Deus e do homem. Para salvar a liberdade humana os padres da Igreja refutaram a astrologia, da qual conheciam a teoria e os métodos. Uma das narrações do Evangelho da Infância mais conhecida e sempre representada nos presépios é a dos Magos que vêem até Belém adorar o Rei nascido da Virgem Maria. O centro da narração é o encontro com Jesus, a Luz do mundo, para judeus e pagãos. Mas o elemento cénico mais conhecido é a estrela misteriosa e brilhante que conduz os pagãos a Belém, e à fé. A narração dos magos e da estrela é a idealização da Igreja dos gentios que ocupa um lugar da maior importância no Reino de Cristo. Consulta dos horóscopos 2 – Como todos os seus conterrâneos, os cristãos dos primeiros séculos foram fascinados pela astrologia. O fatalismo astral constituía, como se pensava, uma das formas mais poderosas do poder do mal. Cristo, o Salvador, tinha vindo livrar os seus fiéis da influência maléfica dos astros. A narração dos Magos causara certa perturbação nos espíritos. Ao contrário dos outros astros, a estrela que conduzira os sábios a Belém era um astro benéfico. Não teria Cristo pela sua incarnação libertado os astros, de forma que à semelhança da estrela dos Magos já não estavam sujeitos ao poder do mal, mas definitivamente na órbita do poder do Messias? A mentalidade geral dos cristãos estava fortemente impregnada pela astrologia que aceitava os seus princípios, devido ao ambiente geral pagão em que vivia. O prestígio intelectual do sistema astrológico e as práticas que daí derivavam estavam de tal modo espalhadas no povo cristão que os padres da Igreja, dos séculos II ao V, foram obrigados a enfrentar a situação sob o aspecto pastoral. São João Crisóstomo no século IV afirma que os cristãos acreditavam nos presságios, nos dias felizes e nefastos, que dirigiam orações aos astros e imploravam a piedade do sol nascente. A polémica dos autores cristãos, principalmente dos bispos, contra a astrologia tinha uma finalidade pastoral. Alguns escritores falam da influência do demónio na astrologia e que esta era uma forma muito eficiente para afastar os homens das coisas de Deus. O argumento dos demónios suscitava nos cristãos o temor e a desconfiança em relação com a astrologia. A polémica contra os astros era uma exortação para resistir às armas do demónio e se converter a Deus. São Gregório aconselhava «a levantar os olhos não para os astros», mas para a «liberdade poderosa de Deus». Os astros e o nosso destino 3 – A astrologia que está omnipresente na cultura hodierna – nos jornais, semanários, revistas, Internet – estende-se do Ocidente ao Oriente. Estas práticas são tão antigas como o homem. A astrologia nasceu da beleza do céu estrelado, da ordem e regularidade do movimento dos astros que se repetem e influenciaram os espíritos dos homens pela ordem no alto e a desordem sobre a terra. A angústia perante o futuro desconhecido e o desejo de conhecer o seu destino, explicam o sucesso persistente de todas as formas de adivinhação e a consulta dos «videntes». Tanto na antiguidade como na idade média, a astrologia e a astronomia eram parentes próximos. Ambas se baseavam no sistema cronológico que via a terra como o centro do mundo. Copérnico com a sua revolução matou a astrologia! Que lição nos dá a doutrina dos padres da Igreja acerca da astrologia? Eles procuram demonstrar a importância da razão reflectindo a partir das Escrituras. Os astros não têm nenhum elemento divino, são criaturas de Deus. O versículo 1,14 do Génesis causou perturbações. «Disse Deus: que existam luzeiros no firmamento do Céu, para separar o dia da noite; que eles sirvam de sinais, tanto para as festas como para os dias e os anos». Os doutores da Igreja insistiram, que eles são instrumentos de Deus que marcam as estações, o dia e a noite. Combatem o fatalismo e o determinismo, ou seja o destino escrito nos astros. O homem é criado livre, é senhor da sua vida, capaz de escolher entre o bem e o mal, o seu destino não está determinado antes de nascer. Estes escritores dão-nos o exemplo de uma prática cristã da razão, em função da ciência da sua época. Fé e razão não se opõem. A Sagrada Escritura é o critério supremo, mas ela não se opõe à ciência nem à razão. O homem criado por Deus é um ser livre, tem o destino em suas mãos e o dos seus irmãos, não depende do movimento das estrelas nem dos horóscopos. A noção de destino é contrária à liberdade de Deus e do homem. Para salvar a liberdade humana os padres da Igreja refutaram a astrologia, da qual conheciam a teoria e os métodos. A polémica foi sinal do confronto entre paganismo e cristianismo. Esta doutrina continua actual em nossos dias e para os nossos conterrâneos. … A pequena cidade de Belém, a menor entre as cidades de Judá tornou-se o centro do universo. A estrela chamou os gentios à fé, a sua luz deve iluminar todas as nações. O mais importante no texto de São Mateus não é a luz do astro, mas a do Rei que Maria apresenta nos braços, Aquele de quem Simeão já profetizara: «Luz para iluminar as nações, e glória do teu povo Israel» (Lc. 2,32). Funchal, 8 de Janeiro de 2006, Solenidade da Epifania do Senhor †Teodoro de Faria, Bispo do Funchal