Assistência espiritual e religiosa nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde

Comunicado da Coordenação Nacional das Capelanias Hospitalares No final da sua reunião ordinária do início do ano pastoral, em 26 de Setembro, a Coordenação Nacional das Capelanias Hospitalares expressou reservas sobre o segundo projecto de regulamentação da assistência espiritual e religiosa nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, apresentado em finais de Julho à Conferência Episcopal Portuguesa. 1. Por nossa iniciativa e sugestão da Conferência Episcopal Portuguesa, tornamos público este comunicado, que pretende, para além do mais, esclarecer a nossa interpretação deste projecto de regulamentação e o ponto de vista pastoral que fundamenta esta interpretação, bem como as intervenções que, com pleno conhecimento do texto, mas por vezes correspondendo a insistências demasiadas dos meios de comunicação social, foram sendo produzidas. Sublinhamos que ler este texto a partir do ponto de vista pastoral, especificamente nosso, é necessariamente diferente de qualquer outro ponto de vista. Mas também nos parece que a nossa perspectiva, considerando a questão em causa – a assistência espiritual e religiosa hospitalar – não pode ser ignorada. 2. A consciência da importância terapêutica de que se reveste a espiritualidade nos cuidados de saúde – como é proposto pelas linhas de orientação da Rede Europeia de Capelanias Hospitalares, a que pertencemos, e praticado na generalidade dos países europeus – permitiu abrir um caminho de trabalho para encontrar uma formulação regulamentadora que considere a delicadeza de que se reveste a questão, no respeito pelas exigências da Constituição da República Portuguesa, bem como da Concordata entre Portugal e a Santa Sé e da Lei da Liberdade Religiosa. Sem prejuízo do Princípio da Separação, confiamos que o Princípio da Cooperação, consagrado quer pela Concordata, quer pela Lei da Liberdade Religiosa, permita estabelecer um horizonte de entendimento e compromisso que conduza a uma solução que equilibre igualdade e proporcionalidade. 3. Sempre nos preocuparam algumas possibilidades redutoras apresentadas pela segunda formulação que, em tempo e de modo oportuno, exaustivamente apreciámos, conforme nos foi pedido pelo Ministério da Saúde. Possibilidades que, se concretizadas por Administrações Hospitalares com práticas restritivas em relação à assistência espiritual e religiosa, como já acontece, apesar da Lei vigente, dificultariam o exercício desta assistência nos hospitais, em que constitui tradição milenar. Estas dificuldades dever-se-iam a duas ordens de razões que sempre indicamos e que nos parecem determinantes: porque desintegram os agentes desta assistência das instituições e equipas de saúde e desintegram esta dimensão da prática de cuidados de saúde. Estes vectores, que nos parecem na base da regulamentação referida, justificaram a nossa tomada de posição. 4. Esta tomada de posição foi ditada também pela nossa experiência pastoral de assistência espiritual e religiosa hospitalar, a partir da qual interpretámos o projecto regulamentar, na perspectiva já da sua aplicação, se eventualmente aprovado. Ele conduziria a uma prática de assistência espiritual e religiosa pontual, sem continuidade, com sérias consequências em termos de desumanização, porque ficaria esquecida a Pessoa, seja o doente, sejam os seus familiares, no seu processo interior, crucial em tempo de internamento. 5. Em diversos momentos e por diversos intervenientes, com maior ou menor precisão, a nossa leitura do projecto de decreto regulamentar foi comentada, nomeadamente a referência a vários aspectos dele constantes, como a necessidade de solicitação escrita e assinada para receber assistência, ou a articulação desta assistência com o horário da visita, ou o impedimento dos profissionais de abordarem esta questão com os seus doentes. É nossa convicção que estes aspectos, como outros menos referenciados e eventualmente mais complexos, apresentados pelo projecto como preferenciais ou como regra, poderiam conduzir a situações em que os doentes se veriam efectivamente constrangidos na sua liberdade religiosa, ou mesmo impedidos de a exercerem. Para isto contribuiria, também, a precariedade institucional com que se veriam confrontados os Serviços de Assistência Espiritual e Religiosa, se a sua existência fosse sequer reconhecida. 6. Sabemos que vivemos um momento de profundo significado. Certamente constitui um desejo de todos os Credos e Confissões a possibilidade de um compromisso sem constrangimentos na assistência espiritual e religiosa aos seus membros internados nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde. A Coordenação Nacional das Capelanias Hospitalares, integrada na Pastoral da Saúde e em plena comunhão com a Conferência Episcopal Portuguesa, vem apelando e trabalhando neste sentido há anos. É, por isso, razão de esperança, em nome do benefício dos doentes e de cuidados de saúde integrais, percebermos intenção, por parte do Ministério da Saúde, de regulamentar este serviço, procurando um modelo mais justo, inclusivo e integrado, que supere as insuficiência do actual modelo de Capelania, de acordo, aliás, com as indicações do Plano Nacional de Saúde. 7. Nunca nos conduziu qualquer intenção de polémica, mas somente de esclarecimento e aprofundamento das razões pastorais, únicas que nos movem, independentemente das interpretações a que estejamos sujeitos. Sabemos o que nos compete e só queremos condições para o realizar, qualquer que seja o estatuto que nos seja reconhecido. É inteira a nossa disponibilidade para o diálogo já iniciado com o Ministério da Saúde. Porto, 10 de Outubro de 2007 Pe. José Nuno Ferreira da Silva Coordenador Nacional dos Capelães Hospitalares

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