Linhas orientadoras da última carta pastoral da CEP No ano em que se comemora o 10º aniversário do Ano Internacional da Família, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) publicou, dia 2 de Junho, uma carta pastoral sobre “A Família, esperança da Igreja e do mundo”. Um documento dividido em sete capítulos que traça linhas de rumos para as famílias e aponta obstáculos na vivência plena desta célula da sociedade. As “importantes mudanças sociais registadas” nos últimos anos têm submetido a família “a fortes tensões e provocado alguma inquietação entre aqueles que se preocupam com a estabilidade da realidade familiar. A cultura dominante parece apostada em impor um conjunto de atitudes que desfiguram e debilitam o matrimónio e a família” – denuncia o documento da CEP, logo na introdução. Com o intuito de alterar este panorama, a Igreja propõe-se “anunciar, com renovado vigor, «aquilo que diz o Evangelho sobre o matrimónio e a família, para individuar o seu significado e valor no desígnio salvífico de Deus»”. Um trabalho que os bispos portugueses, conscientes de que a família é o ponto de partida para a realização da pessoa e para a humanização da sociedade, “queremos, uma vez mais, proclamar o Evangelho do matrimónio e da família e lembrar a todos que a grande missão da família é ser, na Igreja e no mundo, o rosto vivo do Deus que ama” – sublinha a carta pastoral. No “Luzes e sombras da família na sociedade contemporânea” – tema do segundo capítulo da «Família, esperança da Igreja e do mundo» – refere-se: mesmo que muitas famílias “não estejam em crise”, a cultura actual “provocou uma crises da instituição familiar”. Consequências da descoberta da individualidade que “conduziu ao individualismo” – afirmam. A cultura, marcada pelas tendências do “egoísmo e de egocentrismo”, apresenta sinais de “degradação preocupante quanto a alguns valores fundamentais”. Modos de vida que propõem o “sabor do imediato e do momento” e subalternizam “as opções definitivas e os valores duradouros” – denuncia a carta dos bispos. A expansão económica acompanhada por uma “forte especulação imobiliária que encareceu significativamente o preço da habitação”; o desemprego e o trabalho precário; o regime fiscal vigente que “desencoraja a natalidade e penaliza as famílias numerosas” e a “pouca protecção dada à maternidade” – são algumas dificuldades resultantes das estruturas sociais apontadas pela «A Família, esperança da Igreja e do mundo». Pontos negativos para a família visto que estas instabilidades são responsáveis “pelo adiamento do matrimónio e por desequilíbrios que afectam a unidade familiar”. E lamenta: “falta, na realidade, uma política que centre o sistema fiscal na família e que privilegie o tratamento fiscal dos rendimentos integrados num agregado familiar. Falta, igualmente, uma política de incentivos às empresas que desenvolvam uma política de apoio às famílias dos seus trabalhadores, nomeadamente através de creches, infantários e prestação de cuidados de saúde”. Em relação às «fragilidades internas à própria família», a carta pastoral refere que o “individualismo trouxe a corrupção do conceito e exercício da liberdade”. Perante este facto, os prelados portugueses salientam que a família torna-se, assim, “um conjunto de indivíduos com direitos e deveres regulados pela Lei, e não uma comunidade de vida e amor, onde o exercício da liberdade se traduz no dom de si próprio, na partilha, na solidariedade e no serviço feito por amor”. Pelo compromisso matrimonial, os cônjuges ligam-se um ao outro por um amor fiel, exclusivo e indissolúvel que os compromete “para sempre numa vida de partilha”. Contudo – menciona o documento – diversas situações vividas nas famílias “atentam contra este compromisso: o individualismo, a infidelidade, a promiscuidade sexual, a mentira, a incapacidade para se dar totalmente, a procura do próprio prazer e dos próprios interesses por cima dos interesses comuns, a ruptura do compromisso matrimonial. São traições ao amor que fracturam e, muitas vezes, ferem de morte a comunidade familiar. O divórcio aparece, neste contexto, como uma das mais graves formas de traição ao amor”. «As famílias em situações especiais» não são esquecidas pela carta pastoral da CEP: quando um dos cônjuges é «recasado» – “o divórcio é sempre uma crise extremamente dolorosa” -; com filhos portadores de deficiência – “trata-se de uma questão que ainda não encontrou uma resposta satisfatória por parte dos poderes públicos” -; famílias monoparentais – “a falta da imagem do pai ou da mãe como figura de referência pode constituir, para a educação da criança, uma grave lacuna” -; situação dos idosos – “por vezes, essa realidade significa pobreza, isolamento, solidão, esquecimento, tristeza e desamparo, apesar do apoio e do acompanhamento das instituições de solidariedade social públicas ou privadas” – e as famílias deslocadas (migrantes) – “a separação da família, além de aumentar o seu sofrimento e solidão, enfraquece as relações familiares e contribui para a desagregação da comunidade familiar”. Este quadro significa, para a realidade familiar, um enorme desafio. Contudo, os bispos encaram o futuro “com confiança e esperança, convictos de que as famílias saberão encontrar o seu caminho, realizar as necessárias adaptações, conservar os valores perenes e continuar a desempenhar, com fidelidade, o seu papel e a sua missão na Igreja e no mundo”. O Domingo é o tempo propício para a “construção familiar como realidade de comunhão”. Um dia para lançar “um olhar repleto de jubilosa complacência sobre o amor, a vida, a relação e o trabalho realizado ao longo da semana”. E acentuam: “é um dia “santificado” por Deus para o homem se lembrar que Deus é a fonte da vida e do amor, que a Ele pertencem o universo e a história, também o universo da família e a sua realidade quotidiana de alegrias e sofrimentos”. Sendo o dia da Igreja, o Domingo é, também, “o dia da família, o dia da «Igreja doméstica», em que, à volta da Eucaristia, são purificados e reforçados os laços do amor e da unidade”. O Domingo é, também, “o dia do repouso, da alegria, da celebração de aniversários, do convívio, do diálogo entre os esposos e entre pais e filhos, da solidariedade (com os parentes doentes, com os mais idosos, com as famílias em dificuldades, com as famílias imigradas)”. A celebração e a vivência do Domingo cristão será “uma fonte de permanente renovação do amor que impedirá o desgaste, o cansaço e o desencanto a que poderá estar sujeita a vida conjugal e familiar” – realça «A Família, esperança da Igreja e do mundo» Como o matrimónio é uma vocação cristã, a carta pastoral apela para “um processo de discernimento, uma preparação remota, uma formação próxima e uma preparação imediata”. A intervenção da família na sociedade e na Igreja, “sendo um direito que lhe assiste em ordem a salvaguardar os seus legítimos interesses”, é, sobretudo, “um dever indeclinável que nasce da sua missão de «guardar, revelar e comunicar o amor». Conscientes de que a família é a esperança da Igreja e do mundo, os bispos portugueses exortam “as famílias cristãs a viverem na fidelidade à sua vocação e a serem, na Igreja e no mundo, testemunhas do amor de Deus, sal e luz, fermento que leveda a massa, testemunhas do Evangelho, sinal de esperança e de vida nova”.