As propostas essenciais da Laudate Deum, exortação apostólica

Manuel Correia Fernandes, diocese do Porto

Como estava anunciado, foi tornada pública em 4 de outubro de 2023, dia da memória de São Francisco de Assis, a Exortação Apostólica Laudate Deum. Importa lembrar que se trata de uma exortação apostólica, não de uma encíclica, o que traduz a sua complementaridade com outro documento anterior, que assinala também a proposta do louvor, que é a encíclica Ludato Sì, de 2015. Esta exortação relembra e atualiza a mesma doutrina. Por outro lado, a exortação manifesta a atenção que o Papa mantém e quer reafirmar aos problemas da realidade científica, social e cultural que nestes dias é tema de numerosas iniciativas, diretivas, propostas e preocupações sociais e culturais.

Nesta reflexão não propomos realizar uma leitura global do documento, mas apenas algumas linhas de pensamento que nos parecem especialmente relevantes do universo da doutrinação teológica da realidade humana e civilizacional.

O texto procura realizar uma visão de conjunto sobre s situação climática no orbe terrestre, com as fases de consciência, de análise, de realizações propostas e de falhanços nesse processo. Manifesta uma atenção aos movimentos sociais que se têm verificado nos últimos anos visando uma maior consciência social. Acentua por outro lado a prevalência dos interesses económicos no desenvolvimento dos processos tecnológicos que continuam a escamotear a necessidade das transformações e das mudanças comportamentais.

Mas seguramente a dimensão mais central e menos evidenciada das propostas do documento papal situa-se num campo que foi proposto e desenvolvido na última encíclica: que toda a visão da natureza deve ter sempre uma dimensão humana, conceito que introduziu através do sintagma até agora não usado de “ecologia global”, em que propõe incluir não apenas os aspectos naturais, mas os aspectos globais da condição e da identidade humanas. Esta é uma dimensão que, sendo antropológica, é pouco evidenciada na linguagem corrente da maioria das iniciativas, mesmo as bem intencionadas.

A formulação mais englobante do fenómeno poderá encontrar-se na afirmação do n.º 42 do documento: “O mundo está a tornar-se tão multipolar e, simultaneamente, tão complexo que é necessário um quadro diferente para uma cooperação eficaz. Não basta pensar nos equilíbrios de poder, ocorre também responder aos novos desafios e reagir com mecanismos globais aos desafios ambientais, sanitários, culturais e sociais, sobretudo para consolidar o respeito dos direitos humanos mais elementares, dos direitos sociais e do cuidado da casa comum. Trata-se de estabelecer regras universais e eficazes para garantir esta proteção mundial”.

Quais sejam estas regras é tema de que habitualmente se escapam as opiniões mais correntes sobre o assunto, oriundas de ambientes naturalistas, sociais ou políticos. O apelo que procura valorizar este documento é o deste sentido englobante de todos os olhares humanos sobre o tema e  está expresso na passagem em que recorre à proposta da Laudato Sì: “Buscar apenas um remédio técnico para cada problema ambiental que aparece, é isolar coisas que, na realidade, estão interligadas e esconder os problemas verdadeiros e mais profundos do sistema mundial».

Na parte final da exortação, o Papa dirige-se especialmente os cristãos, propondo-lhes o sentido da fé e dos valores espirituais como instrumentos de guia na busca das soluções, valorizando a ligação entre a humanidade e a natureza, o universo em que se insere e se move, propondo um novo conceito: “hoje somos obrigados a reconhecer que só é possível defender um «antropocentrismo situado», ou seja, reconhecer que a vida humana não se pode compreender nem sustentar sem as outras criaturas. De facto «nós e todos os seres do universo, sendo criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal, uma comunhão sublime que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde», citando mais uma vez a Laudato Sì. E acentua que importa construir “outra forma de convidar ao multilateralismo para se resolverem os verdadeiros problemas da humanidade, procurando sobretudo o respeito pela dignidade das pessoas, de tal modo que a ética prevaleça sobre os interesses locais ou contingentes”. Retoma assim o grande conceito do Amor civil e político, em que o cuidado da natureza faz parte dum estilo de vida que implica capacidade de viver juntos e de comunhão”, sugerindo a conversão ecológica que defina a relação da sociedade com o mundo (Laudato Sì, n. 217).

Antecipando a realização da próxima Conferência das Partes (COP28), que terá lugar num dos países do Golfo Pérsico, grande exportador de energia fóssil, apela a uma atenção à busca de processos novos de energias renováveis. E propõe aos Estados esse esforço no sentido de continuar a abrir ao mundo novos horizontes de sobrevivência.

Assim o Papa se coloca nessa linha da frente de angariar para o mundo estratégias de futuro, no respeito pela natureza e prla própria pessoa humana. É nessa linha que pretende edificar a grande dimensão humana do “Louvai o Senhor”.

 

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Agência ECCLESIA

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