Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Sempre me fascinou como S. Francisco se dirigia a todos os elementos da natureza, mas reparei que não se refere às árvores. Em certa medida estão incluídas na mãe terra. O que significa uma árvore para ti? Oxigénio? Beleza? Uma mesa? Calor numa lareira? Nada?
A onda em torno das alterações climáticas continua a crescer. É importante, mas ganha outro sabor se for acompanhada por outros actos ecológicos que não se dirijam apenas à ecologia ambiental, mas também à social e à interior (Felix Guattari). Só no equilíbrio dos diversos tipos de relacionamentos podemos obter uma perspectiva integral dos ecossistemas, uma Ecologia orientada para a Comunhão.
A ecologia é a ciência dos relacionamentos. Uma discussão sem sentido com alguém pode, neste prisma, ser um acto poluidor por quebrar os relacionamentos. Mas é mais fácil respirar o oxigénio das árvores, dizer que são bonitas (ou feias), tirar umas fotos, ou até ir ao ponto de as plantar. Este último acto é mais do que um gesto simbólico. Diante do desastre que assistimos na Amazónia, é uma necessidade. Mas será que plantar uma árvore leva-nos à experiência de nos relacionarmos com elas como “irmãs”? Talvez sim, mas não na maior parte dos casos. O mais certo é sentirmos que fizemos a nossa parte, mas construir um relacionamento com as árvores está fora do nosso contexto relacional. Parece, inclusive, fantasioso, certo?
S. Francisco era um fantasioso? Seria o seu discurso teológico, meramente espiritual? Não sei. Não o conheci pessoalmente, ou tive oportunidade de perguntar, ou conheço alguém que tenha a certeza absoluta de que esse Santo pudesse estabelecer um relacionamento autêntico com cada entidade do mundo natural ao ponto de se dirigir a essas como irmão e irmã. Mas precisamos de saber se S. Francisco era “fantasioso” ou não para entender o âmago das suas palavras? Afinal de contas, o relacionamento com as árvores é um problema, ou algo que faz parte da nossa vida?
Os problemas resolvem-se com soluções. A vida desenvolve-se com caminhos. Creio que o relacionamento com as árvores seja mais uma parte da nossa vida do que um problema. Logo, o desafio está em encontrar o(s) caminho(s) a percorrer para aprofundar esse relacionamento.
O caminho do conhecimento
Depois de ler ”Verde Brilhante” (Gradiva) do neurobiólogo vegetal Stefano Mancuso e da jornalista Alessandra Viola, fiquei a saber que percebia muito pouco do reino vegetal do qual as árvores fazem parte.
Sabiam que o explorador e naturalista Lineu sustentava que as plantas dormiam? O próprio Darwin estava convicto de que as raízes das plantas possuem milhares de extremidades radiculares, cada uma dotada de uma espécie de “centro de cálculo”, logo semelhantes ao funcionamento de um cérebro. Aliás, embora menos conhecido mundialmente, Francis Darwin, cientista de renome em fisiologia vegetal (e filho de Charles Darwin) chegou a afirmar que – ”As plantas são seres inteligentes.”
De facto, um modo de aprofundarmos o relacionamento com alguém passa por o conhecermos cada vez mais e melhor. Há algum tempo que a ciência demonstrou como as plantas possuem sensibilidade, estabelecem complexas relações sociais, comunicam entre si e com os animais, mas poucos sabemos ou nos apercebemos disto. Talvez porque a escala de tempo em que essa comunicação se dá é bem maior do que a escala a que estamos habituados. Nesse sentido, criar um relacionamento com as árvores implica tempo. Algo criativamente explorado no Senhor dos Anéis por J.R.R. Tolkien quando, depois de um dia inteiro de diálogo, os Ents concluíram que Merry e Pippin não eram orcs! Isto à beira de uma guerra sem precedentes na história da Terra Média.
Num mundo acelerado como o nosso, o relacionamento com as árvores pode ajudar-nos a desfrutar mais e melhor do tempo, dando-lhe um valor diferente.
Sabiam que 99.7% da vida no planeta Terra é de origem vegetal? As plantas são os seres dominantes deste planeta e porquê? A explicação que os cientistas encontram é a de que as plantas são organismos muito mais sofisticados do que pensamos, adaptam-se melhor do que esperamos e possuem uma inteligência que pouco conhecemos.
Há quem pense que a inteligência é a capacidade de resolver problemas.
As plantas têm problemas com predadores e resolvem-nos com estratégias complexas que envolvem outros animais.
As plantas têm problemas para se reproduzir e resolvem-nos com animais de confiança – sim, as plantas são selectivas a esse ponto – para polinizar.
Há plantas cujos nutrientes da terra são insuficientes, logo, têm um problema de alimentação que resolveram com sofisticadas técnicas de “sedução” de animais dos quais se alimentam.
Se a inteligência fosse apenas a capacidade de resolver problemas, as plantas são inteligentes ao seu modo.
A inteligência não nos separa do mundo vegetal, mas une-nos. E se conhecermos melhor as árvores, uma enormíssima parte das plantas, descobriremos a possibilidade de um relacionamento diferentes com elas.
O caminho da soledade
No livro que meditei recentemente do P. Vasco Pinto de Magalhães s.j. ”Só avança quem descansa” (que recomendo vivamente), há uma parte sobre a solidão positiva que pode ser importante para nos ajudar a viver caminhando com as árvores.
A azáfama que vivemos na sociedade, sob o disfarce de dinamismo e produtividade, pode ser um sério reflexo da incapacidade de estarmos sós. – Arghh! – Disse a palavra “sós” e, seguramente, que a maior parte dos leitores pensa ser uma palavra negativa que nos traz à memória as pessoas com mais idade deixadas sozinhas em casa, ou nos lares, sem visitas. Ou as pessoas que se isolam e pouco se relacionam com os vizinhos. É verdade que pensamos estarem sós, mas eu prefiro dizer que estão isoladas pelo/do mundo. São marginalizados e abandonados, ou fecham-se sobre si próprios contruindo barreiras relacionais com tudo e todos à sua volta.
Estar só é outra coisa.
Diz o P. Vasco Pinto de Magalhães que
”…temos uma necessidade absoluta de estar sós. Só para me encontrar; só para perceber o meu ritmo e quem sou; só para falar comigo; só para me poder encontrar mais com os outros e com Deus.”
Parece um contrasenso ter necessidade de estar só para me ”encontrar com…”, mas é uma necessidade para nos centrarmos na vida.
Quando usamos o GPS podemos com o dedo ver o que está mais adiante, ou mais de um lado, ou de outro e a um dado momento, perdemos o rasto da nossa posição. Nesse caso usamos a função “re-centrar.” Estar “só,” como exprime o P. Vasco é encontrar de novo o centro da nossa vida, as razões de viver. É uma solidão positiva ou soledade.
As árvores acolhem-nos sempre e proporcionam um ambiente privilegiado para crescermos na soledade.
Podemos ficar a pensar o que devemos fazer quando contemplamos ou passeamos pela natureza na companhia das árvores, mas isso é pensar demais e de modo funcional. Não funciona bem. O que fazemos é semelhante à intuição de Santo Inácio de Loyola,
“Não é o muito saber que farta e satisfaz a alma, mas o sentir e saborear as coisas internamente.”
Daí que o caminho do conhecimento que falava anteriormente não prescinde do caminho da soledade. Se o caminho do conhecimento é mais exterior, o caminho da soledade é interior. E o resultado reflecte-se numa vida de comunhão que nos ajuda a encontrar o real valor que todos os seres têm e fazermos uma experiência concreta de sermos família da criação.
Levanta-te. Procura as irmãs árvores e convido-te a caminhar com elas. Quem sabe que inspirações suscitarão dentro de ti.