Padre Diamantino Alvaíde, diocese de Lamego

A circularidade cronológica do tempo faz com que todos os anos, por esta altura, nos sintamos inevitavelmente arremessados para a celebração efusiva das festas, daqueles que tradicionalmente se denominam de santos populares. Por devoção ou para diversão, por convicção ou para conversação, por obrigação ou para oração, são vários os motivos e diferentes os objetivos que atraem os festeiros a tão arreigadas celebrações. Cada um se apresenta, por sua vez, no mais distinto papel. Como participante ou mero assistente, como protagonista ou simples passageiro, como promotor ou somente consumidor, todos acabam por ter lugar num quadro pintado a várias cores, algumas bastante contrastantes, mas sempre emoldurado com o nome de um santo(a).
Não raras vezes nos detemos a considerar, com artilhada argumentação, se os tempos idos ou os tempos vindos são os melhores ou os piores, os mais favoráveis ou os menos promissores, os mais inusitados ou os menos perigosos. E também aqui pesa o idadismo. Para os mais novos, tocados pelo brilho incandescente do desenvolvimento cientifico-tecnológico e de um futuro cronologicamente longo, o presente é a melhor de todas as eras. Para os mais velhos, alvejados pelo saudosismo natural de quem já tem muitas memórias e pela certeza de um futuro cronologicamente curto, o passado é o tempo que devia voltar.
As festas populares que se avizinham são um dos acontecimentos que nos fazem recolocar nos pratos da balança temporal a essa mesma questão: eram as ontem que nos faziam transcender a opacidade humana, ou são as de hoje que nos alteiam o espírito para as realidades ultramundanas? A pertinência desta questão está exatamente na popularidade das festas populares. Aquelas que outrora foram pensadas para enaltecer as virtudes heroicas de um homem ou mulher a quem a Igreja reconheceu a dignidade dos altares estão agora popularizadas por um sem número de eventos culturais, recreativos e lúdicos, que ocultam ou secundarizam o seu sentido original.
O povo que, inicialmente, sentiu necessidade de honrar a memória dos santos com ritos litúrgicos (orações, procissões, peregrinações, etc.) é o mesmo povo que agora se serve dessas datas para que, através de ritos menos religiosos, se mantenha a convergência das pessoas para o lugar da festa. Mesmo que as convicções celebrativas, hoje, sejam distintas das do passado sobressai a necessidade legítima e salutar do encontro, do convívio, do lazer, do descanso, do regresso à terra, do retorno à família, etc. Mesmo que as peregrinações, as procissões ou as celebrações já não tenham o mesmo fulgor espiritual ressalta a procura interior de um contacto (por vezes atabalhoado ou individualizado) com a Transcendência. Mesmo que a popularidade das festas de então não seja garantida pelas mesmas razões ou motivações de outrora, elas continuam a ser uma excelente oportunidade para a evangelização. “Existe um património de fé e espiritualidade que está presente na religiosidade popular, nas festas e nos lugares particulares de culto, que, adequadamente evangelizado, pode tornar-se um momento eficaz de transmissão da fé» (Atas do IV Convénio Eclesial Nacional, Itália).
Em suma, mesmo que os frequentadores da liturgia sacramental das festas populares de hoje não nos pareçam tão convictos e conscientes como os de ontem, são estes que precisam, anseiam e merecem que lhes seja anunciada a Salvação de que a Igreja continua a ser medianeira.
Pe. Diamantino Alvaíde
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