As agências de rating – uma nova máquina de guerra do nosso tempo?

Manuela Silva

Nos últimos dias tem-se falado muito acerca de agências de rating e das classificações que aquelas vêm atribuindo aos Países ou aos bancos e, mais recentemente, às cidades.

Poderá parecer a algumas pessoas que estamos diante de uma realidade nova. Não é o caso. Convém lembrar que a primeira empresa de rating existe há mais de cem anos. Foi criada nos Estados Unidos com o objetivo de avaliar o risco dos investimentos no setor dos caminhos de ferro que, então, começavam a ser construídos naquele País.

O que são estas agências de rating? Nem mais nem menos do que empresas de consultadoria que produzem – e vendem – informação acerca dos riscos que poderão estar associados a determinadas aplicações financeiras. Estas entidades avaliam esses riscos, classificando os países, as empresas, os  bancos e até as cidades e atribuindo-lhes  classificações (ratings) que pretendem indicar o grau de incumprimento.

É sabido que quanto maior for o risco inerente a uma emissão de dívida, maior será o retorno exigido pelos investidores, ou seja, maiores serão os juros por eles impostos aos seus credores. Compreende-se, por conseguinte, que as classificações feitas por estas agências se revestem da maior importância, pois vão servir de guia aos investidores, aos emissores e aos administradores públicos para as suas tomadas de decisão em matéria de investimento e de financiamento.

Por esta razão, além de se exigir uma elevada competência técnica por parte dessas agências dada a complexidade das matérias analisadas e do grande impacto das classificações atribuídas sobre a economia dos países, a atividade dos bancos e de outras empresas e, indiretamente, nas condições de vida das pessoas, ter-se-á que garantir condições básicas de transparência acerca dos critérios utilizados e da qualidade das fontes da informação recolhida assim como uma total isenção quanto aos interesses em presença.

Ou seja, tal como se escreve na denúncia recentemente apresentada na PGR, não pode permitir-se que ajam por forma a alterar o preço dos juros, direcionando o mercado para situações em que elas próprias ou os seus clientes tenham interesse e retirem benefícios.

Ora, há razões para pensar que estas condições básicas não estejam a ser respeitadas pelas três principais agências de rating.

Em primeiro lugar, porque é manifesto o seu elevado grau de concentração (90% da atividade), configurando uma situação de domínio do mercado e desrespeito pelas leis da concorrência.

Em segundo lugar, porque se verifica uma situação de conflitualidade de interesses pelo menos em duas das agências visadas, já que, na respetiva estrutura do capital acionista, figuram empresas de fundos de investimento; num caso, em posição maioritária e, noutro, com participação relevante no capital (superior a 11%). Estas empresas de investimento são tomadoras de dívida soberana portuguesa (e também da Irlanda, Grécia e Espanha), o que leva a admitir que se empenhem em obter notações baixas para que estas lhes abram a porta à imposição de juros mais elevados.

Por último, cabe referir que estas empresas de rating não explicitam com a devida transparência os critérios que subjazem às suas classificações e quando muito fazem apreciações vagas, que não abonam em seu favor.

No caso de Portugal, são de estranhar mudanças repentinas e bruscas de classificação quando aparentemente não existem razões objetivas que as possam explicar.

Por outro lado, é sabido que bancos americanos que foram à falência eram cotados por estas agências de rating com classificações máximas pouco tempo antes da falência dos mesmos ter sido declarada. Sabe-se, hoje, pelo relatório da Comissão que investiga o colapso de 2007 entregue ao Senado americano que as agências de rating já tinham conhecimento da magnitude dos produtos tóxicos, mas que terão modificado os seus critérios para dar boa notação aos seus clientes.

A concluir algumas questões:

– Por que razão é tão lenta a justiça na denúncia e punição dos crimes económicos, nomeadamente quando estão em causa grandes poderes financeiros?

– Por que razão não foi ainda criada uma ou mais agências de rating no âmbito da União Europeia, com condições de independência e isenção?

– Por que razão se abriu um fosso tão grande entre o mundo financeiro e a ética?

– Não estará a falta de ética a minar os alicerces da nossa civilização e a pôr em causa o nosso próprio futuro?

– Que têm os cristãos a propor para contrariar a centralidade do lucro na vida económica e financeira, com concomitante descaso do desenvolvimento sustentável, da qualidade de vida das pessoas e da coesão social? 

Estes e outros assunto são regularmente abordados no blogue http://areiadosdias.blogspot.com

Manuela Silva, economista

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