Artista português dá vida aos Mistérios do Rosário, em Fátima

Em entrevista à Sala de Imprensa do Santuário de Fátima o artista plástico português Pedro Calapez, autor dos trabalhos artísticos das portas principais e dos painéis com o tema dos mistérios na Igreja da Santíssima Trindade, fala cobre o seu trabalho. Como descreve conceptualmente as obras que elaborou para a nova igreja do Santuário de Fátima? Os desenhos que realizei fazem referência a artistas que na História da Arte se debruçaram sobre os temas propostos e aos quais fui retirar inspiração, por vezes fazendo referências concreta a determinadas pinturas ou desenhos. Artistas incontornáveis da arte universal, como Fra Angélico, Giotto, Simone Martini, Masacio, Mantegna e outros são por mim homenageados neste projecto. No caso dos painéis o tema é “Os Mistérios do Rosário”. São vinte temas em quatros grupos de cinco, os Mistérios Gozosos,Luminosos, Dolorosos e Gloriosos. Gozoso (1) : A anunciação do Anjo a Nossa Senhora. Foi escolhido representar apenas a cabeça do anjo, mostrando-se na parte lateral direita um troço de auréola, evocação de Nossa Senhora. A mão do Anjo, com o dedo levantado lembra o que veio transmitir. Gozoso (2) : A visita de Nossa Senhora a sua prima Santa Isabel. As duas figuras, uma jovem e outra de mais idade, olham-se nos olhos como que reflectindo todo o futuro que lhes está reservado Gozoso (3) : O nascimento de Jesus em Belém. S. José reclina-se sobre a figura de Nossa Senhora embalando o Menino, estão diante uma gruta simbolizada nos múltiplos traços na parte esquerda do desenho. Gozoso (4) : A apresentação do Menino Jesus no templo. Duas figuras aparecem do lado esquerdo, sendo Simeão a mais central, dirigindo-se a Nossa Senhora que eleva nas suas mãos o Menino Jesus. Gozoso (5) : O encontro de Jesus no templo, entre os doutores. A figura de Jesus aparece aqui isolada, mas com a mão direita levantada, como que discursando. Em fundo evoca-se uma colunata referindo-se assim o local em que se encontra. Luminoso (1) : O Baptismo de Jesus no Jordão. Evocando o momento crucial do Baptismo foi escolhido dar ênfase ao acto do cair da água na cabeça de Jesus. A mão de João Baptista segura uma tigela inclinada sobre a cabeça de Jesus. Luminoso (2) : A revelação de Jesus nas Bodas de Canã. A transformação da água em vinho é aqui simbolizada pelo conjunto de vasilhas que pelo seu conjunto repetitivo evocam o efeito de multiplicação. Luminoso (3) : O anúncio do Reino de Deus com o convite à conversão. Escolheu-se aqui a representação das mãos, como elemento simbolizador da oração mas também da pregação. Luminoso (4) : A transfiguração do Senhor. Jesus aparece aqui como que flutuando no ar, surgindo duas figuras lateralmente, evocação de Moisés e de Elias. Luminoso (5) : A instituição da Eucaristia. O cálice foi considerado como o elemento a representar de um modo muito afirmativo e assim escolheu-se apresentá-lo em grandes dimensões e como elemento único deste desenho. Doloroso (1) : A agonia de Jesus no horto das oliveiras. Representa-se Jesus ajoelhado junto a um monte rochoso. Ao fundo um céu estrelado evocativo do espaço de Deus. Doloroso (2) : A Flagelação de Jesus. Apenas o torso de Jesus em posição crispada de dor e um instrumento de tortura do lado esquerdo. Doloroso (3) : A coroação de Espinhos. Optou-se aqui também por centrar o desenho no elemento principal deste tema, a coroa de espinhos, representada em grande dimensão. Doloroso (4) : Jesus a caminho do Calvário. Jesus transporta a cruz, num movimento desequilibrado e tenso, revelando o Seu martírio no caminho do Calvário. Doloroso (5) : Crucificação e Morte de Jesus. Apenas se vêem as pernas e os pés, estes escorrendo sangue. Do lado direito um dos ladrões, noutra cruz. Glorioso (1) : A Ressurreição de Jesus. Cristo eleva-se do túmulo perante os soldados vencidos pelo seu esplendor. Glorioso (2) : A Ascensão de Jesus no céu. Evoca-se pelo desenho um buraco nos céus, por onde ascende Jesus. A figura de um apóstolo eleva as mão na direcção do Senhor. Glorioso (3) : A descida do Espírito Santo sobre Nossa Senhora e os Apóstolos. Uma figura nas nuvens , Deus, dirige as suas mãos em direcção à terra. Delas emanará o Espírito Santo. Glorioso (4) : A Assunção de Nossa Senhora. Escolheu-se representar Nossa Senhora a meio corpo, em grande dimensão, com o olhar dirigido para o alto. Glorioso (5) : A coroação de Nossas Senhora Rainha dos Anjos e Santos. Uma mão aparece do lado esquerdo do desenho segurando uma coroa, que está a ser colocada na cabeça de Nossa Senhora. Um fundo evocando brilhantes emoldura a cena. Em relação às Portas, foi escolhido representar um céu pleno de nuvens. Numa abertura dessas nuvens surge uma pomba, símbolo evocativo da SantíssimaTrindade. Mais do que uma descrição visual das cenas decidi evocar situações ou escolher elementos que creio se encontram na memória de todos os Cristãos, possibilitando também a descoberta de cada história a partir dos seus pormenores. Pode descrever alguns pormenores em relação ao decorrer do trabalho? A realização deste trabalho passou primeiro pela investigação, ver como diferentes artistas em diferentes épocas tinham resolvido os temas propostos. Os desenhos que começaram a surgir no computador, por vezes partindo de imagens pré-existentes, foram estudados tendo em vista o processo técnico escolhido para a sua realização: a fundição em bronze. Escolhi realizar o desenho de uma forma muito sintética e gráfica, representando por vezes as cenas em grande ampliação. A espessura do traço foi assim determinante para fazer resultar a leitura da imagem em tamanho natural. Aconteceu-me por diversas vezes dar por terminado um desenho e depois verificar que não era tecnicamente viável. Esse foi um dos primeiros problemas a resolver. Por outro lado sendo a linha vazada numa superfície lisa a sua leitura era feita pelo contraste com o fundo onde se colocaria o painel. É claro que era necessário saber como num fundo de pedra claro a linha teria leitura, se a sombra do painel na parede seria suficiente escura para a linha se ver como negra em contraste com as diferentes cores que o bronze podia tomar ou se pelo contrário a linha se leria clara num fundo escuro. Decidi realizar esta última opção, escolhendo uma patine escura, deliberadamente manchada para animar plasticamente a sua superfície. Pensava então que a linha se destacaria melhor recortada na parede branca, isto é, linha branca em fundo negro. Já em obra, na montagem, verifiquei que tinha escolhido uma patine demasiado escura, e que ainda por cima não exaltava convenientemente a qualidade do material utilizado. Tinha previsto a possibilidade de aclarar a patine mas decidi nesse momento raspá-la completamente deixando o material na sua cor natural. O efeito resultou esplendidamente, visualizando-se uma linha negra, forte, em contraste com a superfície brilhante do painel. Linha negra sobre fundo claro, o inverso do que tinha originalmente projectado. Apercebi-me ainda nesse momento, que os efeitos das máquinas na limpeza do bronze eram efeitos plasticamente interessantes, provocando uma vibração na superfície muito eficaz visualmente. Decidi assim que esse seria o acabamento dos bronzes. Penso que o que aconteceu são situações comuns aquando da realização de obras de arte destinadas a serem colocadas em espaços específicos, com arquitectura e iluminações que determinam ou podem condicionar o projecto feito no papel. O artista deve sempre estar aberto para modificar a sua obra perante as condições físicas dum espaço que experimenta. Enquanto artista, o que significa para si estar ligado à obra da Igreja da Santíssima Trindade? Pela dimensão do projecto e as especiais características do local trata-se de uma situação única, de significado especial na vida de um artista. Fátima é local de intensa espiritualidade, visitado por milhares de crentes. Pensar como serão vistas as obras que projectei assusta-me e deslumbra-me.

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