Arrependei-vos e acreditai na Boa Nova

Mensagem da Quaresma de D. Manuel Pelino 1- O período da Quaresma é um tempo oportuno para reflectirmos e vivermos o essencial da fé cristã. No ambiente de dispersão e confusão em que nos encontramos, temos absoluta necessidade deste período para descobrirmos a nossa condição humana e a vocação a que Deus nos chama. Deste modo, podemos acertar a nossa vida pela sabedoria divina. Como pedimos na oração do primeiro domingo: “Concedei-nos, Deus omnipotente, que, pela observância quaresmal, alcancemos maior compreensão do mistério de Cristo e a nossa vida seja um digno testemunho”. Inicia na Quarta feira de Cinzas com a exortação a que tomemos consciência da nossa condição de fragilidade: somos pó, voltamos ao pó a qualquer momento. (Ninguém sabe quando é chamado). A Quaresma lembra-nos e convida-nos também a viver a nossa vocação transcendente de participar no Mistério Pascal de Jesus Cristo, vencendo o pecado e vivendo à imagem do Senhor Ressuscitado. Pelo Baptismo, na verdade, devemos morrer com Cristo para o pecado e viver a vida nova do Espírito. O que só é possível através da penitência. Por isso, ouvimos frequentemente no tempo quaresmal: “Arrependei-vos e acreditai no evangelho”. A Quaresma, tendo como fundo o Mistério Pascal de Cristo, apresenta-se portanto, como um percurso baptismal, que se traduz num percurso penitencial. Leva-nos, assim, a tomar consciência e a viver a nossa verdadeira identidade humana e cristã, destacando elementos fundamentais, hoje em risco de serem esquecidos, como: a vocação à santidade, a inclinação de todos para o pecado (as tentações que meditamos no primeiro domingo), a necessidade de conversão, a importância da escuta da Palavra de Deus, da oração, de ambiente de recolhimento para cultivar a vida interior. Exorta-nos, ainda, constantemente à caridade. O ambiente e a cultura não favorecem antes contrariam a prática deste ideal cristão. Precisamos do tempo propício da Quaresma para crescer na vida cristã pessoal e comunitária. 2- O percurso penitencial precisa de ser concretizado num programa. Para cultivar a atitude interior de conversão, são-nos propostos alguns gestos concretos: a) o jejum como pedagogia para controlar os nossos impulsos egoístas, que se traduz na renúncia aos nossos apegos ou defeitos (na alimentação, no tabaco, no álcool, na agressividade, na maledicência para alcançarmos a humildade, a liberdade, a amabilidade, a caridade); b) a escuta mais assídua da Palavra de Deus para podermos chegar à fé mais viva e esclarecida (será uma boa oportunidade para revitalizar os grupos da “lectio divina”); c) a oração mais intensa e mais frequente; d) a caridade diligente na bondade, no acolhimento, no serviço, na reconciliação e na partilha fraterna; e) o sacramento da reconciliação, como expressão da conversão interior e de crescimento na santidade baptismal. Cuidem, nesse sentido, os pastores com as suas comunidades de apresentar um programa quaresmal onde se proponha um itinerário com sequência em que se ofereçam aos fiéis momentos de reflexão e de oração e se valorize a liturgia, mais rica neste tempo, como grande escola do povo cristão. É importante integrar também neste programa a Via Sacra, gestos de partilha e o sacramento da Reconciliação. Dê-se igualmente destaque ao início solene da Quaresma (Quarta feira de Cinzas ou Primeiro Domingo), ao Tríduo Pascal e ao momento culminante da Vigília Pascal com a renovação das promessas do Baptismo. 3- A Quaresma tem uma dimensão comunitária. É todo o povo de Deus que é convocado para este itinerário. A comunidade cria ambiente e apoia o itinerário de cada um. Também a família, como primeira comunidade e principal escola de vida cristã, desempenha um papel imprescindível na compreensão e vivência da Quaresma. Procurem, por isso, os pais e educadores ajudar os filhos a perceber o significado da Quaresma e a aprender as suas práticas. Proporcionem aos filhos, de modo especial neste tempo santo, momentos de escuta da Palavra e de oração em família. Incentivem à prática do serviço, da bondade e da reconciliação. As Sextas feiras deveriam ser assinaladas em família por uma alimentação mais sóbria e por algum exercício de piedade. Na mensagem para esta Quaresma de 2004, o Santo Padre convida-nos a reflectir sobre a condição das crianças: “Quem acolher em meu nome, uma criança como esta, acolhe-me a Mim” (Mt 18,5). Estas palavras de Jesus, diz-nos o Santo Padre, convidam-nos a ser humildes, simples e confiantes como as crianças. Só com esta atitude interior as poderemos acolher e respeitar. Elogia também os pais que acolhem famílias numerosas e igualmente aqueles que colocam a educação dos filhos acima do sucesso profissional João Paulo II não deixa de registar também o egoísmo daqueles que não “acolhem” as crianças: “Existem menores profundamente feridos pela violência dos adultos: abusos sexuais, aviamento à prostituição, envolvimento na venda e no uso de droga; crianças obrigadas a trabalhar ou alistadas para combater; inocentes marcados para sempre pela desagregação familiar; pequenos sumidos no ignóbil tráfico de órgãos e pessoas(…) a humanidade não pode fechar os olhos perante um drama tão preocupante. Que a Quaresma seja, de modo particular, uma ocasião útil para dedicar maior cuidado às crianças, no seu próprio ambiente familiar e social: elas são o futuro da humanidade” Profundamente relacionada com esta chaga social da exploração das crianças, devemos preocupar-nos igualmente com a violência doméstica que aterroriza e causa mesmo a morte a muitas mulheres também entre nós. É um grave problema social que devemos ter a coragem de enfrentar e combater com os meios de que dispomos: denunciando, quando necessário, acolhendo, apoiando e ajudando a recuperar tanto as vítimas como os agressores. A caridade não pode omitir esta dimensão social. Por outro lado, a actual crise económica e de desemprego tem afectado profundamente algumas famílias, sobretudo quando ambos os pais ficam sem trabalho. Como a Diocese de Setúbal parece das mais atingidas por casos destes e está a recolher e a organizar o apoio para as famílias com problemas sociais, vamos destinar metade da renúncia quaresmal deste ano para estas famílias. Entregaremos à Caritas Diocesana de Setúbal que garante o bom encaminhamento da ajuda. Outra metade será canalizada para um projecto concreto de países africanos de expressão portuguesa (Guiné ou Moçambique têm vários projectos que merecem ser contemplados). Da renúncia quaresmal de 2003 recebemos 32.010,79 €. Metade é para um projecto interessante da Diocese da Guiné Bissau e outra metade para ajuda na reestruturação do Hospital de Marrere, da Diocese de Nampula, Moçambique. Quaresma de 2004 D. Manuel Pelino, Bispo de Santarém

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