Arcebispo de Évora celebra 50 anos de sacerdócio

D. Maurílio Jorge Quintal de Gouveia, em entrevista ao Jornal da Madeira, traça um balanço do seu percurso na Igreja Jornal da Madeira — Bodas de ouro sacerdotais, o que representam para si? D. Maurílio Gouveia — Este é um momento de grande intensidade espiritual e emoção. Os sentimentos entrecruzam-se; as recordações tornam-se mais vivas; muitas pessoas que partilharam comigo a felicidade daquele dia longínquo, de 5 de Junho de 1955, a começar pelos meus pais e pelos meus irmãos, o Élvio e o Énio, já partiram para a Casa do Pai. Entre os muitos sentimentos que me enchem o espírito e o coração nesta hora, sobressai o de uma profunda gratidão a Deus. Cada vez mais sinto e tenho consciência de que a vocação sacerdotal é um chamamento personalizado de Deus. Um chamamento que traduz um gesto de amor de Cristo. Jesus disse um dia aos Apóstolos: “Não fostes vós que me escolhestes; fui Eu que vos escolhi”. Com Maria, nossa Mãe celeste, quero dirigir a Deus Pai, neste jubileu sacerdotal, o cântico de louvor e de acção de graças que Ela mesma cantou: “A minha alma glorifica o Senhor”. Fá-lo-ei no dia 4 de Junho, na Sé Metropolitana de Évora, e, no dia 5, na igreja paroquial de Santa Luzia. JM — A sua vocação nasceu no seio familiar ou na comunidade paroquial? D.MG — Dizem os meus pais e familiares que eu não teria ainda os quatro anos e já dizia que queria ser padre. Foi um desejo que brotou, não sei como, no meu coração, penso que sem influência de qualquer pessoa. Hoje, com mais de setenta anos, e olhando para tudo o que ocorreu desde então, julgo que Deus verdadeiramente chama em qualquer idade e que pode começar a atrair-nos para uma missão, desde a mais tenra idade. Felizmente, os dois ambientes que refere, isto é, a família e a paróquia, constituíram um terreno providencial, preparado para acolher e fazer crescer a pequenina semente vocacional. Gostaria de sublinhar que o clima aberto, vivido na família, na paróquia e na escola, permitiu que as respostas sucessivas que fui sendo chamado a dar na adolescência e na juventude, se revestiram sempre de grande liberdade. JM — Que etapas mais marcantes regista de toda a sua vida de Sacerdote, Bispo e de Arcebispo? D.MG — A primeira etapa situa-se entre 1955-1957, depois da ordenação sacerdotal e antes da partida para Roma, a fim de prosseguir os estudos na universidade. Comecei o meu ministério como coadjutor de Machico. Foi um ano de uma inesquecível experiência pastoral, logo nos alvores do sacerdócio. O contacto directo com a realidade humana e eclesial havia de marcar toda a minha vida futura. Os anos vividos em Roma, coração e centro do mundo eclesial, entre 1957 e 1960, constituíram outra etapa decisiva da minha vida e missão. Foi o tempo do contacto com a cultura teológica e com o pulsar da catolicidade da Igreja, nos anos que precederam imediatamente o Concílio. Toda a década de 60 e ainda os três primeiros anos da década seguinte, constituíram o tempo central do serviço pastoral na minha diocese de origem. Tempo rico de experiências e com o condão de estar a trabalhar na minha própria terra, com a qual me sentia perfeitamente identificado. Depois, foram os oito anos como Bispo Auxiliar de Lisboa, colaborando directamente com o Cardeal Patriarca D. António Ribeiro, figura que marcou o seu tempo histórico. Tempo de profundas alterações políticas, relacionadas com a Revolução de 1974. Finalmente, em 1981, iniciava o ministério como Arcebispo de Évora. Têm sido vinte e quatro anos de apaixonante, embora exigente, actividade pastoral, ao serviço da edificação do Reino de Deus e da promoção das populações alentejanas e ribatejanas. Gostaria ainda de sublinhar outros aspectos do meu ministério, designadamente os que se referem ao serviço no seio da Conferência Episcopal como responsável pelo Apostolado dos Leigos e das Comunicações Sociais e ainda a experiência como membro do Pontifício Conselho para os Leigos em Roma. Foram trabalhos que proporcionaram vastos horizontes da Igreja, com os seus problemas, mas também com os seus valores e dinamismos apostólicos. JM — Fala-se de crise de vocações religiosas, hoje em dia. Na sua opinião, onde estará a origem do problema? D.MG — As profundas mutações ideológicas, culturais, familiares e políticas, que se têm vindo a acentuar nas últimas décadas não podiam deixar de afectar a vida da Igreja. Tem-se assistido a uma crescente laicização e descristianização da sociedade, com a perda de valores fundamentais. A fé tem sido afectada e instituições fundamentais, como a família, têm passado por graves crises. Tudo isto tem os seus reflexos naturais na realidade vocacional sacerdotal. A diminuição de candidatos ao sacerdócio está assim relacionada com um clima generalizado, desfavorável a uma consagração total ao serviço da Igreja. Todavia, é bom não esquecer que a promessa de Deus “Dar-vos-ei sacerdotes” permanece viva e indestrutível. É nesse sentido que devemos interpretar alguns fenómenos significativos, como o aumento de vocações em alguns continentes, como na Ásia, a África e a América Latina. Mesmo na Europa, onde a situação é mais preocupante têm surgido exemplos de novas vocações sacerdotais em idade juvenil e adulta. Isto verifica-se de modo especial nos novos movimentos apostólicos e comunidades eclesias. O Espírito Santo que anima e conduz a Igreja é mais forte do que as inevitáveis crises históricas. Foi sempre assim no passado. Assim será no futuro. JM — O que espera ou deseja do futuro, em termos de evangelização e de empenhamento pastoral por parte de toda a Igreja? D. MG — Penso que a expressão “Nova Evangelização”, utilizada pelo saudoso Papa João Paulo II, resume bem o rumo que a Igreja seguirá no futuro. A “Nova Evangelização” representa um novo impulso missionário exigido pelos novos tempos. O Papa intuiu, à luz do Espírito, esta exigência urgente e traçou, com a sua palavra profética e a sua actividade apostólica verdadeiramente planetária, sobretudo junto da juventude, os rumos do futuro. Estamos a sair duma concepção estática da Igreja para uma concepção dinâmica, evangelizadora. Isto requer cristãos bem formados na fé, famílias solidariamente constituídas, comunidades paroquiais vivas e movimentos apostólicos empenhados. JM — A propósito deste acontecimento – 50º aniversário de ordenação sacerdotal –que mensagem gostaria de dirigir à Igreja diocesana do Funchal, em geral, e à comunidade de Santa Luzia, em particular? D. MG — À paróquia de Santa Luzia e à Diocese do Funchal devo o terem sido instrumentos valiosos nas mãos de Deus para que eu pudesse crescer na fé e realizar a vocação sacerdotal. O melhor que lhes podia desejar é que Deus as faça descobrir sempre o que significa para cada um de nós e para a sociedade em geral a salvação oferecida por Jesus Cristo. Neste voto sincero vai toda a minha gratidão.

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