Jacques Delors falou nas Semanas Sociais Portuguesas Jacques Delors veio ontem a Braga defender que é necessário encontrar um equilíbrio entre a economia e a aposta nas questões sociais, para que haja uma sociedade aceitável. Criticando a ideologia do mercado como o rei inquestionável, o antigo presidente da Comissão Europeia falou da necessidade de assegurar a educação, o trabalho, o salário e o domínio do tempo como garantias de uma sociedade mais equitativa. Falando no âmbito das Semanas Sociais Portuguesas, que decorem até amanhã, Jacques Delors alertou para o facto de um novo “darwinismo” estar em marcha, baseado na supremacia dos critérios financeiros sobre as tomadas de decisão, não somente das grandes empresas, mas também de certos responsáveis políticos. «Há pessoas de tal modo maravilhadas com a evolução económica que consideram que isso molda a estrutura política e humana. Eu digo que não, que a economia tem a sua função, mas é preciso pô-la no seu lugar. Se não fizermos isso, teremos um novo “darwinismo” a partir da economia, da criação de valor e do poderio financeiro», afirmou. Em seu entender, há neste momento quem queira fazer passar a ideia de que a aposta nas questões sociais é «um freio ao crescimento e ao desenvolvimento». Jacques Delors discorda desta ideia e considera, pelo contrário, que o social pode ser um factor de desenvolvimento económico, tal como se verificou depois da II Guerra Mundial. «A síntese realizada depois da Guerra até ao final dos anos 70 permitiu realizar grandes progressos, não somente em relação ao nível de vida, mas na cobertura de áreas como a saúde ou a terceira idade. Os analistas dessa época demonstraram como o social é um factor de desenvolvimento da economia », afirmou. Na sua opinião, melhorar a qualificação dos trabalhadores e as suas condições laborais podem ser estímulos para o desenvolvimento económico. Por isso, aponta como o grande desafio que se apresenta «reencontrar um equilíbrio – que será sempre posto em causa – entre um economicismo sem freio, a procura de um compromisso entre as forças sociais e a regulação das autoridades públicas, que devem impedir situações de monopólio, corrigir os excessos ou insuficiências do mercado, remediar a sua miopia e assegurar os direitos de longa duração». Fazendo referência à situação mundial, explicou que a liberdade de trocas permitiu uma participação acrescida dos países subdesenvolvidos na economia mundial. Só que «esta evolução positiva coloca problemas difíceis aos países ricos, conduzindo-os a reverem a sua posição na divisão internacional do trabalho, a realizarem a reconversão das actividades em declínio e, sobretudo, a fazerem a reconversão profissional dos trabalhadores vítimas destes movimentos». Perante estas desigualdades no sistema internacional, Jacques Delors deixou uma interrogação: «É aceitável suscitar a emoção dos nossos concidadãos falando- -lhes, ao domingo, da pobreza insustentável de milhões de homens e mulheres, mas depois, durante a semana, publicar panfletos contra a concorrência desses mesmos países e a reclamar medidas proteccionistas?». Em seu entender, é preciso que todos se apertem à mesa para que todos tenham lugar e direito a um prato. Por isso, destacou o trabalho que está a ser feito na Organização Mundial do Comércio, no Banco Mundial, no Fundo Monetário e nas Conferências de Dadores. O antigo presidente da Comissão Europeia relembrou a proposta para a criação do Conselho de Segurança Económico no seio das Nações Unidas, para «apontar os factores mais importantes de desequilíbrio que ameaçam a economia mundial e a paz, mesmo que ela esteja exposta a outros riscos que não apenas os de natureza económica e financeira». Educação é fundamental Jacques Delors explicou que uma economia à dimensão da pessoa exige que sejam introduzidos «princípios que garantam as liberdades concretas de todos elementos de correcção social». O orador apontou a educação como uma questão fundamental, uma vez que as desigualdades no acesso à formação são fontes de «exclusão social e de pobreza». Em relação ao trabalho, o orador referiu que as evoluções do mercado fizeram com que numerosas pessoas não possam dispor de um trabalho ao longo de todo o ano, oscilando entre o desemprego e o emprego precário. «São elas as vítimas de uma instabilidade que aumenta as desigualdades e os riscos de exclusão social», afirmou. Do mesmo modo, defendeu que «uma política de salários consiste em definir o que é necessário para viver com decência e justiça, tendo em conta as necessidades da família, os reformados e todos os infortunados ». O ex-presidente sublinhou os progressos realizados na saúde, mas destacou que os problemas de financiamento podem pôr em risco a igualdade de acesso aos serviços, especialmente se forem postos em causa os princípios da segurança social para todos. Entre os «bens primeiros » colocou ainda o domínio do tempo. «A desigualdade perante o tempo e o seu uso é ainda mais importante do que as desigualdades das situações materiais », alertou.