Ao serviço da Igreja

No dia em que faz anos e é anunciado o seu sucessor, como Bispo de Aveiro, a Agência ECCLESIA recorda uma entrevista com D. António Marcelino quando este completou 75 anos “Quem negar que há problemas graves que exigem soluções válidas e sérias, anda fora da vida. Mas, para quem defende soluções de morte para problemas da vida, ao contrário do que se pretende fazer ver, as pessoas passaram a ser coisas” – referiu, num artigo recente, o bispo de Aveiro, D. António Marcelino, (21/IX/1930). Natural de Lousa, Castelo Branco, o pastor das terras da ria recebeu a ordenação presbiteral a 9 de Junho de 1955. 75 Anos de vida, 50 Anos de padre e 30 Anos de bispo. Um percurso doado ao rebanho porque quando “os horizontes são de morte, a vista é sempre curta e incapaz de ir além do imediato, de ir ao fundo dos problemas” – sublinhou. Não fala por metáforas Depois de alguns anos como bispo auxiliar de Lisboa, D. António Marcelino passa a coadjutor do Bispo de Aveiro sem direito a sucessão – 19 de Dezembro (início a 1 de Fevereiro de 1981) e com direito de sucessão a 8 de Setembro de 1983. Toma as rédeas da diocese quando D. Manuel de Almeida Trindade pede a resignação, a 20 de Janeiro de 1988. Soltou as velas e “deixei que o meu barco se fizesse à ria e ao mar” – sintetizou o aniversariante ao jornal «Correio do Vouga» quando celebrou as bodas de Prata episcopais. O seu antecessor, D. Manuel de Almeida Trindade, realçou na altura: “julgo que melhor herança à diocese não podia eu ter deixado. Aveiro bem merece pelo desenvolvimento que tem tido um bispo com a inteligência e a capacidade de trabalho de D. António Marcelino”. Por sua vez, o diácono Daniel Rodrigues escreveu no jornal citado, a 20 de Setembro de 2000, que o bispo de Aveiro é “comunicável, acessível frontal e irrequieto. Não tem ambiguidades e não fala por metáforas. Vai ao âmago das questões sem subterfúgios, embora muitas vezes sofra as consequências da sua frontalidade”. D. António Marcelino “não pára um momento” e “não deixa que ninguém pare”. O próprio pastor diocesano refere muitas vezes que na Igreja “não há, não deve haver, desemprego”. Há um grande universo de solicitações à espera do cultivo da «vinha» e da «seara». Com os 75 anos a baterem-lhe à porta, o bispo de Aveiro ainda estaria apto para correr as Olimpíadas! Não pára um momento e percorre milhares de quilómetros por mês. Um dinamismo que lhe está no sangue porque gosta de estar perto do rebanho. Este homem beirão parece que tem o dom da ubiquidade… É um homem do seu tempo e do nosso tempo, capaz de compreender a força da Comunicação Social. Desde a primeira hora em que se deu a Aveiro “é presença assídua nos jornais e rádios, sobretudo, tendo sempre uma opinião sobre o que aflige os crentes e não crentes”. Uma reflexão abalizada de pessoa “atenta e preocupada, sem angústias, dá gosto ouvi-lo e lê-lo quando interpelado pelos jornalistas” – mencionou o diácono Fernando Martins no jornal diocesano. Estamos fartos de diletantes neste país Um homem preocupado com a sociedade e com os problemas desta. Tem empenhado muitas energias na questão da educação. Ainda recentemente falou em “crise da educação” e em “concertação para impor valores descartáveis”. Muitos não estão em sintonia com o discurso dos valores mas estes são aquilo que “estrutura a vida das pessoas e da sociedade. Há valores que são intocáveis, independentemente da sua interpretação. Se são culturais ou não, se vêm da lei natural, isso é secundário. Muitos são intrínsecos à nossa própria natureza. Temos de saber o que ajuda a nossa cultura e sociedade a viver, comunicar, ser feliz” – adiantou o bispo de Aveiro àquele órgão de comunicação social. E acrescenta: “Muitos dos opinadores e dos considerados pensadores não têm qualquer espécie de compromisso na sociedade sobre a qual estão a discutir. São diletantes de escritório ou de gabinete. E isso é preciso dizê-lo. Nós estamos fartos de diletantes neste país”. No episcopado português, D. António Marcelino é considerado um dos bispos mais inovadores. Perante esta qualificação, o prelado de Aveiro refere que “não há uma bitola para dizer que se é mais inovador ou menos. Temos que nos pôr sempre ao nível das dioceses, das capacidades e serviços. Posso dar mais nas vistas em relação a algum tipo de coisas e a alguns riscos que sempre corri. Porque é que fui o primeiro bispo a fazer um sínodo diocesano? Andava tudo com muito medo. Eu falava da ideia e diziam-me: «Faz tu primeiro». Vivi sempre esta preocupação: que a Igreja fosse um serviço para o mundo e que aprendesse de facto a dialogar com o mundo”. Em Roma sonhava com Portugal Após a ordenação foi para Roma, o que considerou ter sido “uma graça muito grande”. Descobriu a dimensão da catolicidade rezando “o mesmo credo com gente de outras raças, no contacto com o Papa, na Universidade Internacional” – afirmou à agência Ecclesia quando celebrou 50 anos de sacerdócio. Quando veio de Roma (em 1958) sentia-se “que estava tudo a abanar”. Pio XII morre em Setembro, é eleito em Outubro João XXIII. “Vivi esta transição toda. Em Roma, tínhamos um grupo de padres que se reunia a sonhar com Portugal”. Depois daquela experiência foi para o Seminário com uma “mentalidade aberta. Escrevi sobre preparar pessoas para o catecumenato e alguns colegas ficaram muito ofendidos, porque pensaram que eu estava a pôr problemas que ainda não se sentiam. O meu bispo apoiou-me sempre muito”. Em 1961 já “pedíamos uma reforma agrária no Alentejo. É claro que levei muita pancada dos monárquicos e dos latifundiários. Vivi essas lutas todas. A seguir ao Concílio, viajei pelo país todo, a falar da «Lumen Gentium»” – confessou. Com o concílio, abriu-se um novo horizonte. “Na altura senti que o fruto estava maduro: era altura de o comer ou dele apodrecer”. Viveu esses anos de forma apaixonada e empenhou-se fortemente na sua divulgação. Chefiou uma equipa que passou pelas dioceses portuguesas “oferecendo cursos novos sobre temas conciliares” – disse. Ao olhar para a Igreja portuguesa (soma das dioceses), D. António Marcelino realça que esta “não tem um plano em grandes linhas para poder enfrentar os problemas. E não tem porquê? Não vê os problemas? Claro que os vê. Simplesmente, a percepção é totalmente diferente numa diocese do norte ou no sul, no interior ou litoral. Com percepções tão diversas, é muito complicado ter planos que enfrentem as situações”. Os investimentos em Aveiro Chegou a Aveiro no dia 1 de Fevereiro de 1981 mas das vezes que por lá passou, quando era padre, ou antes, pensava: «uma terra onde gostava de viver». Sempre gostei de mar, vindo eu lá do interior”. O sonho concretizou-se… mas o ditado diz que «a diocese faz o bispo e o bispo faz a diocese». Uma convergência de forças que teve um enriquecimento mútuo. “Se não tivesse tanto espaço como a minha capacidade de alguma maneira pedia, ficava um pouco mutilado. Teria sido de outra maneira, se tivesse ido para a diocese para a qual estive indicado…”. Nunca recebeu qualquer nomeação para bispo da Guarda mas “houve quem desse isso como garantido” – sublinhou o prelado ao jornal «Correio do Vouga». Porém, em Aveiro encontrou um campo de “grandes possibilidades de investimento”. Na mensagem de Natal de 1997, o prelado dá a receita para este investimento: “se consumirmos menos e partilharmos mais, faremos deste modo a denúncia mais consequente da sociedade de consumo”. O mundo das pessoas empobrece e torna-se menos habitável “à medida que esquece, estraga, dispensa e profana o Natal”. Como o Natal do bispo de Aveiro se comemora neste mês de Setembro, D. António Marcelino realça que “a minha vida persiste e continua, aderindo aos novos desafios que o Senhor me vai propondo”. Este homem nunca está conformado nem instalado. “Quando não posso fazer tudo aquilo que julgo ser necessário, fico um pouco inconformado com as limitações”. Apesar da idade, o pastor de Aveiro revela: “o projecto a que me quero dedicar até ao fim é despertar para o diálogo Igreja-Mundo”. A Igreja “ainda fica muito pelo templo mas este é um lugar de passagem, de fortalecimento – ninguém vive dentro das Igrejas” – finalizou o aniversariante.

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