Anunciadores de Cristo num mundo que procura

Homilia do Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa na Basílica de S. Pedro O «Directório para o Ministério Pastoral dos Bispos» apresenta a Visita «Ad Limina» com um significado muito preciso: «aumentar o seu sentido de responsabilidade como sucessor dos Apóstolos e fortalecer a sua comunhão com o sucessor de Pedro» assim como «um momento importante para a vida da mesma Igreja particular que, através do seu representante, consolida os vínculos de fé, comunhão e disciplina que ligam à Igreja de Roma e a todo o corpo eclesial»» (Dir. 15). Em síntese, acontece como «momento de graça» para o Bispo e para a Diocese que lhe está confiada. O texto da Primeira leitura, escolhido para este local, pode lançar-nos algumas interpelações como enquadramento perfeito desta experiência de comunhão eclesial que pretendemos realizar. Não se trata de algo de novo: intensificar o existente e renovar compromissos eclesiais que delimitam os objectivos que pretendemos alcançar. O testemunho da Igreja primitiva é verdadeiramente estimulante. Limito-me a sublinhar alguns pormenores. A reflexão pessoal completará o meu pensamento. 1 – Pedro e João subiam ao Templo para a oração. A modernidade, num pluralismo cultural e dominado pela indiferença e agnosticismo, impele-nos para um activismo muitas vezes desregrado e motivador de cansaço e desânimo. A Igreja, e nesta os seus pastores, têm de centralizar-se na prioridade do espiritual e místico e a partir daqui encarar os mais variados desafios. Estes exigem muita reflexão pessoal e em corresponsabilidade nos diversos conselhos eclesiais. Sem um verdadeiro encontro com Cristo, no gosto de estar com Ele, o trabalho pode acontecer como funcionalismo ou burocracia. O futuro da Igreja está condicionado pela dimensão contemplativa que sempre acompanhou a sua história e, particularmente, nos momentos chamados de crise. 2 – Caminhar para o Templo, não permite que nos aí refugiemos. Necessitamos de sair para ir ao encontro da humanidade que sofre. Na caminhada de Pedro e João «olhamos fixadamente» para o homem «coxo desde o ventre materno». Hoje não podemos ignorar as diversas situações desumanizantes e, em muitos casos, escandalosas porque contra a dignidade característica de todo e qualquer ser humano. A Igreja deve tornar-se «perita em humanidade» e, por isso, necessita de conhecer bem, olhar com profundidade para os dramas existenciais, elaborando um diagnóstico que não é meramente sociológico mas que nasce da sensibilidade dum coração que a todos quer oferecer dedicação e amor. A carta encíclica «Deus caritas est» fala da «atenção do coração», (oferecer aos outros «as atenções surgidas pelo coração») o que exige uma «formação do coração» onde o amor é consequência resultante da fé que se torna operativa pelo amor (cf. Gal, 5,6 e D.C.E. 31). Temos uma longa história na atenção aos carenciados e marginalizados. Talvez o futuro nos obrigue a descobrir caminhos que nos fixam, preferencialmente, naqueles que não tem ninguém que os «levem à piscina» ou que necessitam de «ser colocados» às portas dos templos para pedir. A caridade imaginativa nunca se cansará de ver o que ninguém vê. Antes de entrarmos no Templo teremos de nos fixar atentamente, «olhar bem» para quem nos rodeia. Que nos dirá esta atitude de Pedro e João? 3 – Pedro e João olharam e pediram que olhassem para eles. «O homem olhou com atenção» à espera de receber algo. Começamos a reconhecer que o mundo olha preferencialmente para os acontecimentos negativos ou para os assuntos que podem suscitar conflitos e não quer fixar os olhos na Igreja. As nossas comunidades manifestam, muitas vezes, um cristianismo mais apegado a tradições e muitos cristãos conseguem conviver com opções contraditórias entre si e em oposição com os valores evangélicos. 3.1 – É neste novo mundo que Deus nos concede a responsabilidade de anunciar Cristo como Boa Nova para todos. Como novo que é, exige uma linguagem nova capaz de suscitar interesse e fazer com que ele «olhe» para nós. Não são as respostas habituais. A rapidez da evolução é um apelo contínuo à nossa criatividade para não nos situarmos à margem da história ou contra corrente. Somos portadores duma mensagem diferente que acreditamos na sua força libertadora e geradora de sentido para a vida. 3.2 – A vida dos destinatários da mensagem é universal. Penso, porém, que talvez tenhamos de optar por uma pastoral que responda às grandes questões existenciais que vão encontrando soluções mais fáceis e alheias ao pensamento da Igreja. A pastoral da cultura encerra desafios incomensuráveis que ainda não foram devidamente equacionados. A fé herdada já não vence o ambiente e este não influencia mas distancia. Ignorar este âmbito pode ser fatal para o nosso país. 3.3 – Não é fácil uma presença que provoque atenção por parte do mundo da indiferença ou daqueles que hostilizam o pensar e agir eclesial. Renunciar a esta responsabilidade pode significar tornarmo-nos nós próprios geradores de indiferença religiosa se não pelo contra-testemunho, pela incúria. Urge uma capacidade de suscitar interesse e de fazer com que a sociedade portuguesa olhe positivamente para a Igreja. 4 – O homem da passagem dos Actos esperava algo de material para o seu sustento. Pedro e João confessam-se sem «ouro nem prata» mas partilham outro tesouro: a fé em Jesus Cristo que modificou a vida daquele mendigo. Nunca poderemos abandonar o caminho das obras de misericórdia e o nosso agir social deve confirmar as tradicionais iniciativas e encontrar outras novas. Só que o fundamental é aquilo que mais ninguém poderá oferecer. É a fé em Cristo. «Cristo que nada tira e dá tudo» na linguagem do Papa Bento XVI. Esta é a razão de ser da Igreja. Ser sacramento, sinal eloquente, deste Deus feito homem para que os homens cresçam numa harmonia entre o material e o espiritual. Sabemo-nos mergulhados num mundo multi-cultural e de diversas expressões religiosas. Conhecemos as exigências duma laicidade justa e caminhamos não só no respeito por confissões religiosas diferentes mas também numa promoção dum agir comum para bem do povo português. Esta atitude nunca poderá permitir que assistamos, passivamente, ao laicismo que muitos pretendem impor. Sabemos que, como recordava o Papa no Santuário de N. S. Aparecida, Cristo não se impõe mas deve propor-se. Daí que, por Ele, tenhamos de arriscar e investir num cristianismo mais evangélico. Só Cristo é o Salvador que proporciona, a quem com Ele se encontra, a responsabilidade de se levantar e de caminhar por opções de justiça e fraternidade. 5 – Este amor interventivo, como resposta da fé feita dum modo inequívoco e não camufladamente, fez com que o coxo de nascença caminhasse o que veio a suscitar admiração por parte do povo que aderiu em grande número à mensagem de Pedro e João que, por outro lado, convencendo os incrédulos e por causa da ousadia da fé, tiveram de encarar a realidade da prisão. Tudo nos confirma que a linguagem que o homem moderno entende é o testemunho. Só este arrasta e convence, embora provoque sacrifício e dificuldades a quem testemunha. A coerência nunca foi fácil e os aplausos aparecem, com mais facilidade, doutros lados. Tudo supõe que encontremos a força numa maior unidade e comunhão. Naquele tempo era o testemunho de Pedro e João. Hoje somos muitos e só a unidade tocará o coração da humanidade. Como Igreja, sentimo-nos oriundos da Trindade e caminhamos para um encontro com a mesma mostrando, no quotidiano, que o nosso Deus é uno e trino. Neste lugar do martírio de S. Pedro reavivemos a nossa fé em Cristo, solicitando a coragem para recomeçar, quando a negação acontecer na nossa vida, mas sempre na certeza de que Ele «sabe tudo» e «sabe que O amamos». Que as nossas igrejas encontrem, nas pessoas e nas instituições, vontade de progredir no conhecimento do «dom» da fé para testemunhar ao mundo que Cristo é a nossa força e que, por Ele, tudo arriscamos desde que o Seu nome seja proclamado. 5/11/2007 D. Jorge Ortiga, Presidente da C.E.P. e Arcebispo Primaz

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