Antioquia, onde o cristianismo mudou

Alá é o supremo. Maomé é o seu profeta. Agora é a hora da oração, é a hora da salvação: ainda é noite quando o muezzin entra na mesquita e profere de viva voz o primeiro chamamento à oração do dia.

Os textos, a duração e a entoação dada ao canto variam ao longo do dia. De manhã, por exemplo, são mais demorados, dando tempo para que os crentes se levantem e procedam às abluções rituais.

Aos cinco chamamentos diários, proclamados em árabe, sucedem-se as preces, que podem ser rezadas em qualquer lugar, mas de preferência na mesquita, espaço propiciador da graça divina e lugar onde os vínculos comunitários se fortalecem.

Os minaretes, torres altas e delgadas de onde os altifalantes espalham o apelo à oração, são uma presença constante. Das ruínas de Antioquia da Pisídia, cidade que determinou um novo rumo para o cristianismo nascente, avistam-se pelo menos meia dúzia.

O nome “Antioquia” foi dado a pelo menos 17 urbes turcas, mas apenas duas constituem actualmente referências políticas e bíblicas: Antioquia da Síria (a actual Antakya), ponto de partida e chegada da primeira viagem missionária paulina, e Antioquia da Pisídia, na Ásia Menor.

Localizada no Sul do país, na província de Esparta, Antioquia da Pisídia terá sido fundada três séculos antes de Cristo.

A cidade era atravessada por duas estradas, de Norte para Sul e de Ocidente para Oriente. A sua importância estratégica, acentuada pela localização numa área que continua a ser caracterizada pela fertilidade dos terrenos agrícolas, elevou-a a uma posição de relevo no Império Romano, cuja cultura terá influenciado profundamente os seus cem mil habitantes.

Entre os vestígios contam-se um pórtico monumental, um estádio e um teatro, um estabelecimento para banhos públicos e um aqueduto, além de traços de um templo dedicado à deusa-mãe Cibele.

A relevância de Antioquia não seria desconhecida de Paulo. A narrativa do livro bíblico dos Actos dos Apóstolos assinala que o apóstolo e os seus companheiros entraram a um Sábado na sinagoga. Foi o início de uma mudança que haveria de transfigurar o cristianismo.

De acordo com a liturgia judaica, a seguir à leitura dos textos da Lei e dos Profetas, incluídos no conjunto de livros presentemente denominado “Antigo Testamento”, os chefes da sinagoga convidaram a assembleia a tomar a palavra. Paulo não se fez rogado.

A sua intervenção começou por procurar demonstrar que Jesus é o único cumpridor das promessas intuídas nos textos bíblicos. Depois, centrou-se na ressurreição de Cristo, convicção que desde muito cedo foi um dos elementos nucleares do anúncio feito pela Igreja.

O assunto deve ter suscitado interesse, desde logo porque alguns judeus e próximos do judaísmo se converteram, e sobretudo porque Paulo foi convidado a retomar o tema no Sábado seguinte.

Nesse dia, prossegue o texto do Novo Testamento, “quase toda a cidade se reuniu” para ouvir o apóstolo, o que provocou a “inveja” dos judeus. Diante desta recusa, Paulo comunica que vai deixar de lhes dar prioridade na sua missão, passando a dirigir-se aos pagãos.

Além de abrir o cristianismo ao mundo, esta “libertação” implicou o corte com alguns dos preceitos litúrgicos e teológicos do judaísmo, exigindo, em contrapartida, a criação de novas estratégias de anúncio do Evangelho adaptadas a povos que desconheciam a tradição bíblica

As ruínas da igreja de São Paulo em Antioquia testemunham o apreço que algumas comunidades eclesiais tinham pelo apóstolo. O templo, que terá sido construído no final do século IV, foi sede de episcopado e é um dos maiores do cristianismo daquela era.

A cidade foi destruída pelos árabes em 713. As tentativas de reconstrução nunca conseguiram recuperar o apogeu do passado. O abandono definitivo ocorreu na segunda metade do século XIII.

Rui Martins, Turquia (a Agência ECCLESIA viaja a convite da Geostar)

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