Partir transfigurados
Neste segundo Domingo da Quaresma, o Evangelho da Transfiguração põe diante dos nossos olhos a glória de Cristo, que antecipa a sua ressurreição. Como aconteceu com os apóstolos Pedro, Tiago e João, levados «em particular a um alto monte», a comunidade cristã toma consciência de também ser aí conduzida para acolher de novo em Cristo, como filhos no Filho, o dom da Graça de Deus: «Este é o meu Filho muito amado: n’Ele pus todo o meu enlevo. Escutai-O».
É o convite a distanciarmo-nos dos boatos da vida quotidiana para imergirmos na presença de Deus: Ele quer transmitir-nos, todos os dias, uma Palavra que penetra nas profundezas do nosso ser, para discernirmos o bem e o mal e reforçarmos a vontade de seguir o Senhor.
Aos discípulos, desanimados e assustados, e a cada um de nós hoje, desalentados e mergulhados em enormes dificuldades de vária ordem, Jesus diz: «o caminho do dom da vida não conduz ao fracasso, mas à vida plena e definitiva. Segui-o, vós também».
Os três discípulos, testemunhas da transfiguração, parecem não ter muita vontade de descer à terra e enfrentar o mundo e os problemas das pessoas. Representam todos aqueles que vivem de olhos postos no céu, alheados da realidade concreta do mundo, sem vontade de intervir para o renovar e transformar.
No entanto, seguir Jesus exige o regresso ao mundo para testemunhar, mesmo contra a corrente, que a realização autêntica está no dom da vida; exige que nos empenhemos no mundo, nos seus problemas e dramas, a fim de darmos o nosso contributo, em compromisso de amor com Deus, com o mundo e com as pessoas, para que surja um mundo mais justo e mais feliz.
A primeira leitura apresenta-nos a figura de Abraão: homem de fé, que vive numa constante escuta de Deus, que sabe ler os seus sinais, que aceita os apelos de Deus e que lhes responde com a obediência total e com a entrega confiada.
A segunda leitura inclui renovado apelo aos seguidores de Jesus, no sentido de que sejam, de forma verdadeira, empenhada e coerente, as testemunhas do projeto de Deus no mundo. Nada, muito menos o medo, o comodismo e a instalação, nos pode distrair dessa responsabilidade.
Aí está a Palavra de Deus a orientar os nossos caminhos, feitos de escuta atenta de Deus e dos seus projetos, de obediência total e radical aos planos do Pai. Que isso aconteça nesta semana, no encontro contemplativo e transfigurado com o Senhor Jesus e nos encontros acolhedores e transformadores que procurarmos com os próximos que estão bem junto de nós.
Como sugestão final, procuremos meditar de novo a mensagem do Papa para esta Quaresma: baseada no Evangelho de hoje, estabelece uma relação intrínseca entre a caminhada quaresmal e o processo sinodal que estamos a viver na Igreja.
Manuel Barbosa, scj
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