Angola: «Os políticos ainda são um grande problema» – Presidente da Conferência Episcopal

D. José Imbamba afirma que a reconciliação com os pais da independência, a revisão constitucional e a participação dos cidadãos são «pilares indispensáveis» para um novo capítulo na história do país, a celebrar 50 anos como nação independente

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 20 set 2025 (Ecclesia) – O presidente da Conferência Episcopal de Angola afirmou que as celebrações dos 50 anos da independência têm de ir além da “euforia festiva”, alerta para um “poder muito centralizador” do chefe de Estado e a necessária reconciliação entre os políticos.

“A nível militar, o processo de integração e de reconciliação é efetivo e é sentido. A nível dos políticos, não. Os políticos ainda são um grande problema. Todos os problemas que o país hoje está a atravessar são devidos à não melhoria da linguagem política. Os políticos ainda não se reconciliaram entre si”, afirmou D. José Imbamba em declarações à Agência ECCLESIA, emitidas no programa 70×7, este domingo.

Para o presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), os discursos políticos permanecem ligados a uma “mentalidade dos movimentos de libertação” e são “muito intolerantes”, que “vivem de um passado inglório, de um passado de violência, de ódio e de vingança”.

Nós queremos ouvir discursos que galvanizem, discursos que nos façam sonhar, discursos que nos façam ousar mais e não discursos que nos mantenham reféns de um passado que não nos ajudou a crescer”.

D. José Imbamba considera que é necessário promover a “reconciliação com os pais de Angola”, que conquistaram a independência, há 50 anos, o que constitui “um mérito que lhes cabe como história”, mesmo que tenham depois seguido “caminhos tortuosos” que deram origem a confrontações e a uma guerra civil que deixou “marcas e feridas”.

Na celebrara de meio século como nação independente, é necessário rever a Constituição da República de Angola, porque está “concebida à medida do chefe de Estado”, que tem um “poder muito centralizador”.

“O presidente é que determina, o presidente é que decide, o presidente é que orienta tudo”, disse D. José Imbamba, acrescentando que “a interferência política nos órgãos de soberania é muito alta”.

A política hoje condiciona todos os órgãos. E a militância partidária fala mais alto do que a cidadania”.

O presidente da CEAST considera que, com a atual Constituição, “é a própria democracia que está em causa”, porque “o cidadão não participa das decisões”, “está excluído”, “não é tido nem achado”, nem “faz parte do processo de desenvolvimento do próprio país”.

Para o bispo da Diocese de Saurimo, é necessário criar uma nova “cultura política” que, promova novos modelos de desenvolvimento, uma vez que “tudo está a fracassar”, desde 1975, acentuando-se as desigualdades sociais no país.

Nós vivemos num país exageradamente assimétrico. Hoje, Luanda está abarrotada. Luanda atrai tudo e todos. Em Luanda está a melhor profissão, está o melhor emprego, está a melhor escola, está o melhor hospital… O litoral, no seu todo, é atraente. Exatamente porque as outras regiões do país não têm as mesmas oportunidades”.

O presidente da CEAST considera que “é chegada a hora de distribuir as oportunidades por todo o território nacional”, garantindo o acesso aos direitos de cidadania.

“Não podemos conceber que hoje, 50 anos depois, ainda tenhamos números exagerados de crianças fora do sistema do ensino, ainda tenhamos pessoas que não têm acesso à informação, ainda tenhamos pessoas que não têm acesso aos serviços médicos, ainda tenhamos pessoas que não podem circular, sair das suas zonas, porque não têm estradas”, afirmou.

D. José Imbamba disse que há a perceção de que os programas do Estado de Angola estão refém de países estrangeiros, numa “dependência cega”, nomeadamente a nível comercial, que “compromete a própria soberania”.

A riqueza do país ainda não se reflete na vida dos cidadãos, ainda não se reflete na vida das famílias”.

D. José Imbamba apontou a reconciliação entre os pais da independência, a revisão constitucional e a participação dos cidadãos como “pilares indispensáveis” de um nova história no país, onde é necessário ter “coragem política” para parar, sonhar diferente e recomeçar.

Um congresso para “exorcizar” o país

A Conferência Episcopal da Angola e São Tomé vai promover um congresso no fim do mês de outubro, antes da celebração dos 50 anos da independência de Angola, a 11 de novembro, para promover “um verdadeiro exame de consciência” no país e a sociedade saia do “marasmo em que se encontra”.

“É esse exame de consciência nacional que nós queremos fazer porque o país precisa de ser exorcizado. As nossas consciências precisam de ser exorcizadas”, afirmou D. José Imbamba, defendendo uma “uma intervenção de fundo” para repensar Angola.

Gostaria que este marco fosse mesmo para sermos mais humildes, para nos atermos àquilo que é essencial e nos convertermos como cidadãos, como pessoas, como políticos, como governantes, como bispos, como fiéis, como pessoas que devem fazer acontecer o país”.

O presidente da CEAST afirma que é necessário contrariar uma “tendência de fuga do país” e promover o investimento em Angola, que “tem tudo para poder brilhar no contexto das nações”.

“É preciso irmos a fundo para ver porque é que a nossa pobreza ainda se mantém, porque é que ainda não conseguimos, como políticos, nos encontrar, porque é que as pontes de diálogo estão interrompidas”, sublinhou.

Estamos a correr o risco de nos habituarmos a ser pobres. E isto é muito preocupante”

D. José Imbamba disse que a Igreja Católica no país continua a ser “uma voz que nunca se conformou” e “nunca se deixou instrumentalizar”, denunciando “oportuna e inoportunamente” situações que contrariam a dignidade humana e contribuindo para “despertar as consciências”

“A Igreja em Angola é um parceiro incontornável. As nossas relações com o Estado são boas, de colaboração, de diálogo permanente, de ajuda, coadjuvamos mesmo o governo nas questões sociais, nas escolas, na saúde”, afirmou.

Sobre a presença da Igreja Católica em Angola, o presidente da CEAST lembrou o processo em curso para a criação de novas dioceses, uma vez que o território é muito vasto e são necessárias “dioceses mais compactas” para servir as pessoas, valorizou o trabalho da Universidade Católica na “formação de quadros capacitados” para a sociedade angolana e disse que estão em estudo formas de “melhorar a cooperação” entre Igrejas lusófonas.

A entrevista ao presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé é emitida no programa 70×7, este domingo às 07h25 na RTP2,  e depois fica disponível nas redes sociais da Agência ECCLESIA.

PR

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