Angola, em ano de eleições

Aterrei em Luanda a 10 de Janeiro. Calor insuportável, para quem deixa Lisboa a tiritar de frio. A cidade está abarrotada de carros que não têm onde poisar as rodas. Trânsito infernal. O país é um canteiro de obras, tudo mexe: estradas, casas, escolas, centros de saúde. Com as eleições legislativas marcadas para Setembro, tudo parece campanha eleitoral: cartazes, noticiários, jornais…. A Igreja católica mexe muito: reconstrói, organiza-se, congrega, apela para valores, empenha-se na solidariedade, denuncia a má sorte dos excluídos, celebra em festa. Foi este o país, o povo e a Igreja que encontrei por terras de Angola, dos Dembos ao Namibe, numa longa viagem que permitiu encontrar pessoas e lugares, alegrias e angústias, passado e futuro, ideias e projectos concretizados. Dembos, a norte do Caxito Aterrei em Luanda a 10 de Janeiro, pelas 6h30. Deixei Lisboa com frio, cheguei a Angola com um calor tórrido, agudizado pelas quase 3 h que esperei para pôr um carimbo no passaporte e sair do aeroporto. Cheguei à Casa Provincial onde me esperava o Irmão Acácio que me levou á Missão dos Dembos, no Caxito. Viagem até ao Cacuaco quese em pára-arranca. Ainda se notam os vestígios da tragédia que ali aconteceu na estação das chuvas de 2007, quando uma enorme enxurrada levou tudo na frente e fez mortos sem conta. Foram precisas 5 horas para chegar a Quibaxe (apenas 200 kms), onde se situa a Missão. Visita às Escolas que urge recuperar e jantar com as Irmãs Reparadoras que concluíam o seu retiro anual, orientado por D. Almeida Kanda, Bispo de Ndalatando. Presidi bem cedo á Missa na Igreja da Missão. Depois, as visitas continuaram: à fazenda que já teve mais de 150 mil pés de café (foi tudo arrancado durante a guerra), a Quibaxe (Igreja, Capela de N. Sra de Fátima, monumento a Sta Teresinha no local onde foram feitos os primeiros baptismos em 1944, á Escola de Informática, ao Hospital…). Regresso à Missão e a Luanda, deixando para trás uma densa floresta tropical que explica bem porque é que, desde 1961, foi terra de ‘pesadelo’ porque palco de violentos combates e ataques. A Missão foi, durante a guerra, espaço de refúgio e de apoio, com o P. Mota e as Irmãs a defender as populações. Percebi que estes missionários escreveram uma página de fé e de coragem numa das áreas mais duras das guerras de Angola. As tropas coloniais portuguesas tinham medo desta região e a guerra civil arrasou a vida das populações locais. Depois do Cacuaco, enfrentamos o trânsito caótico de Luanda e pudemos ver como são grandes e pobres as periferias da capital. Huambo, Vale do Queve e Tchiva Voei para o Huambo a 12 de Janeiro, com o P. Bongo, no dia em que foi criada, em Luanda, a Associação de leigos Amigos e Colaboradores da Congregação do Espírito Santo (ALACCES). Visita à Mãe do P. João Francisco e da Irmã Ana Maria, doente grave no Hospital do Huambo. Um mar de gente num hospital que a guerra arrasou e que ainda não consegue responder a todos os doentes da região. A cidade está toda virada do avesso, tal a quantidade de obras em curso. Visitas ao Centro Mwenho-Ukola, ao Paço Episcopal e a algumas paróquias e comunidades religiosas. Instalei-me no Seminário Maior Espiritano. Manhã de domingo na Missão do Vale do Queve com o P. Álvaro, recém-ordenado. Vi obras e constatei a excelente recuperação da Escola e das residências. A Igreja foi reforçada, mas precisa de obras urgentes, sobretudo no telhado. A Missão celebra 50 anos de fundação, com festa programada para 5 de Outubro com o Sr. Arcebispo. Há extenso programa jubilar até com uma festa especial para ex-militares. A Missão abarca uma extensão enorme (mais de 50 kms), estando dividida em cinco regiões, com 14 centros, 83 capelas e 150 catequistas. Depois de uma eucaristia muito vivida, a tarde foi passada no Huambo a visitar mais algumas comunidades. Celebrei Missa com jovens espiritanos em formação, no Seminário Maior, na manhã de 14 e participei na Abertura Solene do Capítulo Geral das Irmãs do Imaculado Coração de Maria (filhas d’África). Fui visitar o Centro da Tchiva com o P. Barnabé Sakulenga. Depois de 3 dias no Chinguar, regressei ao Huambo e, a 17, a tarde foi de visita ao Centro Mwenho-Ukola que acolhe meninas sem família. A Irmã Ana Maria fez a visita guiada e deu para avaliar, em nome de Sol Sem Fronteiras, o projecto já concluído. Angola venceu, nessa noite, a Campeonato Africano de Andebol Feminino, o que deu direito a festa. Chinguar, ‘cidade-Ponte’ O P. Agostinho Loureiro, espiritano a trabalhar no Chinguar, levou-me naquela tarde para a sua Missão, situada a meio caminho entre o Huambo e o Kuito e lugar escolhido pelos Jovens Sem Fronteiras e Sol Sem Fronteiras para a ‘Ponte 2008’. A estrada ainda é de terra batida, embora com obras em curso. Passagem pela Catchiungo e entrada no Chinguar, com desvio para o mercado popular e passeio pelo centro da cidade que a guerra quase arrasou. Chegada à Missão que coordena a pastoral de 8 centros a atingir uma enorme extensão e mais de 200 mil pessoas, incluindo o Kangoti e o Cutato. O dia 15 começou cedo com Eucaristia às 6 de manhã na Igreja da Missão. Saudação às Irmãs de S. José de Cluny e encontro com jovens para conversar sobre o Projecto ‘Ponte 2008’ que levará ao Chinguar, em Agosto, 18 Jovens Sem Fronteiras. Muita adesão. Haverá possibilidade de acções de formação e intervenções sobre cidadania, formação musical, educação ambiental e cívica, desporto, teatro, direitos humanos, comunicação social. Há abertura para cursos a professores, catequistas e líderes juvenis. São bem vindas acções na área da saúde. Sem esquecer que começa o ano de S. Paulo. Á noite, podem fazer-se actividades direccionadas para os jovens. Partida rumo ao Kangoti, cerca de 50 kms, 25 na estrada para o Kuito e 25 numa picada onde só passam os carros do padre e do administrador. Ali encontramos a estrutura de ferro daquela que será a nova Igreja, em construção com o apoio da campanha da família espiritana portuguesa, por ocasião dos 70 anos da LIAM. D. José Nambi, Bispo do Kuito-Bié, benzeu a 1ª pedra a 21 de Julho de 2006. Começamos a visita pela aldeia onde está capela antiga. Depois, com o catequista, fotografei a nova Igreja em construção. O comunidade local está a arranjar pedra. O regresso previu uma paragem no Centro de Tchikandula, já na estrada do Kuito. A tarde foi de passeio pela Cidade, a pé, com passagem pelo hospital, pelo centro materno infantil, pelo comissariado, pelas escolas da Missão, pela polícia e pelas escolas oficiais onde mantivemos contactos com o Dr. Nascimento, responsável pela Educação, em ordem a uma parceria com os JSF para actividades da Ponte. Mostrou muita abertura para a realização de colóquios temáticos na Escola Secundária. Dia 16 foi de viagem ao Cutato, missão que acaba de se desmembrar do Chinguar. São apenas 50 kms, mas a picada está impossível e, com as chuvas, enterramos o jeep precisando de socorro. Visitamos a Igreja, a povoação e a comunidade das Irmãs Consoladoras. O regresso foi difícil, mas não atolamos. Caconda, Tchicomba, Sêndi Partida de jeep, a 18 de Janeiro, para a ‘maratona Huambo-Lubango’. Companheiros de viagem foram os padres Sakulenga, Jacinto, Marques e Balesi, todos eleitos para participarem no V Capítulo Provincial, no Munhino – Lubango. A estrada começou bem, com o troço Huambo-Caála, mas está péssima até Chicomba, com muitos kms de picada má. ‘Peregrinação’ pelas missões emblemáticas dos espiritanos: paragem em Caconda, na Chicomba, Sêndi, Sra das Dores e Munhino. Impressionante a quantidade de estruturas criadas pelos antigos missionários. A guerra destruir e chegou a hora de reconstrução. Com os ossos abanados, noite calma na paz e no frio do Munhino. Munhino e Huíla Missa ás 7h na Igreja da Missão, com novena a pedir chuva, uma vez que a seca já quase condenou á fome as populações do sul do país. Partida, com o P. Lourenço Ndjimbu, para uma visita à centenária Missão da Huíla, por onde até Miguel Torga passou e registou num dos seus Diários. Antiga, enorme, com Igreja, residência, escola dos Catequistas, Escola de Artes e Ofícios, campos e matas a perder de vista…O cemitério impressiona pela quantidade de Missionários e Missionárias ali sepultados e, sobretudo, pela tenra idade da morte de alguns. Passamos depois pela Missão feminina, com as Irmãs de S. José de Cluny. Estão reabilitados os internatos, a escola de Magistério e o Posto de Saúde. Rumamos ao Lubango, á Missão de Nª Sra da Dores. De tarde, fomos até à Missão do Sêndi onde encontramos as Irmãs Espiritanas em Retiro, orientado pelo P. Jerónimo Cahinga. Regresso ao Munhinho. Lubango, Humpata, Namibe Domingo no Lubango com Missa na comunidade de N. Sra da Fátima, iniciada pelo P. Agostinho Brígido. Um mar de gente e muita festa. Reuni depois com os jovens e os pré-jovens com quem partilhei a minha experiência de trabalho com os Jovens Sem Fronteiras em Portugal. A tarde foi de visita à Serra da Leba, uma portento de engenharia, com uma estrada que desce a serpentear a serra. A paisagem muda em cada curva. Depois, visitamos a Humpata onde funciona um Centro de Promoção Feminina orientado pelas Irmãs Filhas d’África e apoiado por Sol Sem Fronteiras. Regresso ao Munhino. A 21 de Janeiro começou o V Capítulo Provincial dos espiritanos na Missão do Munhino. No domingo, 27, houve Missa na Igreja da Missão do Munhino, seguido de passeio em direcção ao Namibe (ex-Moçâmedes). A descida da serra da Leba mostrou-me um outro rosto de Angola, o do deserto. Namibe é uma cidade muito quente, a que se segue o deserto, em direcção á Tômbua. O objectivo era o de ver e fotografar a famosa ‘Welbitchia Mirabilis’, planta que só existe neste deserto. Com um sol tórrido, olhamos com pormenor para este espécie rara e protegida que aparecia na botânica dos livros da escola primária. Regressamos ao Lubango para ver Angola a bater o Senegal por 3-1 e participar na festa nacional. A 29, visitei o Santuário de N. Sra de La Salete, na Mapunda, donde seguimos para a Tundavala, uma fenda enorme de montanha, ex-libris da natureza nas montanhas da Huíla. Luanda, Lisboa 2 de Fevereiro, dia do P. Francisco Libermann, houve a Eucaristia Solene de Encerramento do V Capítulo provincial dos Espiritanos de Angola, presidida por D. Benedito Roberto. Viajei para Luanda, via Catumbela, chegando a tempo de jantar no Bairro da Praia do Bispo, em casa das Filhas África. O dia de regresso era domingo e celebrei na Capela de Santa Isabel, no grande musseque de Luanda onde estamos com a enorme paróquia do Prenda. Estavam mais de mil pessoas na Missa, com tudo cantado e muita animação. A viagem para Lisboa foi na manhã do dia 3, acompanhado pelo P. Manuel Chilingutila, jovem angolano nomeado para trabalhar em Portugal. Levantamos voo ás 13h30 chegando a Lisboa às 19h40, colocando ponto final numa viagem que quase durou um mês, uma oportunidade excelente de regressar a Angola e de sentir o coração a bater ao ritmo daquela Igreja e daquele povo. Lá regressarei em Agosto, se Deus quiser, para a ‘Ponte 2008’. Reflexões conclusivas Angola impressiona pela movimentação que se sente em todo o país, nas cidades e no interior. Em quase todas as povoações, a Escola e o Posto de Saúde estão reabilitados, embora nem sempre a funcionar. As estradas e caminhos estão também em obras de reabilitação. Vê-se muitas pessoas a circular e a trabalhar os campos, nesta época de chuvas. Senti, com dor, que de Caconda para baixo as colheitas estão quase perdidas por falta de chuva. Rezei, em muitas Eucaristias, para que a chuva viesse. No último dia, choveu torrencialmente no Lubango, mas talvez já tarde de mais para salvar as colheitas. Mas, pelo menos, dá para reabastecer poços, nascentes e rios e tornar mais verde o capim que o gado come. A Igreja está muito viva, com uma vontade enorme de regressar às Missões do interior e de intensificar uma pastoral de evangelização que toque todas as dimensões da vida das pessoas. E a marcação de eleições para Setembro está a constituir um enorme desafio: há que ajudar as pessoas a discernir bem e a perceber como funciona a democracia. Isto para que o período de campanha eleitoral decorra pacificamente, o processo eleitoral seja justo e transparente e haja condições para todos aceitarem os resultados das eleições. Tony Neves, em Angola

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Agência ECCLESIA

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