Ampliar a Esperança

António Salvado Morgado, diocese da Guarda

No dia 4 de Março do corrente ano, lembrando que a própria ONU é um fruto da Esperança, a Assembleia Geral da Nações Unidas instituiu o 12 de Julho «Dia Internacional da Esperança».

Não sei se serei injusto para com os instrumentos mediáticos do nosso espaço público, mas eles terão primado pela omissão informativa sobre esta deliberação. É pena, sobretudo num tempo de guerras em que nos envolvem nuvens negras que não deixam de toldar os horizontes da Humanidade. E isto sabendo que a ONU foi criada para promover a paz e construir sociedades mais seguras, pelo que a Esperança de um mundo livre de guerras é um dos seus principais objectivos.

Vai havendo «dias celebrativos» para tudo. E eles têm vindo a multiplicar-se de tal maneira que raro será o dia em que não haja algo para evocar celebrativamente de um modo mundial, internacional, nacional ou mesmo regional. Uns instituídos por organismos internacionais e outros por movimentos e organizações específicas. Eles são tantos e sobre temas que ultrapassam de tal modo a nossa imaginação que, se olharmos para o mapa destes dias, a que facilmente teremos acesso com uma consulta na internet, todos seríamos desafiados a realizar um escalonamento da importância que lhe atribuímos e seríamos até tentados a eliminar alguns que mais parecem encontrar-se a ensombrar outros sobre temáticas com que mais nos identificamos.

Por princípio, nada tenho contra esta onda celebrativa, mas sempre lembrarei que o excesso pode cansar e o cansaço faz esquecer, se não mesmo desvalorizar e até ignorar.

Já tenho ouvido dizer a muito boa gente que estes dias nada lhe comunicam. Se uns dizem que eles foram criados por organizações desacreditadas, outros afirmam que em nada se traduzem nas práticas humanas para além de umas acções meramente simbólicas realizadas naqueles dias muitas vezes com pompa e circunstância. Outros, mais radicais ainda, vão dizendo que estes são dias de canto hipócrita que, quando muito, servem para sossegar as consciências e fomentar o consumismo. Não poderei saber onde situar os nossos meios de comunicação social que terão ignorado a decisão tomada no dia 4 de Março pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Nem irei especular sobre tal.

Olhando para aquele imenso número de dias celebrativos, aristotelicamente, vou pelo meio termo, acompanhando o povo que terá muita razão, aqui como noutras circunstâncias. E o povo vem dizendo, certamente inspirado no saber antigo de Aristóteles, que «a virtude está no meio». Ou então, numa expressão ainda mais popular, «nem oito nem oitenta».

Surpreendido com a decisão daquela assembleia das Nações Unidas, saboreei a Esperança. E continuo a saboreá-la até porque nos encontramos a viver um ano jubilar iluminados pelas palavras do Apóstolo Paulo com que o Papa Francisco abre a bula da proclamação: «Spes non confundit – a esperança não engana» (Rm 5, 5). Embora possa ser de supor que tal decisão não tenha sido tomada para ir ao encontro do Ano Jubilar, não se deixará de supor que tenha havido intervenientes a terem em mente também o jubileu. Um jubileu que, sendo da Esperança, olha para as esperanças dos homens com o horizonte da Esperança, virtude teológica fundada na Ressurreição.

A proposta de projecto da resolução veio da Áustria, Guiné Equatorial, Marrocos, Fiji, Kiribati e Vanuatu. Perante uma proposta que incidia sobre a Esperança num momento em que a Humanidade se defronta com tantos desafios para construir a paz e o bem e felicidade de todos, seria de esperar uma votação unânime da resolução. Com surpresa e estupefacção anotei que não foi esse o caso. A resolução foi aprovada por cento e sessenta e um votos a favor, mas com quatro abstenções [Índia, Paraguai, Peru e Turquia] e – pasmem os povos da terra e os Anjos do Céu – o voto contra dos Estados Unidos da América.

O ser humano tem sido definido de muitas maneiras para além da mais citada dimensão racional e social ou política. A Esperança é a força que sustém outra qualquer propriedade humana. É ela que constrói a comunidade política de seres racionais e une os seres humanos no caminho da paz e do bem por que todos os homens e as sociedades anseiam. Por isso, e sendo que a Esperança é uma virtude em que todos os povos se constituem como Humanidade, não deixa de ser um tanto estranho, para não dizer assustador, ver países que, num areópago internacional como a ONU, esquecem, ou não querem ver, que o Homem é um Ser de Esperança e que as comunidades políticas se constituem estruturando-se em formas de Esperança. Se não está lá a Esperança, o que poderá estar lá?

Na sua essência primeira os sistemas políticos, pois, são estruturas de Esperança. Mesmo quando ela não se encontra claramente explicitada, ela lá se encontra escondida nas finalidades e metas das sociedades a que esta virtude dá energia e abre os horizontes do sempre ansiado bem.

É também isso que consigo encontrar na resolução aprovada naquele dia 4 de Março. Leio atentamente o texto e aí encontro o reconhecimento da «relevância da esperança e do bem-estar como objetivos e aspirações universais na vida dos seres humanos em todo o mundo e a importância de os reconhecer nos objetivos das políticas públicas.» É por isso que a Assembleia Geral da Nações Unidas, acolhendo todas as actividades que visam mobilizar os esforços da Comunidade Internacional para promover a paz e o entendimento mútuo, não só encoraja todo o mundo a celebrar condignamente o «Dia Internacional da Esperança», como «convida todos os Estados-Membros a continuarem a ampliar a esperança» para que, trabalhando em colaboração com todos os intervenientes relevantes, se construam caminhos para a concretização da paz, do bem-estar, da estabilidade social e do desenvolvimento sustentável.

«Ampliar a esperança» é, portanto, o convite dirigido a todos os Estados Membros. Pensando que a Esperança é a força interior que nos leva a lutar pela concretização da paz e que, consequentemente, nos faz levantar, sem desânimo e sem catastrofismo, em favor do bem e da felicidade das comunidades, dificilmente se poderá entender que possa haver Estados que não alinhem neste ideal de celebrar e ampliar a Esperança dos cidadãos de qualquer Estado.

Perante a situação em que se encontra o nosso mundo, seremos facilmente tentados a fazer leituras catastrofistas dos acontecimentos. Daí a relevância de celebrar a Esperança para que todos os acontecimentos possam ser lidos como oportunidade e chamamento para a realização do bem, com confiança, dedicação e empenho, mesmo quando se reconhece ser assustador haver um Estado que caminha contra a corrente da Esperança.

Importa acreditar que a Esperança é a força propulsora do bem. Com Esperança, o «Dia Internacional da Esperança» poderá encorajar os Estados, organizações internacionais, nacionais e regionais, governamentais e não governamentais e de toda sociedade civil a mobilizarem-se para a concretização dos grandes ideais da Humanidade, incluindo a realização da paz. Da pequena grande paz de cada um consigo e com os que lhe são próximos, e da grande paz entre as Nações e os Estados. É urgente redescobrir e ampliar a Esperança.

António Salvado Morgado
morgado.salvado@gmail.com

(Os artigos de opinião publicados na secção ‘Opinião’ e ‘Rubricas’ do portal da Agência Ecclesia são da responsabilidade de quem os assina e vinculam apenas os seus autores.)

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