Alterações para além das climáticas

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

A consciência ecológica cresce em torno das implicações a médio e longo prazo que têm as alterações climáticas. Apesar de positivo, não chega mudar as lâmpadas de nossa casa quando é tão, ou mais importante, mudar os estilos de vida.

Foto de Glen Carrie em unsplash

As alterações climáticas traduzem o acumular de pequenos e consistentes vícios na nossa vida. Mudar uma lâmpada pode não mudar o vício. Vejamos.

Se todos os dias deixarmos no chão de nossa casa uma pequenina pedra que trazemos da rua presa no nosso sapato, e nada fizermos porque, afinal, é tão pequenina, ao fim de um ano teremos 365 pedras pequeninas espalhadas pela casa, e ao fim de 10 anos 3650. A casa torna-se habitável? O mesmo acontece com quem fuma e, sem se dar conta, acumula pequeninas poeiras nos seus pulmões ao longo da sua vida e pode sofrer mais tarde de cancro.

O que torna o ambiente insustentável vai para além dos excessos tecnológicos, pois, o que mais o afecta são os estilos de vida. Pensemos no consumo de carne.

A carne providencia-nos cerca de 18% das calorias e 37% das proteínas que precisamos na nossa alimentação, mas é responsável; por 60% das emissões de gases com efeito de estufa de todo o sector agrícola que representa; cerca de 12% das emissões globais. Por outro lado, de acordo estudos; recentes, o aumento do consumo de carnes vermelhas (acima dos 76g por dia) pode aumentar o risco de desenvolvimento de cancro. Ou seja, se reduzirmos os consumo para um terço ou menos, não só estaríamos a contribuir para um menor consumo geral de carnes vermelhas e, consequentemente, das emissões associadas, como seríamos mais saudáveis. Quer isso dizer que deveríamo-nos tornar vegetarianos? É uma questão de escolha, mas não é o vegetarianismo que está em jogo, mas os estilos de vida.

Quando em 2018 tomei como propósito diminuir de 91kg para 80kg ao fim do ano, ao chegar aos 82kg deparei-me com um problema. Depois de cortados os açucares, e por mais exercício que fizesse, ou deixado de comer à noite antes de deitar, não conseguia baixar de peso. Havia qualquer coisa que estava a faltar. Um dia, ao pôr a mesa, pensei num período quando era criança em que a minha mãe substituiu o prato grande por um pequeno para controlar melhor a sua alimentação. Resolvi fazer o mesmo. O resultado foi evidente. Ao fim de 2018 tinha 75kg e assim se tem mantido. O segredo foi moderar a boca, implicando o desenvolvimento de um hábito de maior auto-controlo sobre o estilo de vida.

Tal como as pequeninas pedras, comer um pouco mais é tão simples quanto comer um pouco menos, ou um pouco diferente, mas as alterações culturais produzidas exercem um forte impacte sobre nós ao longo do nosso tempo de vida e, consequentemente, sobre o estado ambiental do nosso planeta.

O que nos impede, então, de mudar de estilo de vida? Talvez o facto de não vermos logo o efeito das nossas opções limite a nossa acção em prol da mudança de estilo de vida.

A era digital em que vivemos está profundamente influenciada pela gratificação instantânea, como um Like, ou resposta imediata a email ou mensagem, ao passo que mudar de estilo de vida são frutos que precisam de ser antes flores, levando tempo até serem colhidos. A gratificação instantânea leva-nos a ser mais impacientes e a pensar nas atitudes como inconsequentes. Mas hoje sabemos que não é assim.

Estar consciente de que as pequenas acções tomadas hoje são o garante de um futuro sustentável impulsionam-nos a valorizar, cada vez mais, os pequenos actos. Tão pequenos que o cérebro e a vontade não possam recusar.

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Agência ECCLESIA

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