Alta Comissária defende política para a imigração

Rosário Farmhouse diz que, mesmo com mecanismos de controlo, Portugal tem sido um Estado humanista Maria do Rosário Farmhouse é desde 8 de Fevereiro de 2008 a Alta Comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural. Em final de ciclo governativo, esta responsável defende, em entrevista a Agência ECCLESIA, as políticas do actual executivo em matéria de imigração, destacando os resultados obtidos.

Rosário Farmhouse refere que "Portugal tem tentado desenhar alguns mecanismos de controlo, sem deixar, ao mesmo tempo, de ser um Estado humanista, que se preocupa com as pessoas. Por isso, o acesso à saúde e à educação é possível para todos, independentemente da sua situação ser regular ou não".

Agência ECCLESIA (AE) – O Seminário «Direitos Humanos e Destituição»  identificou a área da habitação como uma das mais problemáticas do Plano para a Integração dos Imigrantes  (2007/09). Que prioridades é que neste domínio podem ser incluídas no programa para 2010-2012, que já está a ser reflectido?

Maria do Rosário Farmhouse – A habitação é um problema estrutural. E em ano de crise é muito mais difícil de resolver, porque tem a ver com o investimento na construção de novos fogos.

Mas, curiosamente, tem muito a ver com a discriminação. Um dos dramas que os imigrantes enfrentam quando querem arrendar uma casa – já para não falar de habitação social ou mesmo de compra de casa – é a discriminação. É muito difícil que um estrangeiro consiga alugar uma casa. O povo português ainda tem alguns receios, e muitas vezes, quando se apercebe que o sotaque do seu interlocutor não é português, recusa esse aluguer. Isto faz com que a situação de habitação dos imigrantes seja muito complicada.

Na habitação social, como sabemos, também temos muitas comunidades imigrantes que residem em piores condições, vindas principalmente dos países africanos de língua oficial portuguesa. Os bairros sociais ficaram parados, a construção foi pouca – houve alguma, mas não tanta como se previa – e isso faz com que essas pessoas ainda estejam em condições precárias. No entanto, temos esperança que em 2010, com a retoma económica, se possam encontrar mais soluções para os imigrantes ao nível da habitação, e que possamos eliminar, de uma vez por todas, a habitação em barracas, em partes de casa.

Também há aquela problemática que foi agora descoberta com um incêndio num prédio na Av. Almirante Reis [Lisboa]. Trata-se da situação, algo invisível, dos sucessivos subalugueres que se praticam nas pensões e que revelam outra face do alojamento dos imigrantes. É, de facto, uma situação dramática, que constitui um dos nossos maiores desafios.

AE – É possível haver uma acção concertada no trabalho com os imigrantes, quando há 13 ministérios envolvidos no plano de integração?

MRF – Esse é o grande desafio: conseguir que 13 ministérios, em conjunto, realizem as metas a que se tinham proposto. Tendo em conta que nem todos os ministérios têm a imigração como prioridade, o que é legítimo – para isso existe o Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI) – os resultados obtidos têm sido uma surpresa pela positiva, superando as minhas expectativas.

Os ministérios têm sido muito empenhados no cumprimento das metas que indicaram. Das metas que não foram cumpridas – que correspondem a 19% dos objectivos previstos para 2007/09 – talvez 90% tenha sido por motivos extraordinários. Por exemplo, prevíamos que os atendimentos nos centros de apoio ao imigrante fossem de 400 mil, e estamos actualmente nos cerca de 350 mil. Por outro lado, as autorizações de residência passaram a ser bianuais; antigamente, a renovação era feita anualmente, o que fazia com que as pessoas se tivessem que dirigir mais vezes aos centros nacionais.

Por isso, direi que as metas respeitantes ao empenho de cada ministério, na generalidade, foram cumpridas a 95%, pelo que a margem dos objectivos que não foram cumpridos é muito escassa.

Estes resultados só foram possíveis com um acompanhamento muito grande do plano. Temos uma funcionária a tempo inteiro a fazer esta monitorização, tão necessária de contactar com os vários ministérios. Às vezes as coisas estão concluídas e a ser feitas, mas as prioridades são tantas, que é difícil recolher toda a informação. Tem sido um trabalho muito interessante e surpreendente para mim. Eu estava feliz por termos um documento único, de referência a nível europeu, e que para nós é muito importante; mas encontrava-me um pouco céptica sobre os resultados obtidos através da acção dos diferentes ministérios. O que é certo é que têm trabalhado e têm demonstrado muito interesse por esta temática.

AE – Como é que possível acompanhar a execução do Plano de Integração para os Imigrantes, tendo em conta que as suas metas nem sempre correspondem à realidade?

MRF – Provavelmente temos que estabelecer metas possíveis, porque se assim não for, fica tudo no ar e é mais difícil trabalhar com objectivos e comprometermo-nos todos. Haverão áreas em que o tipo de metas terão de ser revistas. Temos de determinar objectivos mais qualitativos do que quantitativos; temos de encontrar outros mecanismos.

Este plano, que foi o primeiro, também constituiu uma aprendizagem. Portanto, é muito mais fácil fazer um segundo, dado que se trata de afinar o que não estava tão bem. Haverá metas que não vão ser necessárias porque os problemas ficaram definitivamente resolvidos. Mas, se calhar, surgiram outros.

Vai ser um trabalho conjunto que exige a participação de todos: a sociedade civil, tão importante, e todos os ministérios, a quem já pedimos que fossem indicadas áreas que frágeis e outro tipo de objectivos. Será sempre difícil que as metas desenhadas com a antecedência de três anos e meio possam acertar em pleno, porque as mudanças hoje em dia são muito rápidas. Mas iremos tentar ser o mais certeiros possível, e cumprir, porque o interesse principal é cumprir com aquilo a que nos propomos.

AE – A regularização dos imigrantes foi uma das chaves do plano. Mas houve uma redução da quota dos imigrantes. Por outro lado, há queixas em relação ao reagrupamento familiar. Perante este quadro, como é que o processo pode avançar melhor?

MRF – Acho que, neste momento, os mecanismos que temos são imensos. Ainda assim, há muito s imigrantes que não os conhecem. A informação tem sido o grande desafio para o ACIDI, e por isso os meios de comunicação social são muito importantes para nos ajudarem nessa tarefa.

Em relação ao reagrupamento familiar, algumas das condicionantes que surgiam tinham a ver com os meios de subsistência, porque era difícil comprová-los nesta fase de crise. Houve, da parte do Serviço de Estrangeiro e Fronteiras (SEF), uma atitude extremamente humanista de reduzir as exigências para metade. Portanto, acho que actualmente somos uns privilegiados por termos estes mecanismos legais e esta atitude, que é única na Europa, por parte dos ministérios que gerem os fluxos migratórios. Nos países que conheço, os serviços governamentais não concedem estas oportunidades nem estão tão próximos dos imigrantes na resposta aos seus problemas.

Claro que há sempre melhorias possíveis, mas encontrar este equilíbrio entre gestão e integração é sempre desafiante. Acho que aqui a sociedade civil tem um papel fundamental, porque nos vai denunciando as situações reais. São parceiros essenciais para desenhar novas políticas e encontrar novas soluções.

AE – Há sempre uma franja da população que não fica abrangida por estas medidas, até por desconhecimento. Que acção é que é possível desenvolver junto das pessoas que chegam, a Portugal em situações de emergência?

MRF – Além das organizações da sociedade civil, que estão tão empenhadas nessas matérias, temos no ACIDI um gabinete de resposta a casos de emergência. A sua função é detectar essas situações e planear políticas que vão ao seu encontro. Por exemplo, o Programa de Apoio a Doentes Estrangeiros responde a um desafio muito grande, que era sentido pelas organizações que estão no terreno. O Estado português compromete-se com os tratamentos médicos dos pacientes que vêm para Portugal ao abrigo dos acordos estabelecidos com outros estados; o país de origem, por seu lado, deveria responder pela parte social; no entanto, acabava por não cumprir as suas obrigações, deixando os doentes votados ao abandono, o que resultava no agravamento do seu estado de saúde. Este programa pretende responder a esse desafio. Outras respostas serão desenhadas consoante as necessidades.

Muitos emigrantes ainda não conhecem devidamente todos os mecanismos previstos para os ajudar. Alguns continuam a pagar por serviços que são oferecidos pelo Estado. "Informar" é a palavra-chave. Neste sentido, temos uma «Linha SOS Emigrante» (808 257 257). É possível colocar, em 13 línguas, questões sobre imigração e resolver situações de desespero social. O preço é de uma chamada local, independentemente do lugar de onde se estabelece o contacto. É um contacto que vale a pena ser utilizado, porque está lá para isso mesmo.

AE – O relacionamento com as instituições da sociedade civil é essencial para se chegar aos casos e problemas reais. Que relacionamento é que o Estado mantém com estas organizações? São parceiros de excelência ou informadores?

MRF – São parceiros de excelência. É impensável concretizar as políticas de integração sem eles. Muitos Organismos têm centros locais de apoio ao imigrante, financiados parcialmente pelo ACIDI, e fazem parte do Conselho Consultivo para os Assuntos de Imigração. Sempre que temos novas temáticas, ajudam-nos a desenhar soluções. Juntos, construímos mais. Sem eles, a nossa missão seria muito difícil.

AE – Como é que é possível encontrar o ponto de equilíbrio entre a desconfiança face aos migrantes, existente não só em Portugal, e os direitos que lhes são assegurados?

MRF – É sempre um grande desafio. Mas a verdade é que, em tempo de crise, há um auto-equilíbrio. Porque o grande motor dos fluxos migratórios é a economia. E estando nós, em Portugal, com uma economia frágil, como sucede em todo o mundo, os fluxos têm estagnado. Neste momento, as pessoas não estão a sair do seu país, porque, mal por mal, preferem ficar em casa. Portanto, tem havido uma auto-regulação.

Encontrar a solução milagrosa desta gestão é sempre um desafio enorme. Ainda não há nenhum Estado que possa dizer que tem uma solução que depois possa ser exportada para outros países parceiros.

Portugal tem tentado desenhar alguns mecanismos de controlo, sem deixar, ao mesmo tempo, de ser um Estado humanista, que se preocupa com as pessoas. Por isso, o acesso à saúde e à educação é possível para todos, independentemente da sua situação ser regular ou não. Isto é óbvio para nós, e faz parte da nossa história e da nossa cultura. Mas para os outros Estados, é completamente impensável: se uma pessoa não tem documentos ou se está irregular, não pode ter acesso aos cuidados básicos.

É um caminho longo, Como digo, não há soluções mágicas. É sempre um jogo de equilíbrios.

AE – E o a diminuição nas quotas de entrada no país?

MRF – O regime de quotas acabou. Prevê-se um contingente, que não é fixo, resultante de um estudo aprofundado sobre o número de pessoas que o Estado tem condições para integrar. Este ano reduziu-se a quantidade, porque a junção dos vários ordenamentos jurídicos aplicáveis aos imigrantes possibilitou a regularização de mais de 20 mil pessoas. Por isso, o Estado considerou que em 2009 não poderia avançar com um contingente muito elevado, dado que é um ano de crise. Mas ainda estamos para ver se este contingente vai ser preenchido, porque a economia é o grande motor das deslocações migratórias.

Os imigrantes estão expectantes. Os que estão cá, não estão a sair tanto quanto saíam, aguardando que a situação melhore; e os que estão nos seus países também esperam por melhores condições, quer nas suas pátrias quer nos estados para onde pensam partir.

AE – Entre a aplicação da lei e a sensibilidade para a situação dos imigrantes, há necessidades que não estão a ser resolvidas?

MRF – Aquilo que sinto hoje, e que já sentia quando estava no terreno ou nas organizações da sociedade civil, é que temos o privilégio de ter um Serviço de Estrangeiros e Fronteiras extremamente humanista, e que analisa as situações caso a caso. Obviamente que não pode abrir portas a partir do nada, e é por isso que nos preocupamos em fundamentar as situações que lhe são apresentadas, até para estabelecer e consolidar uma relação de confiança.

Um dos grandes papéis da sociedade civil é, através do conhecimento das situações, lembrar que as pessoas não são números, mas rostos, nomes e vidas. É isso que falta ao Estado, porque não acompanha de perto a realidade dos imigrantes – embora o ACIDI, através das suas redes, centros locais, Linha SOS e serviços de tradução, vá estando próximo. Acho que esta relação entre a sociedade civil e o Estado é essencial para encontrar soluções para estes casos.

Oss destituídos são é um tema muito complexo e desafiador. A solução para estes casos não é fácil, porque implica dar uma identidade a quem não a tem, com os riscos que se podem correr. Tratam-se de pessoas que, ao não serem reconhecidas, nem na embaixada nem em Portugal, ficam completamente destituídas de todos os direitos e de tudo aquilo que é uma vida.

Tem de haver algum cuidado, para evitar que todos os destituídos ou todos os potenciais destituídos do mundo se desloquem para um país, aproveitando-se da eventualidade de ele os acolher automaticamente. Nestes casos, é a sociedade civil que poderá ajudar a fazer a triagem, através do acompanhamento das pessoas e do conhecimento das suas necessidades, fortalecendo a decisão do Estado.

AE – Pode-se esperar que o Plano para a Integração do Imigrante 2010-2012 venha a incidir sobretudo nas áreas mais fragilizadas, nomeadamente na habitação, cultura, língua, racismo, discriminação e ligação com os países de origem?

MRF – Sem dúvida. O grande objectivo é tentar encontrar medidas que resolvam os problemas que ainda não foram solucionados, não perdendo de vista os outros domínios, para não nos distrairmos com os que estavam a progredir bem. Vamos incidir nas áreas mais desprotegidas, mantendo as outras como objectivo a não esquecer, para que os imigrantes se sintam cada vez mais integrados em Portugal, se sintam parte da sociedade portuguesa e nos ajudem a ter um país melhor e mais competitivo e desenvolvido, porque nós precisamos muito de imigrantes.

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