Alguém tem de trabalhar!

Padre Miguel Neto, Diocese do Algarve

Foto Agência ECCLESIA/PR

Na polarização a que hoje assistimos e na qual participamos falamos e criticamos, sem tantas vezes repararmos, não só quem esta ao nosso lado, como também em quem nos presta um serviço, tantas muitas vezes tão discretamente, que nem damos por que o façam. Os imigrantes que acolhemos nos nossos países não sabem só servir às mesas, limpar as nossas casas e estabelecimentos (como tantos portugueses imigrantes fizeram na França), serem taxistas ou motoristas de Uber/ TVDE (como tantos portugueses imigrados na França, que foram taxistas); são pessoas que têm vida, que desconhecemos, mas que inclui uma família, uma formação e a busca de uma existência melhor, tantas vezes, não só financeiramente, mas sobretudo de paz, segurança e condições para estar melhor.

Ao contrário do que se possa pensar, o nosso pais (e sobretudo o Algarve) sempre foi um espaço de tolerância religiosa e cultural. Prova disso é, precisamente, o facto de a conquista desta região a sul ter sido mais um ato político, do que o sentir do povo que aqui vivia. Havia um salutar convívio entre cristãos, muçulmanos (na sua maioria vindos do Iémen) e judeus, até à conquista, pelo Rei Afonso III. Vários factos apontam para isso mesmo: o rito Moçárabe, no qual eram feitas as celebrações cristãs, o respeito enorme que os muçulmanos tinham pela igreja do Corvo em Sagres, onde repousavam as relíquias de São Vicente, antes de serem levadas pelo Rei Afonso Henriques e os múltiplos relacionamentos mistos, que havia entre os vários povos aqui presentes. Distante e ignorado pelo desejo de conquista da nobreza, a gente do al-Gharb vivia e convivia em salutar paz e tolerância, nestas terras. Infelizmente, não tem recordação dessa memoria. Infelizmente, não temos recordação da necessidade que o povo português teve de ir para fora do seu pais, para melhorar a sua condição de vida. Agora, neste tempo, quase que preferimos as máquinas às pessoas.

Com tristeza, estou à espera de, um dia, ouvir alguém dizer que prefere ir a uma caixa automática de supermercado, do que ir a uma caixa de supermercado onde há um operador oriundo da América do Sul, do Médio Oriente, de África, ou da Ásia. Se não valorizarmos o trabalho que os imigrantes que recebemos fazem, chegará o momento em que o nosso próprio trabalho vai estar em perigo. Cada vez tenho mais certeza disto. Numa época em que o recurso à Inteligência Artificial (AI) está a crescer velozmente e a substituir o homem nas funções simples, mas também mais vulgares, é cada vez mais urgente a valorização de cada posto de trabalho. E, ao contrário do que possamos pensar, com a máquina a roubar o espaço do homem, não há um menor preço. As portagens não ficaram mais baratas por passarmos com o dispositivo da via verde, em vez de termos um portageiro a quem damos o cartão bancário para pagar; as compras no supermercado (ou outra superfície comercial multinacional) não ficam mais baratas por sermos nós a fazer o trabalho de um operador de caixa; os seguros, comunicações e eletricidade não ficam mais baratos, porque em vez de uma pessoa nos atender o telefone temos um Chat Bot a adivinhar o que queremos e, normalmente, ficamos sem resposta; os bancos não cobram menos comissões bancárias por, muitos deles, já não terem caixas com funcionários para depositar e levantar dinheiro.

A dimensão e caracterização do trabalho está a mudar e nós, Igreja, temos de valorizar o fazem as pessoas, sejam elas vindas de qualquer país, oriundas de qualquer povo. Fazem falta TODOS! Como exemplo, pergunto: em tantas IPSS, sobretudo aquelas que estão em lugares distantes dos centros urbanos, quem trabalharia na assistência direta aos utentes, se não fossem os imigrantes? Urge que a Igreja fale sobre esta nova dimensão do trabalho humano, talvez com uma encíclica na linha do que foi feito em 1981, com a Laborens Exercens e antes, com a Rerum Novarum.

Não aceitar quem quer trabalhar e viver no nosso pais é começar a trilhar o caminho perigoso de que “mais vale uma boa máquina a uma qualquer pessoa”! E há mais de cem anos vimos onde isto no levou, no pico da Revolução Industrial. Tenhamos memoria! Valorizemos as pessoas!

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