Algarve: A Pietá do Sul de Portugal

Na primeira quinzena pascal, a Diocese do Algarve vive uma das maiores manifestações de fé a sul do rio Tejo, com as festas da Mãe Soberana. A tradição que remonta ao século XVI conduz a Loulé milhares de crentes e curiosos para participarem na «festa pequena» e, essencialmente, na «festa grande».

Chamam-se «festa pequena», quando o andor da Mãe Soberana desce da ermida da Senhora da Piedade, até à Igreja de São Francisco, por oposição à «festa grande», 15 dias depois, quando se trata do adeus à padroeira de Loulé.

A festa tem dois momentos distintos. Na Páscoa, a imagem que fica na Ermida da Senhora da Piedade, no alto do cerro, desce a íngreme ladeira, carregado o andor em braços, num difícil equilíbrio, porque afinal, a descer, todos os santos ajudam e a calçada é escorregadia.

É uma marcha considerada «profana», que inicia um período de maior religiosidade, com a realização de novenas, logo que a imagem chega à igreja de São Francisco, no centro da cidade algarvia.

Na «festa grande», oito os homens – vestidos de calças e opas brancas – carregam o andor e sobem o íngreme cerro, sempre ao ritmo da música. Na procissão da «festa grande», o andor, na despedida à cidade, para em frente ao edifício dos Paços do Concelho, porque era aí, na Câmara, que se elegiam os mordomos da confraria de Nossa Senhora da Piedade e se nomeavam os homens que em cada ano transportariam o andor.

Logo que se escutam os acordes da «marcha picada» do hino da Mãe Soberana o passo acelera, transforma-se numa corrida de equilíbrio, com a população a exortar o esforço e a acenar com milhares de lenços brancos.

Um quadro religioso raro, somente comparável às festividades religiosas minhotas, numa cidade que, para os mais distraídos, apenas oferece sol, mar e carnaval.

Os muros brancos que cercam uma provável via romana, como gostam de acreditar os locais, estão bordejados pela multidão, um “lençol branco esvoaçante substitui por momentos o verde da colina” a noroeste da cidade de Loulé. (Cf. Jornal «Expresso», 01 de maio de 2004)

Na zona circundante do santuário, o cheiro a tomilho selvagem é intenso, visto que é macerado por milhares de pés e o seu aroma suplanta o da cera das velas e o do incenso. No início da ladeira, a banda da música acelera o ritmo e o clima de tensão é notório. Um rio de gente sobe o cerro a uma velocidade estonteante e, sobre as suas cabeças, aos saltos e oscilando como um barco, vai o andor. Os acordes da banda filarmónica são temperados por gritos roucos, uns tonitruantes, outros agudos. São vivas alegres, entoados por um mandador improvisado a que os assistentes respondem, repetindo incessantemente: «Viva, a Mãe Soberana».

A imagem da Mãe Soberana tem autor desconhecido e tudo o que se sabe é que terá sido esculpida no início do século XVIII, em madeira e ouro. Enquanto se cumprem os últimos rituais religiosos ao ar livre, há quem prefira ir para dentro da pequena ermida agradecer as graças obtidas por intermédio da Mãe Soberana, a Pietá do Sul do país. Já o sol se pôs quando as entidades eclesiásticas, a banda e muitos milhares de crentes descem a ladeira rumo à cidade, deixando que o silêncio volte a cair sobre a Mãe Soberana.

Conta a lenda que as tentativas para construir uma ermida em honra da Virgem da Piedade, numa gruta, saíram frustradas. Os pedreiros, após o dia de trabalho deixavam no local as ferramentas, para no dia seguinte as encontrar no alto do cerro.

Atribuiu-se tal façanha a um «milagre» da santa, que assim manifestava a sua vontade de ter o seu templo num local alto e sobranceiro e não escondida numa cova. E fez-se a sua vontade. A pequenina ermida ficou concluída em 1553 e até 1970 acolheu a imagem. (cf. Conceição Branco, in: www.observatoriodoalgarve.com)

A comissão fabriqueira da Mãe Soberana iniciou em 1970 a construção de um santuário da autoria do arquiteto Nereus Fernandes, que previa a destruição da ermida, facto mal aceite pelos fiéis. O projeto acabaria por ser interrompido e a obra reiniciou-se em 1988, desta vez sob a responsabilidade do arquiteto António Serrano Santos. Mas só em 1994 foi inaugurada a nova construção, permanecendo a seu lado a humilde ermida.

 LFS

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Agência ECCLESIA

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