Padre Miguel Lopes Neto, Diocese do Algarve, membro RedAlfamed e Universidade de Huelva

Às portas do Advento, tempo litúrgico de espera e de preparação para o Natal, somos confrontados com uma pergunta que ecoa desde Belém, até às ruas das nossas cidades, em 2025: haverá lugar na estalagem? A 15 de novembro, em Fátima, a Igreja em Portugal, através do I Fórum Migrações, olhou-se ao espelho e, com uma franqueza desarmante, admitiu que a resposta nem sempre tem sido um “sim” incondicional.
Vivemos um paradoxo. Enquanto enfeitamos as casas para receber um Deus que se fez peregrino e refugiado, assistimos, como alertaram os participantes no Fórum, a uma degradação da opinião pública sobre quem chega de fora. A discriminação, antes sussurrada, ganhou palco na esfera política e social, normalizando narrativas que ferem a dignidade humana. É inquietante perceber que esta erosão da fraternidade é especialmente aguda entre os mais jovens, seduzidos pela eficácia comunicativa dos extremismos. Se o Advento é a chegada da Luz, não podemos permitir que a nossa sociedade mergulhe na penumbra do medo e da desconfiança.
D. José Ornelas lembrou-nos que a realidade migratória atingiu dimensões inéditas. Mas os números não são o problema; a nossa resposta é que define quem somos. O documento de Fátima é claro: há uma falta de evangelização que nos fecha. O medo do desconhecido tem paralisado a ação, transformando paróquias que deveriam ser portos de abrigo em lugares de hesitação. A verdadeira integração não se faz com decretos, mas com a superação da barreira do “nós” contra “eles”. É urgente, como foi proposto, reconhecer em cada migrante não um número estatístico ou uma mão de obra necessária para a sustentabilidade, mas um irmão.
Neste Advento, a preparação para o Natal exige uma “coragem serena, firme e persistente”. Não basta a caridade assistencialista; é preciso justiça. As conclusões do Fórum apontam feridas abertas: a falta de habitação digna, o acesso difícil à saúde e, talvez o mais doloroso, os entraves ao reagrupamento familiar. Como podemos celebrar a Sagrada Família se permitimos que leis e burocracias mantenham famílias de carne e osso separadas? A família é o berço da integração; negá-la é comprometer a coesão social de amanhã.
A Igreja é chamada a ser uma voz protetora, mas também um laboratório de convivência. A proposta de criar pequenas equipas paroquiais de acolhimento e de promover o diálogo ecuménico e inter-religioso não é apenas estratégia pastoral; é a atualização do presépio. É dar voz aos migrantes, não apenas como destinatários de ajuda, mas como sujeitos ativos que renovam as nossas comunidades. Eles trazem a “riqueza da pluralidade” que nos salva da estagnação.
O desafio lançado em Fátima, com o contributo de vozes como Rui Marques e Pedro Góis, é o de construir espaços de verdade e racionalidade, contra a polarização. Negociar com o Estado e com as empresas soluções de habitação é fazer teologia na prática.
Este desafio cimenta-se com a primeira viagem apostólica do Papa Leão XIV. A sua visão do ecumenismo, do irmão, da proximidade que deve ser cultivada, como instrumento conducente à paz, é a que nos pede Jesus Cristo, nascido numa gruta, entre pobres e estrangeiros, que lhe deram o melhor que tinham e o reconheceram como Filho de Deus.
Que este Advento não seja apenas um calendário de chocolates ou uma contagem decrescente para o consumo. Que seja o tempo de derrubar os muros do preconceito e de abrir as portas, com a mesma solicitude com que gostaríamos que tivessem aberto a porta a José e Maria. Se a nossa cultura cristã portuguesa tem algum valor, que ele se prove agora, na capacidade de transformar o medo em encontro e o estrangeiro em vizinho. Porque, no fim de contas, Deus vem sempre de fora.”
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