Ciclo de conversas, inspiradas na nova encíclica do Papa Francisco sobre o lugar do coração, aborda «consumismo» espiritual
Lisboa, 06 dez 2024 (Ecclesia) – O padre Paulo Duarte, religioso jesuíta, entende que o alerta deixado pelo Papa sobre uma sociedade de “consumistas em série” ganha particular relevo na altura da celebração do Natal, marcado por uma forte dimensão comercial.
“Dar um presente pode ser um momento muito bonito, uma experiência de pensar a pessoa, de recordá-la. E perceber que o conhecimento real é que temos dela”, refere o convidado do ciclo de conversas ‘Preparar o Natal com o coração’, emitidas em cada domingo do Advento, no Programa ECCLESIA (Antena 1, 06h00) e divulgadas no canal da Agência no YouTube.
Cada encontro parte da encíclica ‘Dilexit Nos’, publicada por Francisco no final de outubro, tendo esta segunda conversa abordado o alerta do Papa sobre “sociedades de consumidores em série, preocupados só com o agora e dominados pelos ritmos e ruídos da tecnologia, sem muita paciência para os processos que a interioridade exige”.
O entrevistado indica que a compra de uma prenda não substitui “um ano inteiro de presença, de relação”, pedindo que este gesto seja feito com verdade, “a partir do coração”.
“Implica tempo para pensar na pessoa, para pensar na relação”, acrescenta.
O padre Paulo Duarte entende que “a lógico de consumismo desenfreado” afeta também a dimensão espiritual.
“A pessoa, quando vive na superficialidade, sem se conhecer, de repente vai para o imediato”, assinala.
Para o religioso jesuíta, é necessário evitar o imediatismo, que marca a sociedade contemporânea, entendendo que “o caminho da interioridade é exigente”.
“A experiência do quotidiano, até liturgicamente falando, o tempo comum, é uma experiência válida para que o extraordinário dê força para viver o dia a dia”, indica.
O padre Paulo Duarte sublinha que, em toda a experiência espiritual “vai haver momentos duros, secos, áridos”, alertando para a “sofreguidão de encontrar uma solução para a dor que e estás a viver”.
“A solução para a dor, obviamente provocada por muitos fatores, muitas vezes é mesmo atravessá-la. E atravessá-la pode até ser mais doloroso”, precisa.
A conversa aborda a importâncias dos tempos de silêncio e “paragem”, numa sociedade em que se promove o cansaço.
“No fundo, estamos constantemente a querer provar que somos válidos”, assinala o sacerdote.
Se não faço, logo deixo de ser. Então, tenho de estar em constante atividade para provar a existência”.
O padre Paulo Duarte propõe uma “educação da paragem” e da “colaboração”, também na vida religiosa e nas comunidades católicas.
“Se nós trabalharmos cada vez mais em equipa, em colaboração, em comunidade, há cansaços que começam a diminuir”, sustenta.
Outra proposta passa pela avaliação das “luzes e sombras” da própria vida, como forma de tomar consciência dos dons.
“É a tensão que nos vai ajudar a crescer como pessoas. Se eu entro num sítio de escuridão e acendo a luz, de repente começo a ver o que lá está”, ilustra.
Para o entrevistado, com este processo “algo novo surge”.
“Há uma beleza, de facto, mas que é exigente. E quando eu me permito viver esta beleza, de facto, há Natal, nascimento, novidade na minha própria vida a acontecer”, conclui.
OC
«Dilexit nos»: Nova encíclica do Papa denuncia mundo sem «coração», preso ao consumo e à violência