Adjetivo «nova» pode trair a evangelização

D. António Couto vai participar, neste mês de outubro, no Sínodo dos Bispos

D. António Couto vai participar, durante este mês de outubro, no Sínodo sobre a nova evangelização. À Ecclesia, o presidente da Comissão Episcopal da Missão e Nova Evangelização revela o que conta dizer aos bispos de todo o mundo, reunidos em Roma: a fidelidade a Jesus Cristo é a chave para o sucesso e a Igreja deve viver sempre em sínodo.

 

Ecclesia – O que significa a expressão “nova evangelização”?

D. António Couto – Se o soubéssemos já não seria necessário fazer o Sínodo. Penso que é mesmo por não sabermos o que é e sobretudo como fazer a nova evangelização que o Papa convocou este Sínodo!

 

E – A expressão está em debate agora. Foi lançada por João Paulo II em 1979. Daí para cá o que aconteceu?

DAC – A expressão já existia nas igrejas da América Latina da década de 70, tendo sido consagrada por Puebla. Mas foi, de facto, o Papa João Paulo II em 1979, na Polónia, que lançou pela primeira vez essa expressão, sem ainda lhe dar conteúdo. Depois, em 1983, em Porto Príncipe, no Haiti, na abertura da V Conferência do Episcopado Latino-americano, o Papa explicou um pouco, falando de “novas expressões, novos métodos, novo ardor”.  Ficou mais clarificado que era necessária uma nova forma de estar no mundo, mais enérgica, com novas metodologias. Creio que ele não quis dizer que era necessário inventar coisas novas, nem em termos de métodos nem de expressões, porque essas estão mais do que consagradas no Evangelho. O Evangelho de Jesus, como Ele o diz e o faz acontecer, é a metodologia mais revolucionária que conheço!

 

E – Em que consiste?

DAC – É a metodologia direta, de um verdadeiro líder! Ele não diz: “este é o caminho, sigam…”. Ele faz o caminho, vai à frente, as pessoas seguem-n’O e aprendem com Ele. É, ao mesmo tempo, uma escola, um trabalho, uma missão, uma vocação.

Esta metodologia supõe uma Igreja com bons líderes, do clero e dos leigos, que levem outras pessoas com eles, que não indiquem caminhos abstratos às pessoas, mas que caminhem com elas.

 

E – Aí estará a verdadeira transformação a fazer?

DAC – A verdadeira transformação tem de começar pelo sujeito da evangelização. Não tanto pelo destinatário.

Quem faz a evangelização – os bispos, os sacerdotes, os leigos e todos os que estão empenhados no Evangelho – tem de começar por uma grandíssima reforma de vida, uma grandíssima conversão ao estilo de Jesus. Jesus era um homem feliz, pobre, despojado, ousado, próximo e dedicado. Esse tem de ser o estilo do evangelizador. Se nós tivermos evangelizadores assim, audazes, testemunhas verdadeiras, pura transparência de Jesus Cristo, não tenho dúvidas que a mensagem passará. Se formos desfigurados e nosso rosto não for o de testemunhas verdadeiras, se não for claro que seguimos a mensagem que Ele nos deixou, o Evangelho não passa e continuará a não passar.

 

E – É isso que tem feito com que muitos projetos de nova evangelização tenham falhado, ao longo dos últimos anos, e faz com que o “Instrumento de trabalho” deste Sínodo peça que se percebam as razões que levaram muitas iniciativas o não produzirem o “êxito esperado”?

DAC – Creio que sim. Nós temos de perguntar porque é que Jesus teve o sucesso que teve, porque é que S. Paulo teve o sucesso que teve e nós não! Nós temos mesmo de olhar para isso!

Paulo era uma pessoa completamente vinculada a Jesus Cristo. E Jesus Cristo completamente vinculado ao Pai. A autoridade e a novidade de Jesus não era tanto fazer o que fazia porque tinha grande capacidade, mas porque só dizia o que ouviu dizer ao Pai e só fazia o que viu fazer o Pai. Aqui está a autoridade e a novidade de Jesus e de S. Paulo.

 

E – Anunciando como S. Paulo nas primeiras comunidades cristãs…

DAC – Como S. Paulo e como Jesus. Também arriscando a vida! Não pode ser um jogo virtual ou à defesa, de quem avança um passo mas recuando dois. Tem de ser de quem avança perfeitamente vinculado a Jesus, sabendo que o que vai fazer o faz em nome de Jesus. Não vale a pena fazer em meu nome, porque se o quiser fazer em meu nome terei o sucesso que habitualmente tenho, que não é grande coisa.

Às vezes aquele “novo” da nova evangelização, o adjetivo novo (os novos métodos, novo ardor, novas expressões), o “novo” às vezes trai-nos.  Não precisamos de ser novos noutra dimensão. Temos de ser novos com Jesus. Diria mesmo: novos como Jesus foi, completamente novo no seu tempo.

O nome novo da novidade chama-se “fidelidade”. Sermos completamente fiéis a Jesus Cristo, ao modelo, à sua vida. É por aí que passará uma nova maneira de presença cristã no mundo.

Eu gosto de dizer e costumo dizer que o anunciador é aquele que está completamente vinculado a quem o envia. E é em nome de quem o envia que ele vai, para dizer exatamente aquilo que quem o envia o manda dizer e ao jeito de quem o envia.

É assim que Jesus faz, ao jeito do Pai e em nome do Pai; e é assim que nós devemos fazer, ao jeito de Jesus e em nome de Jesus.

 

E – Será por isso que muitas iniciativas não tiveram o “êxito esperado”, nas últimas décadas?

DAC- Creio que sim. O problema não estará tanto do lado das pessoas que não querem ouvir, mas no nosso lado, que anunciamos em nome próprio, juntamos as nossas opiniões, damos uns retoques de última novidade.

Como anunciadores, podemos estar sempre ocupados com as últimas novidades, com as últimas fórmulas. E preocuparmo-nos demasiadamente com isso e pouco com o fundamento que é Jesus Cristo. E esse fundamento não muda!

 

E – Poderá induzir em erros, assim, a expressão “nova evangelização”?

DAC – Se acentuarmos demasiadamente o novo, sim.

Mas pode querer significar – e creio que foi com essa intenção que o Papa João Paulo II a lançou e Bento XVI a relança – que nós tomemos consciência, que a Igreja tome consciência, que os cristãos tomem consciência, que não podemos continuar com um estilo “tu cá tu lá”, “assim e assim”, mas temos de nos agarrar completamente a Jesus Cristo.

Por outro lado, quando se diz nova evangelização é com a ideia de olhar sobretudo para o Ocidente descristianizado, assético, indiferente, anestesiado, que anda por aí adormecido e é preciso acordá-lo também para o Evangelho de Jesus. Por isso é preciso nova força, nova dinâmica, nova capacidade de nos colarmos mais a Jesus Cristo para sermos capazes de levar a Sua mensagem às pessoas de hoje, quer às crentes que precisam de ser confirmadas e formadas na sua fé, quer àquelas que não acreditam ou que nunca foram despertadas para isso e que nós também temos de abordar.

 

Em Igreja

E – Anunciar desse jeito, desenvolver assim projetos de nova evangelização, implica uma autocompreensão diferente do que é a Igreja, nos dias de hoje?

DAC – Pode ter implicações. Tem de ser uma Igreja muito mais próxima, muito mais dedicada às pessoas, muito mais no meio das pessoas.

No “Instrumentum Laboris” do Sínodo diz-se que a paróquia é o elemento central da nova evangelização. Quando muita gente diz que a paróquia está a mais, que temos de rever o tecido paroquial, esta expressão quer dizer (ao jeito de João Paulo II que dizia que a paróquia é a casa de Deus no meio dos seus filhos e das suas filhas) que a paróquia é aquela rede de proximidade que nos pode ajudar e quase obrigar a colocar os pés no chão.

Muitas vezes não pisamos o mesmo chão lamacento que as pessoas pisam e não vamos ao encontro das pessoas. É isto que quer dizer esta forte expressão: a Igreja não pode ser aérea e etérea, mas tem de estar plantada no meio das pessoas, conhecê-las, saber que rostos têm, que sonhos têm, que problemas têm… Era o que Jesus fazia, passando pelo meio das pessoas.

 

E – E isso é possível concretizar-se na lógica que existe nos dias de hoje, numa rede paroquial sempre na dependência de uma pessoa, o pároco?

DAC – É óbvio que teremos de mexer nisso. Não pode ser o pároco, que não está sempre presente por ter demasiadas paróquias, mas tem de haver uma rede no terreno que assuma esse trabalho.

Depois dessa expressão, que a paróquia é o elemento central da nova evangelização, o Instrumento de trabalho do Sínodo diz que os catequistas (poderíamos falar de outros agentes de evangelização) são a “força basilar das comunidades cristãs”.

Ao dizer que são a “força basilar”, está a dizer que já não é um pároco, mas são os leigos que assumem verdadeiramente a formação das crianças e não só (porque o catequista é visto como aquela testemunha que com a sua vida já ensina, mesmo sem precisar de falar, crianças, jovens, jovens casais e idosos).

É essencial que a nova evangelização, que uma maneira nova de pensarmos as coisas empenhe verdadeiramente os leigos naquilo que estão a fazer, cheios de alegria, entusiasmo e vida nova.

 

E – Participa no Sínodo que decorre no mês de outubro em Roma. Que contributo espera que o Sínodo ofereça a este projeto de nova evangelização?

DAC – Espero que o Sínodo, pegando em toda a vastidão de ideias e problemas existentes e que estão reformulados no Instrumentum Laboris, seja capaz de encontrar um fio condutor com o qual possa fazer uma rede. Chamar-lhe-ia um tecido reticular, composto por fio um capaz de fazer uma rede. Esse fio tem de vir da graça de Deus, através de Jesus Cristo, o grande missionário, com o Seu rosto bem claro e bem definido em cada comunidade cristã. E que esse fio una pessoas, famílias e comunidades uma a uma e nós percebamos que desvinculados desse fio, desligados desse fio não podemos fazer nada.

 

E – Terá oportunidade de intervir no Sínodo. O que pensa dizer diante de bispos de todo o mundo?

DAC- Conto expressar três ideias: viver em Igreja é viver em sínodo, no caminho, na casa, reunidos, em conjunto; a Igreja é uma Igreja que anuncia, da anunciação, que anuncia completamente vinculada a Jesus, porque o anunciador não diz tanto a sua mensagem ou a sua opinião, mas diz a mensagem de quem os envia, no nosso caso a Jesus; a Igreja é uma Igreja da fidelidade, não tanto da novidade, mas indicar que a novidade é a fidelidade a Jesus.

PR

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Agência ECCLESIA

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