Acção dos jesuítas na Etiópia do século XVII

Exposição em Braga “De fora, da terra. Presença jesuíta na Etiópia do século XVII” é o tema da exposição que, desde ontem, se encontra patente no átrio do salão medieval da Universidade do Minho. Fotografias e outros elementos denunciam o choque cultural e religioso provocado pelo encontro, nos séculos XVI e XVII, entre cristãos ortodoxos etíopes e católicos europeus. A mostra apresenta retratos de alguns dos monumentos do início deste período, durante o qual os missionários jesuítas foram particularmente influentes na corte real etíope. Este importante património, designado habitualmente como pré-gondarino, é quase desconhecido fora da Etiópia. As fotografias são acompanhadas de um conjunto de livros e manuscritos de origem jesuíta, guardados na Biblioteca Pública e no Arquivo Distrital de Braga. «A Missão jesuíta é o exemplo de uma Europa que saiu dos seus limites geográficos e que provocou um choque cultural e religioso », disse Manuel João Ramos, um dos comissários desta exposição, organizada pela Secção Profissional de Estudos do Património da Sociedade de Geografia de Lisboa. O investigador do Departamento de Antropologia do ISCTE explicou ao Diário do Minho que «a iniciativa já decorreu, no ano passado, em Londres. Em Braga, o recurso à fotografia deve-se à dificuldade burocrática em fazer sair daquele país os ícones e manuscritos da exposição permanente, reclamados pelas autoridades etíopes». A cidade dos arcebispos acolhe, assim, uma mostra que também interpela os moldes com que, por vezes, se processa o diálogo ecuménico actual. «Os jesuítas chegaram à região africana amplamente preparados em termos teológicos, conheciam os dossiers. Por isso, obrigaram os ortodoxos a repensar as diversas categorias, que, para os seus teólogos, eram um dado adquirido há muitos séculos – desde o Concílio de Calcedónia –, tal como a não aceitação da dupla natureza de Cristo; alguns elementos que os missionários consideravam “judaízantes”; e a própria circuncisão, que, segundo os jesuítas, era uma prática muçulmana», explicou o comissário, que também enquadrou estes factos no período expansionista português e na Contra-Reforma. Defendendo que as clivagens deste período ainda se encontram vivas na memória colectiva daquele povo africano, o Manuel João Ramos referiu que, por isso, «o diálogo com os ortodoxos ainda é difícil. A concepção dos factores religioso e social permanece diferente e a reacção anticolonial perdurou até aos nossos dias, com os traumas que se conhece». «Repare-se que o famoso “encontro de culturas” é visto sempre a partir de uma visão paternalista, pretendendo- se, na maioria dos casos, uma colonização de cariz mental», lamentou o responsável. Nesse sentido, a exposição pretende explorar o resultado deste encontro sobre a vida religiosa, política e artística da Etiópia cristã, um impacto dificilmente reconhecido, já que a conversão pública, em 1621, do rei etíope Suseniôs ao catolicismo conduziu a uma guerra civil e religiosa de consequências traumáticas. A decisão do rei africano tinha a intenção estratégica de reforçar o seu poder político e a sua independência face ao influente clero ortodoxo. Imediatamente, chegou ao reino um número crescente de sacerdotes jesuítas encarregues de introduzirem as reformas católicas na Etiópia. Em 1626, o Patriarca Afonso Mendes impôs um conjunto de mudanças radicais nas práticas religiosas ancestrais dos etíopes, o que originou uma guerra civil que levou Suzeniôs a abdicar da coroa. O seu filho Fasiladas, que lhe sucedeu, rejeitou o catolicismo e, em 1633, expulsou e matou todos os missionários jesuítas. Influência arquitectónica Manuel João Ramos não deixou de salientar a «enorme influência arquitectónica dos portugueses naquela região africana». Dispersas pelos planaltos do norte da Etiópia, podem- se encontrar ainda hoje diversas ruínas de edifícios monumentais, visivelmente estranhos à tradição arquitectónica daquele país. Este património pouco conhecido no Ocidente testemunha o encontro cultural dos séculos XVI e XVII entre missionários e militares católicos europeus e os ortodoxos etíopes. «O número de igrejas católicas construído ao longo de dez ou 15 anos é impressionante e as técnicas de construção utilizadas, com recurso à pedra e argamassa, são eminentemente europeias. É óbvio que, posteriormente, os ortodoxos dessacralizaram esses templos », destacou o investigador, que esclareceu que «a Igreja Ortodoxa quis recuperar o seu espaço vital». A propósito, a exposição é composta por diversas ampliações fotográficas e painéis com informação documental sobre a arquitectura monumental etíope deste período, bem como mapas e plantas de igrejas católicas e castelos cujas imponentes ruínas ainda se podem encontrar no norte da Etiópia, o lendário reino do Preste João. O Arquivo Distrital de Braga associou-se, igualmente, a esta iniciativa apresentando, na sala contígua à sua sala de leitura, uma importante colecção de manuscritos sobre a Etiópia no séc. XVII. A exposição poderá ser visitada, até ao final do mês, nos dias úteis das 9h00 às 12h30, e das 14h00 às 17h30.

Partilhar:
Scroll to Top