Acabar com o «ritmo constantiniano» na Igreja

Numa entrevista concedida há 50 anos ao Boletim de Informação Pastoral (BIP), D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto e membro da Comissão Conciliar dos Seminários e Estudos do II Concílio do Vaticano, realçava que “nem sempre os períodos de abundância de clero foram os melhores; quase sempre, o prefácio dos piores”.

Numa entrevista concedida há 50 anos ao Boletim de Informação Pastoral (BIP), D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto e membro da Comissão Conciliar dos Seminários e Estudos do II Concílio do Vaticano, realçava que “nem sempre os períodos de abundância de clero foram os melhores; quase sempre, o prefácio dos piores”.

Ao responder à questão formulada pelo BIP nº 19 (setembro-outubro de 1962) sobre se «as vocações e os seminários são o problema número um da Igreja em Portugal», o bispo português exilado sublinhou que a Igreja – na altura já sofria de “escassez de clero” – “sofreu de excesso” em determinadas alturas da sua história.

No início do II Concílio do Vaticano (11 de outubro de 1962), D. António Ferreira Gomes referia que a hierarquia estava empenhada “em combater o anticlericalismo” – “muito, talvez demais” – mas que “seria decerto mais útil e mais justo combater o clericalismo”. E acentua: “Enquanto não acabar o clericalismo na Igreja não acabará o anticlericalismo – e muito justamente”.

Para este padre conciliar, “só o advento dum verdadeiro laicado católico, muito eclesial e nada clerical, com plena consciência dos seus deveres e direitos na Igreja, neste sentido cristão adulto, poderá aproveitar o serviço da verdade e da graça que é próprio do sacerdócio”.

Na mesma resposta, D. António Ferreira Gomes realça que terminou a «idade constantiniana» e tem “de acabar o ritmo constantiniano em que continuam a funcionar, por inércia, tantas mentes”. O cristianismo tem de ser “pessoal” e “não estatístico”, que lhe importa “a qualidade muito mais que o número”, que a Igreja “é o reinado da consciência e portanto «pátria da liberdade»”, que pouco valia e já “nada pode valer a missão à base da conversão do rei-conversão do seu povo”.

Ao fazer uma análise do cristianismo da primeira metade do século XX, o bispo do Porto afirma que a “religião de Cristo” tem de partir das “consciências para a sociedade e para o estado e que a marcha contrária é pagã”. O «episcopado interior» da Igreja tem de “dispensar e, se necessário, resistir ao «bispo exterior» (como a si mesmo chamou Constantino, ainda não batizado e mesmo «pontifex maximus» do paganismo)”. A era constantiniana “quis sacralizar o profano (sem negarmos os bens que o homem histórico disso colheu)”, mas só conseguiu “finalmente profanar o sagrado”.

Nas previsões sobre este acontecimento eclesial convocado pelo Papa João XXIII, D. António Ferreira Gomes dizia que o concílio nunca poderia “perder de vista” as soluções das perguntas postas à Igreja por um tempo dado “pelo homem desta segunda metade já adiantada do século XX, num mundo materialmente uno, mas dilacerado por fortes tensões de dissolução em conflito com as forças morais coesivas”.

Na entrevista, o prelado apresentava também alguns tópicos que devem estar nas reflexões conciliares: “Atualização (aggiornamento) da única verdadeira Igreja, para que ela possa tornar-se realmente a família reintegrada de Deus Pai revelado em Cristo” e como “máxima aspiração imediata a unidade dos cristãos”.

 LFS

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