Documento tem 164 pontos, sublinhando necessidade de cooperação com autoridades civis
Cidade do Vaticano, 16 jul 2020 (Ecclesia) – O Vaticano publicou hoje um “vade-mécum” para ajudar os bispos e responsáveis de institutos religiosos no tratamento de denúncias de abusos sexuais de menores.
O documento foi preparado pela Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), para ajudar os responsáveis católicos a cumprir os seus deveres, nestas situações, e surge depois dos pedidos feitos durante a cimeira para a proteção de menores, que o Papa promoveu de 21 a 24 de fevereiro de 2019, no Vaticano.
A CDF fala num “manual” para “casos de abusos sexuais de menores cometidos por clérigos”, visando processos que envolvam bispos, padres e diáconos, de forma a uniformizar os procedimentos e estabelecer regras comuns, em vez de orientações.
Ao longo de 164 pontos, a CDF explica os procedimentos a seguir, desde a denúncia à conclusão da causa, falando numa “ferida profunda e dolorosa que pede para ser curada”.
A tipologia do delito é, de acordo com o documento, “muito ampla” e pode incluir, por exemplo, relações sexuais (com e sem consentimento), contacto físico de ordem sexual, exibicionismo, masturbação, produção de pornografia, indução à prostituição, conversas e/ou propostas de caráter sexual, “inclusive através dos meios de comunicação”.
Uma das novidades relaciona-se com as denúncias anónimas, que deixam de ser automaticamente descartadas, referindo-se que é “oportuno ter muita cautela ao tomar em consideração esse tipo de notitia, que de modo algum deve ser encorajado”.
O Vaticano sublinha que não é necessária uma “denúncia formal”, pedindo que qualquer situação suspeita seja “adequadamente avaliada e, na medida do possível, aprofundada com a devida atenção”.
O primeiro passo recomendado é uma investigação prévia, para determinar se a denúncia é verossímil, sublinhando que, mesmo onde a legislação não o torne obrigatório, a autoridade eclesiástica deve dar a conhecer o caso às autoridades civis competentes, “sempre que o considere indispensável para tutelar a pessoa ofendida ou outros menores do perigo de novos atos delituosos”.
A investigação prévia canónica deve ser realizada “independentemente da existência ou não de uma investigação correlativa pelas autoridades civis”, a não ser nos casos em que a legislação estatal impõe a proibição de investigações paralelas à sua.
O Vaticano sublinha que “a divulgação de notícias sobre a existência de uma acusação não constitui necessariamente uma violação da boa fama”, convidando à “cautela”, quando são publicados comunicados sobre os casos.
Quanto à obrigação de notificar as autoridades civis da denúncia recebida e da investigação prévia aberta, a Santa Sé estabelece como princípio que se devem “respeitar as leis do Estado” e “a vontade da presumível vítima”, neste caso, também, “encorajando-a, no exercício dos seus deveres e direitos perante as autoridades estatais”.
A colaboração é também determinada se “as autoridades judiciais civis emanarem uma ordem executiva legítima solicitando a entrega de documentos relativos às causas ou estabelecerem a apreensão judicial dos mesmos”.
As autoridades eclesiásticas devem empenhar-se para que a presumível vítima e a sua família sejam tratadas com dignidade e respeito, e devem oferecer-lhes acolhimento, escuta e acompanhamento, inclusive através de serviços específicos, bem como assistência espiritual, médica e psicológica”.
Os bispos e hierarcas (comunidades católicas do Oriente) podem aplicar medidas cautelares, nesta fase inicial, distinguindo-as de eventuais penas, pelo que se deverá falar em “afastamento ou proibição de exercício do ministério”.
“Deve evitar-se a opção de realizar simplesmente uma transferência de ofício, de circunscrição, de casa religiosa do clérigo envolvido, pensando que o seu afastamento do local do suposto delito ou das presumíveis vítimas constitua solução satisfatória do caso”, acrescenta a CDF.
A Santa Sé realça que, “desde o momento em que se tem a notícia de delito, o acusado tem direito de apresentar pedido para ser dispensado de todas as obrigações inerentes ao seu estado de clérigo, incluindo o celibato” e “eventuais votos religiosos”.
No último ponto, o “manual” determina que a autoridade eclesiástica competente informe a presumível vítima e o acusado “sobre cada uma das fases do procedimento, tendo o cuidado de não revelar informações cobertas por segredo pontifício ou segredo de ofício, cuja divulgação poderia prejudicar terceiros”.
OC
Desde a cimeira de 2019, Francisco publicou uma Carta Apostólica sobre a Proteção dos Menores e das pessoas vulneráveis (26 de março de 2019), a Lei 297 para o Estado da Cidade do Vaticano (26 de março de 2019), as diretivas para o Vicariato da Cidade do Vaticano (26 de março de 2019) e o Motu Proprio ‘Vos estis lux mundi’ (9 maio de 2019), com o qual determinou que todas as dioceses católicas deveriamm criar estruturas para receber denúncias de eventuais casos de abusos sexuais, até junho de 2020.
Já no Vaticano, foi criada uma mesa jurídica para acompanhar e ajudar os dicastérios da Cúria Romana na aplicação do Motu Proprio. O final de 2019 ficou marcado pela decisão do Papa de abolir o segredo pontifício nos casos de violência sexual e de abuso de menores cometidos por clérigos. Outro decreto altera a norma relativa ao crime de pornografia infantil – inserido na categoria de ‘delicta graviora’, os crimes mais graves, no direito canónico-, à posse e difusão de imagens pornográficas, fazendo agora referência a menores de 18 anos de idade, em vez dos 14 anos, como acontecia até agora. |