Documento visa uniformizar procedimentos e estabelecer regras comuns
Lisboa, 14 fev 2023 (Ecclesia) – O Vaticano disponibiliza desde 2020 um “vade-mécum” para ajudar os bispos e responsáveis de institutos religiosos no tratamento de denúncias de abusos sexuais de menores.
O documento preparado pelo Dicastério para a Doutrina da Fé (DDF) surgiu depois dos pedidos feitos durante a cimeira para a proteção de menores, que o Papa promoveu de 21 a 24 de fevereiro de 2019, no Vaticano.
O DDF propõe aos responsáveis católicos um “manual” para “casos de abusos sexuais de menores cometidos por clérigos”, visando processos que envolvam bispos, padres e diáconos, de forma a uniformizar os procedimentos e estabelecer regras comuns, em vez de orientações.
O guia em 164 pontos, disponível online desde 2022, explica os procedimentos a seguir, desde a denúncia à conclusão da causa, falando numa “ferida profunda e dolorosa que pede para ser curada”.
A tipologia do delito é, de acordo com o documento, “muito ampla” e pode incluir, por exemplo, relações sexuais (com e sem consentimento), contacto físico de ordem sexual, exibicionismo, masturbação, produção de pornografia, indução à prostituição, conversas e/ou propostas de caráter sexual, “inclusive através dos meios de comunicação”.
O primeiro passo recomendado é uma investigação prévia, para determinar se a denúncia é verossímil, sublinhando que, mesmo onde a legislação não o torne obrigatório, a autoridade eclesiástica deve dar a conhecer o caso às autoridades civis competentes, “sempre que o considere indispensável para tutelar a pessoa ofendida ou outros menores do perigo de novos atos delituosos”.
Este documento, já na sua segunda versão, “pretende responder a uma crescente necessidade de conhecimento da prática por parte dos que são chamados a gerir as situações descritas nas diversas funções”.
O DDF oferece padrões para “formar operadores e resolver questões que não encontram respostas adequadas nos textos legais”.
As diretrizes da Conferência Episcopal Portuguesa para estes casos, datadas de 2020, sublinham que o bispo responsável deve dar seguimento a denúncias e à possível investigação prévia.
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal apresentou esta segunda-feira o seu relatório final, anunciando que uma lista dos alegados abusadores ainda no ativo será remetida, nos próximos dias, “tanto ao Ministério Público, como à Conferência Episcopal Portuguesa”, recomendando “o máximo respeito pelo sigilo desde o início garantido”.
Em junho de 2021, o Papa publicou a constituição Apostólica ‘Pascite gregem Dei’, promovendo uma reforma do Código de Direito Canónico (CDC) no que se refere às sanções penais na Igreja, com atenção particular aos casos de abusos sexuais.
O texto, divulgado pelo Vaticano, altera o Livro VI do CDC e revê a disciplina penal que existe desde 1983, visando evitar “o risco de contemporizar com comportamentos contrários à disciplina”.
“Muitos foram os danos causados no passado pela falta de compreensão da relação íntima que existe na Igreja entre o exercício da caridade e o cumprimento da disciplina punitiva, sempre que as circunstâncias e a justiça o exigirem”, admite o Papa.
Os casos de abusos sexuais de menores e adultos vulneráveis, posse ou divulgação de pornografia passaram a ser inseridos numa secção especificamente dedicada aos “delitos contra a vida, a dignidade e liberdade do homem”.
As penas estendem-se aos clérigos, membros de instituto de vida consagrada ou de sociedade de vida apostólica ou “qualquer fiel que goze de dignidade ou exerça cargo ou função na Igreja”.
O CDC prevê, na sua nova redação, a “privação do ofício e outras penas justas, sem excluir, se o caso o exigir, a expulsão do estado clerical”, para os sacerdotes.
O Papa realça que a missão dos bispos e superiores de cada comunidade, no campo da disciplina penal, deve ser exercida como “exigência concreta e inalienável de caridade perante a Igreja, perante a comunidade cristã e as possíveis vítimas”.
A nova redação do CDC promove a redução dos casos em que a aplicação de sanções fica “ao critério da autoridade”.
OC
A 17 de dezembro de 2019, o Papa decidiu abolir o segredo pontifício nos casos de violência sexual e de abuso de menores cometidos por clérigos.
A decisão foi acompanhada por outro decreto, que altera a norma relativa ao crime de pornografia infantil – inserido na categoria de ‘delicta graviora’, os crimes mais graves, no direito canónico-, à posse e difusão de imagens pornográficas, fazendo referência a menores de 18 anos de idade, em vez dos 14 anos, como acontecia até então. |
Proteção de Menores: «Não toleraremos abusos nem abusadores» – D. José Ornelas (c/vídeo)