Aborto: legalizar não resolve

Maria do Rosário Carneiro defende que a legalização não atenua nem retira o drama à decisão de morte de outro O drama do aborto clandestino não deve nem pode ser resolvido pela legalização proposta pelo referendo. A legalização não atenua nem retira o drama à decisão de morte de outro, torna-a absoluta, possível, legal, cooperada. A proposta de legalização, para resolver o drama do aborto clandestino, parte do princípio que até às 10 semanas de gravidez existe um único bem a ser protegido – a mulher grávida. Assim entendido, deve então ser garantida assistência médica, segura, na cessação dessa mesma gravidez como se de um simples acto médico se tratasse, exclusivamente referente à mulher. Mas não é. A cessação da gravidez quer sempre dizer a cessação da vida de um outro. Por outro lado, nem se pode dizer que pelo facto de se tornar esta remoção um seguro acto cirúrgico, médico (como se se tratasse da remoção de um qualquer obstáculo ao bem estar da pessoa), se remova o que determinou a remoção. A eliminação do bebé em condições seguras para a mãe, em nada altera as circunstâncias que determinaram a sua opção. As causas permanecem, os motivos serão sempre os mesmos, o desespero e a solidão voltarão a ocorrer sempre que uma nova gravidez volte a ocorrer. Em circunstância alguma se vê no projecto de lei que enquadra o referendo, se ouve no discurso político promotor da liberalização, se pode mesmo presumir das políticas públicas enunciadas, uma intervenção sistemática por parte do Estado que represente pelo menos um investimento análogo ao que irá ser feito para garantir o aborto legal, para remover de forma adequada, clinicamente segura, as causas que levam tantas mulheres a optar pela interrupção voluntária das suas gravidezes. Bem pelo contrário, o que se sabe é da falta de contraceptivos para serem distribuídos gratuitamente nos centros de saúde, da falta de consultas de planeamento familiar, da redução das comparticipações nos contraceptivos, da desprotecção da maternidade, da precariedade laboral, dos baixos níveis salariais, da precariedade da rede de apoios sociais, da ausência de alternativas viáveis, de um sistema de adopção e de acolhimento precoce de crianças deficientes, da ausência de um modelo educativo que integradamente prepare as pessoas para a relação com os outros… O que se sabe é que as verbas agora encontradas para financiar a garantia de um aborto seguro, legal e livre até às dez semanas, não foram possíveis disponibilizar para apoiar as instituições que ao longo destes últimos anos (desde o referendo de 1998) foram surgindo, por iniciativa militante de cidadãos, para acolherem e apoiarem as mulheres grávidas em situação de pobreza, exclusão, abandono, solidão, ou para receberem precocemente as crianças carentes de acolhimento. Por outro lado, a consciência de cada um não se altera, e ainda bem, porque uma lei quer limpar, lavar, retirar, do domínio da relevância ética as primeiras dez semanas de vida de cada um. E não se alterando as consciências, nem se alterando as condições que objectivamente colocam as mulheres nestas situações limite, a legalização do aborto às dez semanas não resolve nem remove o drama do aborto. Maria do Rosário Carneiro

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Agência ECCLESIA

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