Homilia de D. Tomaz Silva Nunes, na Missa em Peniche
Felizes os que se encontram com Deus
e n’Ele se reconhecem
Homilia na Missa de abertura da Semana Nacional da Educação Cristã
Peniche, Igreja de São Pedro, 4 de Outubro de 2009
A primeira leitura da missa de hoje é um extracto do segundo relato da Criação, contido no livro do Génesis (cf. Gn 2, 18-24).
Não vou aqui referir-me a questões relativas ao como e ao quando da criação, nem a outras que têm dado lugar a debates sobre a compatibilidade, ou não, entre os dados da fé e os da ciência. Sobre isso, sublinho, apenas, que a fé e a ciência são dois domínios do conhecimento que, se bem entendidos, não se disputam, antes se completam.
1. O autor do Génesis não pretende fazer um relato histórico ou científico da criação e utiliza uma linguagem simbólica, própria do seu tempo, para nos transmitir uma mensagem. Meditemos, pois, brevemente, nessa mensagem, que se completa e enriquece com os conteúdos das outras duas leituras.
O Antigo Testamento, para a sua boa compreensão, deve ser lido à luz da mensagem do Novo Testamento.
São João inicia o seu Evangelho dizendo que no princípio tudo começou a existir pelo Verbo de Deus e que, sem Ele, nada veio à existência (cf. Jo 1, 1-3). O Verbo é a Palavra, isto é, a comunicação de Deus. É a Palavra eterna de Deus, o Filho muito amado do Pai.
“A fé da Igreja afirma igualmente a acção criadora do Espírito Santo: Ele é Aquele «que dá a vida», «o Espírito Criador» (…), a «Fonte de todo o bem»” (CIC 291). Por isso, “A criação é obra comum da Santíssima Trindade” (CIC 292), “é o primeiro e universal testemunho do amor omnipotente de Deus” (CIC 288), é a projecção do amor que une o Pai o Filho e o Espírito Santo.
De acordo com o relato do Génesis, o ser humano tem a primazia sobre todos os seres vivos, porque Deus, concede-lhe o poder de dominar sobre eles, simbolizado na capacidade de lhes atribuir os nomes, uma prerrogativa do próprio Deus. São sinais da grandeza e da dignidade do ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26), que o salmista realça, num hino de louvor ao Criador, ao dizer: “Quase fizeste dele um ser divino; de glória e de honra o coroaste. Deste-lhe domínio sobre as obras das tuas mãos, tudo submeteste a seus pés” (Sl 8, 6-7).
2. Caras crianças / Caros jovens,
É provável que no vosso dia-a-dia vos confronteis com pessoas que, por vários motivos, se opõem à visão cristã da criação: uns consideram esta visão ultrapassada, incompatível com a ciência ou com uma perspectiva moderna das relações interpessoais. Mas, a meu ver, o motivo mais grave do desacordo de muitos, reside no facto de dispensarem Deus como fundamento da vida humana e do seu sentido, vivendo, por isso, como se Ele não existisse.
Mas, atenção: Todos nós, cristãos, temos de cultivar a fé em Deus e de confiar n’Ele, de seguir a Sua Palavra e a Palavra da Igreja. Sem a fé, o homem e a mulher, embora a lei do amor esteja gravada nos seus corações, ficam mais fragilizados, mais vulneráveis às tentações do fechamento sobre si próprios e às seduções do poder e do ter.
O cristianismo, quando vivido a sério, nem sempre é aplaudido, e isso pode fazer-vos vacilar. Por isso, é preciso que cada um de vós esteja bem inserido na comunidade cristã. Ela é um espaço insubstituível de partilha e de entreajuda, de louvor a Deus e de alimento da fé.
3. Mas, a mensagem do Génesis não fica por aqui. O ser humano é homem e mulher: Na verdade, “o Senhor Deus fez a mulher e conduziu-a até ao homem” (v. 22), que exclamou: “esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne da minha carne” (v. 23). O homem e a mulher são seres diferentes, mas têm uma natureza e uma dignidade comuns.
Deus tem um projecto para eles: “O homem deixará o pai e a mãe, para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne” (v. 24). É um desígnio de amor, que se traduz numa relação, em que se completam e enriquecem um ao outro, e constroem uma vida de comunhão duradoura.
4. Deus não abandona os seres humanos à mercê do seu destino. Na segunda leitura (cf. He 2, 9-11), o autor diz-nos que Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Ele, que partilhou a nossa condição humana, salvou-nos pela Sua morte, acompanha-nos, porque está vivo, trata-nos como seus irmãos e santifica-nos, porque nos ama.
Jesus Cristo é, por isso, a fonte e a razão da nossa esperança mais profunda.
5. No Evangelho de hoje (cf. Mc 10, 2-16), Jesus é confrontado pelos fariseus, que lhe perguntam se é lícito, ou não, o marido divorciar-se da mulher.
Jesus retoma o projecto original de Deus referido no Génesis (cf. 2, 23-24) e afirma que aquilo que Deus uniu o homem não pode separar (cf. v. 9). Jesus é radical e não cede perante a condescendência de Moisés (cf. vv. 4-5).
Esta exigência de unidade e de indissolubilidade, que caracteriza o matrimónio cristão, reside no amor definitivo de Deus pela humanidade, que o casal, como imagem de Deus, é chamado reflectir. É uma exigência de entrega, que restringe o campo das escolhas possíveis, mas que liberta a própria liberdade, porque, ancorando-a à verdade da vocação humana, orienta a pessoa para uma vida de plenitude.
Caros jovens,
Há alguns dias, o Papa Bento XVI lançou um importante desafio aos jovens da República Checa. O Papa é o Pastor universal da Igreja. Por isso, aquele desafio aplica-se, também, a vós e a todos os jovens. Passo a citá-lo:
“[Deus] chama um grande número dentre vós ao matrimónio e a preparação para esse sacramento constitui um verdadeiro percurso vocacional. Tomai, então, seriamente em consideração o apelo de Deus a constituir uma família cristã e aplicai-vos durante o tempo da vossa juventude a construir, com responsabilidade, o vosso futuro. A sociedade tem necessidade de famílias cristãs, de famílias santas!
Se, pelo contrário, o Senhor vos chama a segui-lo, no sacerdócio ministerial ou na vida consagrada, não hesiteis em responder ao seu convite. Em particular, neste Ano Sacerdotal, convido-vos a todos, caros jovens: estai atentos e disponíveis ao apelo de Jesus a fim de oferecerdes a vossa vida ao serviço de Deus e do seu povo”.
6. Gostaria de dirigir, também, uma breve palavra aos educadores cristãos e a quantos se lhes queiram associar: pais e outros familiares, sacerdotes e outros consagrados, catequistas, professores e demais agentes de educação.
A educação é o coração do desenvolvimento da pessoa e da sociedade. Educar nunca foi tarefa fácil. As dificuldades com que nos confrontamos não podem dar lugar ao desânimo ou ao cruzar de braços. Há que imprimir, na acção quotidiana, um dinamismo novo, de criatividade e solidariedade.
“Com o empenho de todos (…) – na fidelidade aos valores e critérios do Evangelho e na comunhão dos diversos ministérios e carismas –, contribuiremos, neste Ano Sacerdotal, para o crescimento da Igreja, Povo Sacerdotal, ao serviço da construção de um mundo renovado e com futuro” (Comissão Episcopal da Educação Cristã, Mensagem Educação cristã: um Serviço e um Compromisso, 4).
São Pedro, que na humildade com que integrou as suas próprias fragilidades, se engrandeceu e se assumiu como rocha da Igreja, nos dê o ânimo necessário para exercermos, com firme esperança, as nossas responsabilidades.
Tomaz Pedro Barbosa Silva Nunes
Bispo Auxiliar de Lisboa
Presidente da Comissão Episcopal da Educação Cristã