Conhecido pelas suas obras densas e, em geral, de elevada violência, Abel Ferrara muda subitamente de percurso ao realizar “Maria Madalena”, um filme sobre a fé. Ao longo da narrativa temos um filme dentro do filme, ou seja, assistimos à produção de uma obra sobre a Vida de Cristo e, posteriormente, às consequências da sua estreia. Por ocasião desta, são muitos os protestos públicos consequentes da linha seguida não ser totalmente subordinada aos ensinamentos da Igreja. E vemos então o aproveitamento para um reforço comercial por tais manifestações, como já vimos acontecer na realidade. De uma forma muito eficiente as sequências do filme produzido, com a sua acção nos tempos históricos, cruzam-se com situações contemporâneas ocorridas nos mesmos locais, bem como com outros no centro de Nova Iorque, sem que nunca haja um desequilíbrio de acção. Os textos apócrifos são discutidos e cruzados com os Quatro Evangelhos, pondo-se sobretudo em realce a importância da Fé, que está acima das discussões de cada situação, de cada acontecimento e da forma como foi descrito. O confronto psicológico entre um jornalista de televisão, o realizador do filme e, sobretudo, a actriz principal que se recusa a regressar da Palestina, é o motivo principal para que a obra se desenvolva mais no sentido filosófico que no religioso, sem prejuízo do cuidado posto no tratamento deste último. A concretização do filme e a credibilidade que se imprime à luta de consciência do jornalista, inicialmente agnóstico mas assaltado por crescentes dúvidas quanto ao sentido da fé, deve-se muito ao trabalho do actor Forest Whitaker, com um excelente contraponto em Juliette Binoche, actriz que se mantém em plena forma. A qualidade do filme, sobretudo na segurança da realização, é um factor fundamental para que o resultado seja inteiramente atingido e transmitidas aos espectadores as ideias de Abel Ferrara, sendo algumas delas passíveis de um debate enriquecedor. Francisco Perestrello