Depois de, há dias, ter visitado a Santa Casa de Loreto, na Itália, por ocasião da ‘Agora dos Jovens’, para preparar a Jornada Mundial da Juventude, no próximo ano em Sidney (Austrália), o Santo Padre Bento XVI acaba de realizar uma breve viagem de 3 dias à Áustria. O Papa foi como peregrino, em romagem de fé, como crente entre os crentes, para se juntar aos peregrinos, que, da Áustria e da Europa Central, vêm ao santuário mariano de Mariazell, cujo nome significa ‘cela de Maria’ e revela a forte presença beneditina na região. É um Santuário, cheio de história, que celebra 850 anos de existência, onde Maria é “a Grande Mãe da Áustria, Padroeira dos Húngaros e dos Povos Eslavos”. A Áustria mesma é encruzilhada de povos latinos, magiares e eslavos. Metternich dizia que, na rua central de Viena, lhe parecia estar já no início da Ásia. O Santo Padre foi acolhido cordialmente em Viena, pelas autoridades e pelo povo. Sentia-se em casa, à vontade, num país, que conhece bem, pela língua, proximidade e cultura que conhece, desde a juventude, pois a sua terra natal está perto da Áustria, com a qual a vizinha Baviera mantém estreitos laços e uma história comum. O Santo Padre vincou fortemente o caracter religioso da viagem, insistiu na necessidade da coerência dos católicos, convidando-os “a olhar para Cristo”, lema e ideia condutora da viagem papal, sublinhada em encontros, com católicos, na praça da Imaculada, em Viena, na Eucaristia da Catedral de Viena, onde salientou a necessidade da celebração dominical do dia do Senhor, no Mosteiro da Santa Cruz, um pouco por toda a parte, mas sobretudo em Mariazell. No centro da Europa, numa cidade com a importância estratégica, a cultura e a tradição de Viena, o Papa não esqueceu a Europa e a fidelidade às suas raízes cristãs pois a Europa não se explica sem elas, como dissera, no dia 25 de Março passado, falando dos Cinquenta anos do Tratado de Roma. A Europa pretende aparecer como comunidade de valores mas teima na ‘apostasia de si mesma’, mesmo antes de abandonar Deus, o que a leva a duvidar da sua própria identidade’, por isso, é precisa: “ uma nova Europa, realística mas não cínica, rica de ideias e livre de ilusões ingénuas, inspirada na perene e vivificante verdade do Evangelho”. O Papa denunciou agora o ‘pragamatismo, impregnado de tendências laicistas e relativistas, que negam aos cristãos o próprio direito de intervir no debate público ou lhes desqualificam o contributo com a acusa de assim tutelar injustificados privilégios’. No Discurso aos Políticos e ao Corpo Diplomático, em Viena, Bento XVI sublinhou, com força e clareza que: “ O cristianismo modelou profundamente este Continente, do que dão testemunho em todos os Países e particularmente na Áustria não só as muitíssimas Igrejas e os importantes mosteiros”. O Papa referiu-se aos terríveis caminhos errados que a Europa viveu e sofreu e quis, sem ser convidado, ir, espontaneamente, visitar e rezar junto ao monumento aos Judeus perseguidos pelo nazismo. Foi a pé, debaixo de chuva, gesto que foi muito apreciado. Entre esses falsos caminhos, o Papa apontou: “as restrições ideológicas da filosofia, da ciência e também da fé, o abuso da religião e da razão para fins imperialistas, a degradação do homem mediante um materialismo teórico e prático e enfim a degeneração da tolerância numa indiferença privada de referências a valores permanentes”. Salientou porém que sempre “faz parte das características da Europa uma capacidade de auto-crítica que, no vasto panorama das culturas do mundo, a distingue e qualifica”. Disse ainda: “ Foi na Europa que pela primeira vez se formulou o conceito de direitos humanos. O direito humano fundamental, o pressuposto de todos os outros direitos é o direito á vida mesma”. Denunciou por isso o aborto como ferida social, exortou a ajudar as mulheres em dificuldade e a ver os filhos como um dom e não como um peso e alertou contra a “ajuda activa a morrer”, exortando ao acompanhamento humano dos doentes e ao uso dos cuidados paliativos. Disse ainda que “ a Europa deveria assumir o papel de guia na luta contra a pobreza no mundo e no empenho em favor da paz” . Na linha da magistral conferência de Regensburg, afirmou: “faz parte da herança europeia uma tradição de pensamento, para a qual é essencial uma substancial correspondência entre fé, verdade e razão. Trata-se de saber se a razão está ou não no princípio de todas as coisas e como seu fundamento”. Em abono da tese e importância da tradição judaico- cristã, o Papa citou no seu discurso aos políticos e diplomatas, o famoso filósofo não cristão Habermas: “ Para a autoconsciência normativa do tempo moderno, o cristianismo não foi só um catalisador. O universalismo igualitário, do qual provieram as ideias de liberdade e de convivência social, é uma herança imediata da justiça judaica e da ética cristã do amor. Imutável, na substância, esta herança foi assumida constantemente de modo crítico e sempre novamente interpretada. Para isto, até hoje, não existe alternativa”. O Papa concluiu que a fé cristã formou a Áustria e as suas gentes e que, no interesse de todos, “ não devemos permitir que um dia neste País sejam talvez só as pedras a falar do cristianismo! Uma Áustria sem uma fé cristã viva não seria mais a Áustria”. Bento XVI aproveitou também para relançar a abertura da Europa à África, à América Latina e ao mundo, pois como disse João Paulo II, na Exortação “Ecclesia in Europa”: “ Europa deve querer dizer abertura… A Europa não pode fechar-se sobre si própria. Não pode nem deve desinteressar-se do resto do mundo” ( nº.111). Como disse a Comissão dos Bispos dos Episcopados da União Europeia (COMECE), no comunicado de 24 de Novembro de 2006, “ Valores Comuns, fonte viva do projecto europeu”, este sonho nasceu na Europa ferida e destruída, no após-guerra, como ambição de paz e de reconciliação, para ultrapassar divisões, promover o bem estar dos cidadãos e dos povos, o respeito da dignidade humana, a liberdade dos estados e das pessoas, os direitos do homem, o estado de direito, a solidariedade, a subsidiaridade e a democracia. Ora, “ estes valores correspondem à doutrina social católica que está baseada na dignidade humana e no bem comum”, diz esse documento. Os pais fundadores da Europa transmitiram e viveram esses valores cristãos como seus os quais se podem constatar, na Declaração Schuman de 9 de Maio de 1950. Como disse Paul Henri Spaak, não crente, não católico, na Câmara dos Representantes, na Bélgica a 13 de Maio de 1957: “Não posso deixar de constatar que esta civilização ocidental nasceu um pouco antes de Jesus Cristo, na Grécia, que ela foi confirmada pelo ensino de Cristo e que está baseada numa coisa muito essencial, uma coisa, que se nós a adoptamos, contem em si mesma um número incalculável de consequências. É que esta civilização cristã foi feita à medida do homem porque assenta sobre esta ideia essencial do respeito da dignidade humana”. Daí o presidente Theodor Heuss dizer que ‘ a Europa assenta em três colinas, sobre a Acrópole de Atenas, o Capitólio de Roma e o monte Calvário de Jerusalém! Évora 9 de Setembro de 2007 D. Amândio José Tomás