Fr. Miguel de Castro Loureiro, OFM, Comissário da Terra Santa em Portugal
Peregrinar?
Vivemos em tempos de mobilidade. Pelas mais diversas razões, povos de todos os lugares cruzam-se, misturam-se, mudam de lugar e procuram um vasto conhecimento de zonas e civilizações.
Na busca da diversidade, misturam-se novos com antigos destinos e, muitas vezes, peregrinação e turismo convergem, surgindo o denominado turismo religioso.
Neste setor, o destino Terra Santa tomou lugar primordial.
Porquê peregrinar? Porquê peregrinar à Terra Santa?
O que há nesta cidade que atrai a todos em modo tão profundo?
O que motiva o peregrino cristão a ir para Jerusalém?
Jerusalém é o coração da Terra Santa, a síntese da ação de Deus para o bem de toda a humanidade.
Assim o exprime com palavras cheias de emoção João Paulo II:
“Quantas lembranças, quantas imagens, quanta paixão e que grande mistério coenvolve a palavra Jerusalém! Para nós cristãos representa a confluência geográfica da união entre Deus e os homens, entre a eternidade e a história”.
Fazer uma peregrinação na Terra Santa significa colocar-se a caminho e fazer da viagem um “itinerário da alma”.
O homem na sua vida é um peregrino: em busca constante de si mesmo, da sua identidade, dos outros, ao encontro de quem as circunstâncias o enviam, da transcendência com quem se relacionar…
A vida não se reduz à espera do fim, é uma caminhada para algum lado.
A Terra Santa é o lugar por onde Cristo/homem viveu, caminhou, peregrinou.
Cristo é o peregrino por excelência. Desde o ventre de Sua mãe, peregrinando para ajudar Isabel, ao caminho de Emaús, para ressuscitar a esperança.
Andar por Belém, por Cafarnaum, Nazaré, Emaús, Jerusalém… é um privilégio! Contactar com o 5º Evangelho, como foi intitulada por alguns Papas, dando os nossos passos pelos sítios por onde Jesus e a Igreja nascente deram os primeiros passos.
A peregrinação entre os cristãos tem as suas raízes no Antigo Testamento, com Abraão como modelo e com o proceder do povo de Israel que peregrinou. Até Jesus segue esse costume peregrinando a Jerusalém.
O povo de Israel encontra, peregrinando, a libertação da realidade que o oprimia.
De quantas realidades opressoras cada homem do século XXI precisa de se libertar!?
Cada um sabe ou, por vezes, nem sabe, o que o oprime, o que o deixa vazio e sem sentido, o que o faz chorar, esperar ou desesperar.
Sair, de si, do seu conforto, do seu lugar e IR será, porventura, um apelo contido em cada alma.
As pessoas são atraídas por algo: uma experiência extraordinária acontecida nesses lugares.
Trata-se de andar um caminho “por” ou “para” algo. Por tal razão, ter consciência das virtualidades contidas na peregrinação faz-nos aproveitá-la de forma mais integral.
Daí também a utilidade do estudo e oração prévios e contemporâneos à peregrinação.
Para quê peregrinar?
Peregrinar é encontrar ou reencontrar Jesus que caminhou naquela terra e caminha connosco em todas os momentos e situações. É dar-nos a oportunidade de não desalentar, de encontrar Cristo que caminha connosco e explica-nos o sentido da vida e da esperança como só Ele sabe e pode!
Ir aos lugares sagrados da Terra Santa é também uma forma útil de fortalecer a ligação à oração e ao testemunho dos cristãos que lá vivem, que não deve – nem pode – ser descurada. Devemos, ao peregrinar na Terra Santa, ter em conta uma visita à Igreja local. É mostrar solidariedade com os nossos irmãos cristãos da Terra Santa.
No Evangelho de S. Lucas lemos: «Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas aqueles que te são enviados! Quantas vezes Eu quis juntar os teus filhos, como a galinha junta a sua ninhada debaixo das asas, e não quiseste! Agora, ficará deserta a vossa casa. Eu vo-lo digo: Não me vereis até chegar o dia em que digais: Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor!»
Os cristãos da Terra Santa têm abandonado os Lugares Santos de forma lenta e continua. A população cristã desceu para menos de 2% desde o principio do séc. XX, quando éramos 25% da mesma. Nos últimos 10 anos emigraram de Jerusalém cerca de 93% das famílias cristãs. A violência, o medo e um futuro repleto de incertezas caíram sobre a comunidade cristã da Terra Santa, fazendo-a imigrar para zonas mais seguras. Esta mesma situação fez descer o número de peregrinos, gerando o desânimo entre os nossos irmãos e provocando o crescimento da pobreza. Peregrinar à Terra Santa é reforçar a presença cristã; é dar esperança aos nossos que aí vivem. É demonstrar que os laços de fraternidade são mais fortes que as situações adversas… E, sobretudo, é demonstrar que existe outro futuro possível para todos os que vivem na Palestina e em Israel, na Terra santa.
Como peregrinar?
A peregrinação tem em si um “valor acrescentado” que é necessário ser descoberto por cada um que a faz. O próprio peregrino deve dar sentido à sua peregrinação, descobrir e aceitar o simbolismo da sua caminhada.
Não é simples turismo; existe, não o poderemos negar, uma dimensão cultural da peregrinação. No entanto, sem a dimensão da fé, a própria peregrinação não existiria.
Sem a dimensão da fé, peregrinação é reducionista e perde sentido.
A peregrinação é sempre religiosa, podem dar-se aderências com o comércio, a arte, a música, etc, mas permanece o cerne: o caminho e o encontro.
Podemos mesmo afirmar: fazer uma peregrinação na Terra Santa significa colocar-se a caminho e fazer da viagem um “itinerário da alma”
Fr. Miguel de castro Loureiro, OFM
Comissário da Terra Santa em Portugal