Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
A semana passada reflectia sobre a exigência de algum minimalismo digital para um essencialismo espiritual, mas ao cruzar-me esta semana com esta imagem, fiquei a pensar qual o impacte que a tecnologia tem hoje na vida espiritual.
Numa apresentação da Apple há alguns anos, Steve Jobs afirmava que
”a tecnologia por si mesma é insuficiente. É a tecnologia casada com a artes, casada com as humanidades que produz o resultado que faz os nossos corações cantar.”
Não me aparece correcto pensar que devemos erradicar as tecnologias da nossa vida para que seja mais plena. As tecnologias são expressão da necessidade de amplificar aquilo de que somos capazes. Por isso, não corremos como uma chita, mas com uma mota ultrapassamo-la. Não voamos como um falcão, mas com um wingsuit, isso é possível.
Porém, no que diz respeito à vida espiritual, parece-me que a única “tecnologia” que amplifica a capacidade de percepcionar o que está para além de nós mesmos é a criatividade. Daí a impressão que fez em mim a primeira imagem. Tenho a sensação que somos cada vez mais um boneco manipulado pelos conteúdos que várias empresas de entretenimento e redes sociais nos oferecem.
Quando vi o filme sobre os Queen (Bohemian Rhapsody), é impressionante ver como Freddie Mercury passava o tempo na paragem de autocarro. Era nesses momentos a sós com os seus pensamentos que imaginava as melodias e letras que hoje muitos de nós ainda cantamos. Hoje, será que o faria? Ou estaria como 99% das pessoas diante do seu écran do smartphone?
A capacidade humana de ser criativo é uma expressão directa do facto de sermos criados à imagem e semelhança de um Deus-Criador. A criatividade faz parte da nossa natureza e creio ser uma das melhores expressões da prática espiritual, para além das obras de misericórdia. Com seres criativos, a nossa vida espiritual torna-se uma obra de arte. Mas se diminuímos esse espaço em nós por estarmos demasiado ocupados em frente a um écran, qual a mudança cultural que geramos?
Diz a escritora Julia Cameron que ”o coração da criatividade é uma experiência de união mística; o coração de uma união mística é uma experiência de criatividade.” Qual maior união mística que não seja a união com Deus? Mas se não damos espaço para nos encontrarmos a sós com os nossos pensamentos mais profundos, ou sonhos – dormimos pouco e a última coisa que muitos fazem antes de deitar é despedir-se do seu smartphone, – pouco a pouco, sentimos que a vida começa a exigir mais entertenimento do que profundidade.
Se limitarmos mais a tecnologia associada à nossa vida digital ao que é realmente essencial, não só tiramos mais partido daquilo que a tecnologia oferece, mas damos, também, mais espaço e tempo à criatividade – tecnologia da vida espiritual – para chegarmos a uma união maior e mais profunda com o Criador. O resultado é simples. Uma vida plena. Quem não deseja isso?