A sombra do eterno pessimismo

Sandra Cortes Moreira, Diocese do Algarve

Dei por mim, nestes dias em que todos os católicos, mais ou menos jovens, se preparam para viver um momento único – a realização da Jornada Mundial da Juventude (JMJ 2023) – a pensar fortemente no que é o otimismo e o pessimismo e como esta última forma de olhar para as circunstâncias marca a portugalidade, a identidade de todos nós. Dizia Eça de Queiroz (A Cidade e as Serras, Cap. IX, pág. 156): «O Pessimismo é uma teoria bem consoladora para os que sofrem, porque desindividualiza o sofrimento, alarga-o até o tornar uma lei universal, a lei própria da Vida (…) o Pessimismo é excelente para os Inertes, porque lhes atenua o desgracioso delito da Inércia. Se toda a meta é um monte de Dor, onde a alma vai esbarrar, para que marchar para a meta, através dos embaraços do mundo?»

Na verdade, quem não tem a sensação de que temos uma enorme facilidade para ver primeiro o mau e, só depois (às vezes, bem depois!), o bom?

Se falamos com alguém sobre a nossa saúde e contamos um problema, o outro muito frequentemente responde: «Ah, mas olha que isso não é nada, porque eu estou bem pior». E desenrola um rol de achaques e dores, que parecem não ter perspetiva de cura; só se for milagrosa. Se contamos os problemas profissionais e os desejos que não concretizamos, logo nos dizem: «Ah, mas fulano e beltrano estão muito pior! Tens de dar graças a Deus e aceitar, porque tens um ganha-pão e recebes certo ao fim do mês».

Se vamos a uma repartição (e, atenção, sou funcionária pública e conheço honrosas e profissionais exceções), o que nos aparecem são dificuldades e obstáculos e, dificilmente, uma solução linear e prática para resolver um problema que, via de regra, é concreto. O mesmo acontece quando se tem de encontrar uma resposta de governança: ao invés de procurarmos os expedientes certos, descobrimos todos os problemas que vão impedir a concretização de algo.

Sinto isto desde pequena e, de forma mais visível, desde que comecei a trabalhar.

Estes traços melancólicos fazem de nós o pais do fado, da cautela, da uma certa rigidez anímica, mas, simultaneamente, dão forma ao povo mais perito em “desenrascanço” que provavelmente existe no mundo. É que quem vive a olhar para os problemas, em última instância, tem de encontrar soluções rápidas para eles, porque gastou todo o tempo que deveria ter sido bastante útil para planear, para pensar a longo prazo.

E o que tem isto a ver, devem estar já a pensar, com a JMJ 2023?

Por acaso repararam na quantidade de opiniões, reflexões, pontos de vista, posições, teorias, teses sobre tudo o que diz respeito a este evento? Há os “céticos humanitários”, que apontam falhas à Igreja, ressaltando os escândalos de pedofilia como motivo justificativo para a não realização deste evento; há os “céticos laicos”, que defendem que o problema do envolvimento do Estado e das autarquias é uma incongruência num estado não confessional; há os “céticos financeiros”, que não veem com bons olhos o financiamento e a facilitação do evento e, sobretudo, o volume dos gastos envolvidos na sua organização, sendo descrentes dos possíveis retornos que ele traga; há os “céticos, muito céticos”, que juntam tudo e somam ainda mais argumentos – todos os que se conseguirem lembrar – para criticar a JMJ 2023.

Estamos perante um acontecimento absolutamente paradigmático da verve pessimista nacional. E, não há problema algum com isso. Cada qual, diz a nossa Constituição (e bem!), tem o direito de pensar e manifestar livremente o seu pensamento.

Mas pergunto-me se quem o faz passou por estes dias nas várias cidades do país, que acolheram delegações de todo o mundo. Ao Algarve, de onde vos escrevo, chegaram, desde o dia 26 de julho, 41 grupos, provenientes de 19 países: Argentina, Canadá, Colômbia, Coreia do Sul, Dinamarca, Eslovénia, Espanha, França, Ilhas Mariana do Norte, Itália, Kuwait, Madagáscar, Moçambique, México, Polónia, Uruguai, Zimbabué, Filipinas e Taiwan. Até ao dia 31 de julho fizeram ações ambientais, participaram em palestras, em eventos culturais, em atividades de solidariedade social, em celebrações religiosas. Compraram souvenirs, comeram, beberam, conviveram, fizeram despesas com transportes, deram o melhor de si mesmos para que se criasse um espírito de fraternidade, que é, aliás, o espírito da Jornada, desde a sua criação em 1984.

A JMJ 2023, especificamente, será um desafio para que os jovens do mundo, conscientes de serem membros de uma humanidade dividida, fragmentada, aceitem o repto de promoverem a unidade entre as pessoas e povos. Dizia o Papa Francisco na mensagem que lhes dirigiu sobre este evento: «É certo que não podeis resolver todos os problemas do mundo; mas talvez possais começar por aqueles de quem está mais próximo de vós, pelas questões do vosso território».

Não será este encontro, quanto mais não seja por abrir horizontes de aceitação do diferente, de intergeracionalidade, de cuidado ambiental, de respeito e companheirismo, um momento de esperança na consolidação da formação de gerações futuras, mais capazes de vencer os conflitos e as dificuldades? O mundo atravessa, de facto, um dos tempos mais desafiantes da sua história e é preciso que dêmos todas as armas a quem o vai herdar, para serem bons cidadãos.

Enfim, se mais razões não houver para o otimismo, eu agarrar-me-ei a esta, porque creio que a Esperança é a grande mola da Humanidade, que vence a inércia e o sofrimento de que falava Eça. Quem não consegue olhar para o horizonte e ver a luz do sol, que começa a raiar nos sorrisos destes jovens, nos seus cânticos, nas suas palavras e gestos, viverá sempre na sombra do eterno pessimismo. E eu quero mais.

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