A situação social em Portugal: da resiliência à ductilidade?

No acesso à educação, à saúde, à habitação e à cultura, na proteção social, nas infraestruturas e meios de transporte, na participação cívica e politica, e em outras dimensões necessárias à inclusão e ao bem-estar social, Portugal registou um enorme avanço desde o 25 de Abril de 1974. Contudo, desde então, não só outras dimensões se degradaram, como a sociedade portuguesa enfrenta, hoje, sérias ameaças à capacidade de manter os níveis de bem-estar alcançados.

Ou seja, a estagnação económica, o envelhecimento, a perda de poder e os baixos níveis de eficiência e eficácia do Estado, as fragilidades ao nível do mercado de trabalho e dos salários, as desigualdades e assimetrias regionais, geracionais e sociais, os baixos níveis de confiança e participação dos cidadãos, os crescentes níveis de risco e incerteza, entre outros aspetos, ameaçam as conquistas realizadas.

Em causa não estão apenas os portugueses que vivem no limiar de pobreza (cerca de dois milhões) e a capacidade de resposta do Estado – está também a classe média e a capacidade de resposta da sociedade civil. No limite, está em causa a sociedade portuguesa em geral e as aspirações e conquistas das próximas gerações.

Mas se o país se encontra numa encruzilhada, a adaptação à adversidade e vulnerabilidade não pode fazer-se através da conformação às condições de vida e aos seus limites, baixando os limiares de aspirações, limitando as iniciativas e demitindo-se de elaborar projetos face ao futuro, pois são esses os impulsos necessários ao desenvolvimento e à lenta e complexa engrenagem da mudança social.

Para ultrapassar os atuais bloqueios, há um jogo entre capacidades (individuais) e oportunidades (sociais), no qual o Estado desempenha um papel fundamental. Por isso, espera-se do Estado uma postura proactiva, que saiba antecipar tendências e não apenas reagir a solicitações (básicas). Um Governo de tecnocratas, mesmo que competentes e bem intencionados e apoiados por planos de emergência social, não será suficiente para nos manter na rota do bem-estar social.

Neste contexto, aqui ficam algumas pistas para reflexão:

1) É fundamental criar condições para o aumento da competitividade, do crescimento e do emprego. Para tal, mais inovação e empreendedorismo, menos burocracia, e melhor justiça são determinantes, bem como modelos alternativos de geração de riqueza – como os característicos da economia social e solidária;

2) É importante aumentar os níveis de eficácia e eficiência do Estado. Na U.E., em 2008, a taxa de pobreza era de 27% antes das transferências sociais e 15% após; em Portugal, a taxa de pobreza era de 25% antes e 18% após. Ou seja, o impacte das transferências sociais na redução da pobreza pode melhorar;

3) O princípio da universalidade das respostas é fundamental, mas o Estado tem de conseguir maiores níveis de perso-nalização e flexibilização relativamente às necessidades específicas dos indivíduos e territórios. Por exemplo, a prestação de apoios temporários, que respondam a carências súbitas e não necessariamente estruturais, e iniciativas como o “personal budget” (www.in-control.org.uk/) devem ser consideradas;
 
4) Os princípios da subsidiariedade e da parceria com o terceiro setor são determinantes da qualidade das respostas. Assim, iniciativas como a Rede Social, os Contratos Locais de Desenvolvimento Social ou o Programa Escolhas são boas práticas a aperfeiçoar e manter;

5) Será cada vez mais decisivo potenciar os recursos disponíveis nas comunidades, bairros e famílias. Projetos como o Do Something (que proporciona cidadania e voluntariado “à medida”), o Spice (um banco do tempo da nova geração) ou o Whipcar (a possibilidade de alugar o carro de um vizinho quando este não o esteja a utilizar) criam valor social com base em recursos já disponíveis. Porventura, não haverá outra forma de passarmos de um modelo de welfare state para um modelo de welfare society ou welfare mix;

6) A inovação social é um dos requisitos e oportunidades da crise a levar a sério. Iniciativas como as “Obrigações de Impacte Social” (já testadas com sucesso em Inglaterra) constituem uma oportunidade;

7) Será determinante assumirmos como desígnio uma cultura de “empowerment” da sociedade e de cada português, e não de geração de “pobres agradecidos”, de modo a que cada um tenha a energia para passar da luta pela sobrevivência para a crença na possibilidade de influenciar o futuro;

8) Faz falta promover uma reflexão, na sociedade portuguesa, sobre a atual mudança de paradigma civilizacional – que comportará os impactes da passagem de uma sociedade de abundância material para uma sociedade da escassez e, provavelmente, assente em novos valores;

9) E, finalmente, atenção às classes médias, às designadas “famílias sanduíche”, que estão no limite das suas possibilidades de sacrifício. Não comprometer a sua capacidade de resiliência e ter presente o princípio da ductilidade será fundamental.

Por ductilidade entende-se o grau de deformação que um material suporta até o momento de sua fratura – ora, a sociedade portuguesa não pode partir!

João Wengorovius Meneses
2 de setembro de 2011

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