A situação ecuménica em mudança

Estamos a viver hoje um período de grandes transformações em quase todos os sectores da vida; portanto, não nos podemos admirar se isto incide também sobre a vida da Igreja e sobre os relacionamentos entre os cristãos. Todavia, é necessário reconhecer desde o princípio que, apesar da presença de mudanças de situações, de sensibilidades e de problemáticas, contudo a finalidade do movimento ecuménico permanece imutável: a unidade visível da Igreja. Como se sabe, o Concílio Vaticano II considerou como uma das suas principais intenções o restabelecimento da plena unidade entre todos os cristãos (cf. Unitatis redintegratio, 1). Também eu tenho esta intenção. É de bom grado que aproveito esta oportunidade para reiterar e confirmar, com renovada convicção, aquilo que já afirmei no início do meu ministério sobre a Cátedra de Pedro: “O seu [de Pedro] sucessor actual – disse então – assume como compromisso prioritário, o de trabalhar sem poupar energias pela reconstituição da unidade plena e visível de todos os seguidores de Cristo. Esta é a sua ambição, este é o seu dever urgente”. Sucessivamente, acrescentei: “O actual sucessor de Pedro deixa-se interpelar pessoalmente por esta interrogação e está disposto a fazer tudo o que puder para promover a causa fundamental do ecumenismo” (Insegnamenti, vol. I, 2005, pág. 11). Na verdade, desde o Concílio Vaticano II até hoje deram-se muitos passos rumo à plena comunhão. Tenho diante dos meus olhos a imagem da Sala do Concílio, onde os Observadores delegados das outras Igrejas e Comunidades eclesiais estavam atentos, mas silenciosos. Nas décadas sucessivas, esta imagem cedeu lugar à realidade de uma Igreja em diálogo com todas as Igrejas e Comunidades eclesiais do Oriente e do Ocidente. O silêncio transformou-se em palavras de comunhão. Um trabalho enorme realizou- se tanto a nível universal como local. A fraternidade entre todos os cristãos foi redescoberta e restabelecida como condição de diálogo, de cooperação, de oração comum e de solidariedade. É quanto o meu Predecessor Papa João Paulo II, de feliz memória, pôs em evidência na Carta Encíclica sobre o compromisso ecuménico onde, entre outras coisas, afirmou de maneira explícita que o “fruto precioso das relações entre os cristãos e do diálogo teológico que eles realizam, é o crescimento da comunhão. De facto, tais iniciativas tornaram os cristãos conscientes dos elementos de fé que têm em comum” (Ut unum sint, 49). Esta Encíclica ressaltava os frutos positivos das realizações ecuménicas entre os cristãos, tanto do Oriente como do Ocidente. […] Todavia, na realidade temos que reconhecer que ainda há um longo caminho a percorrer. Sob muitos aspectos, a situação mudou desde o Concílio Vaticano II[…]. As rápidas transformações no mundo tiveram as suas repercussões também sobre o ecumenismo. Na época do Concílio, muitas das veneradas Igrejas do Oriente viviam em condições de opressão, perpetrada por regimes ditatoriais. Hoje, elas recuperaram a liberdade e estão comprometidas num vasto processo de reorganização e de revitalização. Estamos próximos delas através dos nossos sentimentos e da nossa oração. A parte oriental e a parte ocidental da Europa estão a aproximar-se; isto estimula as Igrejas a coordenarem os seus esforços relativos à salvaguarda da tradição cristã e do anúncio do Evangelho às novas gerações. Tal colaboração torna-se particularmente urgente em virtude da situação de avançada secularização, sobretudo do mundo ocidental. Felizmente, depois de um período de diversificadas dificuldades, o diálogo teológico entre a Igreja católica e as Igrejas ortodoxas adquiriu um renovado impulso. A Comissão mista internacional de diálogo pôde encontrar-se positivamente em Belgrado, onde foi hospedada com generosidade pela Igreja ortodoxa da Sérvia. Nutrimos grande esperança pelo caminho futuro, que será percorrido no respeito pelas legítimas variedades teológicas, litúrgicas e disciplinares, em vista de alcançar uma comunhão cada vez mais completa, de fé e de amor, em que seja possível um intercâmbio cada vez mais profundo entre as riquezas espirituais de todas as Igrejas. Também com as Comunidades eclesiais do Ocidente mantemos vários diálogos bilaterais, abertos e amistosos, que denotam progressos no conhecimento recíproco, na superação de preconceitos, na confirmação de algumas convergências e na própria identificação mais específica das autênticas divergências. Gostaria de mencionar, sobretudo, a “Declaração conjunta sobre a doutrina da justificação”, alcançada no diálogo com a Federação Luterana Mundial, e o facto de que a esta Declaração o Conselho Metodista Mundial por sua vez deu o próprio consentimento. Entretanto, surgiram várias importantes problemáticas, que exigem um aprofundamento e um acordo. Subsiste, acima de tudo, a dificuldade de encontrar uma concepção comum sobre a relação entre o Evangelho e a Igreja e, a este propósito, sobre o mistério da Igreja e da sua unidade, assim como sobre a questão do ministério da Igreja. Sucessivamente, manifestaram-se outras dificuldades no campo ético, com a consequência que as diferentes posições assumidas pelas Confissões cristãs, sobre as correntes problemáticas, reduziram a sua incidência orientativa diante da opinião pública. Precisamente deste ponto de vista, é necessário um aprofundado diálogo sobre a antropologia cristã, mas também acerca da interpretação do Evangelho e da sua aplicação concreta. De qualquer maneira, o que deve ser promovido prioritariamente é o ecumenismo do amor, que deriva de forma directa do novo mandamento legado por Jesus aos seus discípulos. Acompanhado por gestos coerentes, o amor suscita a confiança, fazendo abrir os corações e os olhos. Por sua própria natureza, o diálogo da caridade promove e ilumina o diálogo da verdade: com efeito, é na verdade completa que se realizará o encontro definitivo, ao qual conduz o Espírito de Cristo. Sem dúvida, não é o relativismo ou o fácil e falso irenismo que resolve a investigação ecuménica. Pelo contrário, eles deturpam-na e desorientam-na. Além disso, é preciso intensificar a formação ecuménica, partindo dos fundamentos da fé cristã, ou seja, do anúncio do amor de Deus, que se revelou no rosto de Jesus Cristo e, contemporaneamente, em Cristo também desvelou o homem ao próprio homem, levando-o a compreender a sua excelsa vocação (cf. Gaudium et spes, 22). Estas duas dimensões essenciais são sustentadas pela colaboração concreta entre os cristãos, que “exprime vivamente aquela união que já existe entre eles, e põe em luz mais plena a face de Jesus Cristo [servo]” (Unitatis redintegratio, 12). Para concluir estas minhas palavras, desejo confirmar a importância totalmente especial do ecumenismo espiritual. Portanto, justamente o Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos compromete-se em tal ecumenismo, alicerçando-se na oração, na caridade e na conversão do coração, tendo em vista uma renovação pessoal e comunitária. Bento XVI, Discurso aos participantes na sessão plenária do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos (17 de Novembro de 2006) NOTA: Tradução da Pax Christi Portugal. Consultar Dossier sobre a unidade dos cristãos em http://blogdapax.blogspot.com

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Agência ECCLESIA

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