A salvação que procuramos

D. Manuel Pelino, bispo emérito de Santarém

“Todos te procuram” dizem os Apóstolos a Jesus (Mc 1, 37). Toda a gente, neste momento, procura o remédio para este vírus que virou o mundo de pernas ao ar. Jesus propõe o caminho certo.

O que todos sonhamos de forma imediata é o regresso à vida anterior. Mas a verdadeira salvação de que necessitamos é mais radical, precisa de vencer os erros, desvios e transgressões que degradam a nossa civilização moderna e põem em risco uma vida sã, fraterna e solidária para todos os habitantes do planeta. É essa cura profunda e global que Jesus oferece. Como à sogra de Pedro, também se aproxima de nós e estende-nos a mão de ressuscitado para nos levantar. Na linguagem original do evangelho, “levantar” também se emprega para exprimir a ressurreição, o erguer-se para uma vida nova. É essa recriação e reconstrução social que precisamos. Como nos tem recordado o Papa Francisco, uma calamidade é uma oportunidade para reconstruir a nossas vidas e a sociedade. Algumas mudanças são indispensáveis para uma vida mais sã e mais humana.

Uma mudança fundamental é a própria forma de entender e orientar a existência. Precisamos de ultrapassar a ilusão de que somos donos absolutos da nossa vida e vivemos num mundo dourado, de progresso irreversível, de bem-estar e segurança garantidas, onde tudo podemos planear e controlar. Esta ilusão levou-nos à auto–suficiência, à arrogância, ao individualismo e à indiferença. Esquecemos a prioridade do bem comum, o respeito pela natureza, o serviço ao bem da pessoa e à fraternidade humana. A pandemia veio desmascarar estas ilusões. Não somos super-homens, como prometiam alguns filósofos da modernidade. Somos criaturas frágeis, precisamos uns dos outros e os outros precisam de nós. Teremos sabedoria e lucidez para aprender esta lição?

Job, o patriarca bíblico da paciência, exemplifica de forma clara, na primeira leitura do V domingo, esta conversão. No seu sofrimento, Job ensina-nos que a nossa vida não é um mar de rosas, mas antes como a de um militar que se prepara para a luta. Reconheçamos a nossa fragilidade, pois a “nossa vida não passa de um sopro”, lembra Job. Que temos nós que não tenhamos recebido? A existência, os bens da saúde, as capacidades pessoais, a cultura e as maravilhas da técnica, tudo recebemos do amor Deus e dos pais e da cultura da nossa sociedade. Aprendamos, portanto, a viver com humildade, com sabedoria e espírito de serviço, com gratidão e responsabilidade. A vida é um sopro mas constitui um valioso dom de Deus, cheio de encanto, e uma oportunidade para nos enriquecermos e colaborarmos na construção de um mundo mais humano e fraterno. A propósito, por decisão da ONU, celebramos a 4 de Fevereiro, pela primeira vez, o “Dia Internacional da Fraternidade Humana”. Tem inspiração num encontro e num documento assinado pelo Papa Francisco e pelo grande Iman Muçulmano, Ahmad Al-Tayyeb, em Abu Dabi, a 4 de Fevereiro de 2019. Seja para nós um estímulo a reagir à grave crise que atravessamos, “com um sonho de fraternidade e amizade social que não se limite a palavras” (Fratelli Tutti, 6).

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Agência ECCLESIA

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