A Revelação e o Espaço Público

Há uma boa forma de saber se um dado conteúdo tem ou não relevância para uma sociedade: qual o grau de afinidade entre esse conteúdo e o espaço público? Dito de outro modo: verifica-se harmonia entre conteúdos, personagens, mensagens e a cidade que os acolhe? Mais exigente ainda: o território urbano com os seus habitantes deixa-se mudar pelo acontecimento que o ocupa, ficando ainda, muito tempo depois, impresso na sua pele a presença de quem o visitou?

Precisamos de critérios deste tipo se quisermos (e devemos querer) proceder à avaliação da visita de Bento XVI a Portugal. Nivelamos pela Cidade, pelas Cidades, pelo País, pela Cultura mesmo que fisicamente dispersa. Nivelamos pelo que rodeia os templos e as comunidades dos que estão alinhados com o Projecto que o visitante protagoniza. Partimos de fora e não ficamos dentro, antes ocupamos o espaço sagrado da vida de todos e tomamos o nosso lugar nos fluxos de todos os trânsitos.

A Revelação dá-se quando há convergência, apreende-se quando as agendas se movem a ritmos coincidentes. A Revelação de uma cidade que quer retomar o Rio na sua vida quotidiana, que precisa vitalmente de espaços de encontro, amplos, luminosos, que quer olhar para o outro lado, para todos os lados que sejam horizonte, sinais de outras possibilidades.

Do lado dos habitantes da cidade eis que o Terreiro de Paço se revela, eis que a Baixa se redefine, eis que os grupos cabem todos e todos conseguem combinar movimento e paragem, voz e silêncio, interiorização e comunhão. Eis que os meios digitais, as telecomunicações móveis, as páginas da internet e as redes sociais ganham outros conteúdos, outras funcionalidades.

A pergunta decisiva é que foi que provocou este pulsar da cidade revelada a si mesma. Que fenómeno ocorre para gerar níveis de elevada realização do Espaço Público? Que o pode potenciar ao serviço da sua razão de ser: os habitantes, os visitantes? Que sistema de energia foi activado para proporcionar um menos comum grau de qualidade de vida urbana?

Precisamos de subir na cadeia de valor para encontrar a resposta. Há que convocar outros saberes para além do Urbanismo, do Ambiente, das Tecnologias. O Espaço Público ficou enriquecido, agradecido, com outra dimensão que o projecta, o intensifica: o Sentido para a Vida.

E falar de Sentido obriga a falar de Comunicação, vontade expressa de interagir, dizer coisas com intencionalidade manifesta, com esperança indisfarçável de mudar o outro, de o tocar e provocar. A visita de Bento XVI soube, antes de mais, cumprir elegante e respeitosamente os códigos de comunicação, prestando com isso um imenso serviço à Igreja Portuguesa e ao seu desejo de alinhar com as linguagens contemporâneas.

É que Espaço Público tem a ver com as praças e as ruas, com paisagens edificadas e paisagens naturais, com pessoas e os seus fluxos, mas também com design de comunicação, com cartazes, com instalações, com cores e palavras, imagens e fotografias, materiais e símbolos. Tecnicamente, a campanha apresentou alta qualidade e, por isso, cumpriu desde logo um dos mais difíceis objectivos a que se proporia: integrar naturalmente a paisagem urbana.

Um cartaz no meio dos outros, uma mensagem no meio de muitas. Lutando com armas iguais para ser vista e percebida. Sonhando, tal como todas as outras, por atingir o seu objectivo: impactar e persuadir a um dado comportamento. E a par da comunicação de matriz publicitária outro espaço foi espaço de trabalho sério: o mediático respeitando aos conteúdos editoriais, num quadro conjuntural fortemente agressivo

A chave da revelação no espaço público, residirá, entretanto no facto de ter sido formulada uma proposta no meio das outras – afinal o nosso destino cristão, afinal o sentido das palavras do Papa aos intelectuais no CCB, a que se junta uma inesperada confissão: a de que precisamos de aprender com os outros, os que habitam o imenso e plural Espaço Público – criaturas, precisamente como nós, do mesmo Deus.

E, bem sabemos como é essa igualdade radical que nos move. Como é por isso que precisamos e gostamos tanto de comunicar o que todos os dias nos é revelado, numa missão infinita só possível pela vida em comum, falando a mesma língua, coabitando o mesmo território. A boa notícia é que a cidade está disposta a ouvir-nos.

Carlos Liz, especialista em estudos de consumidor e opinião pública

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top