D. António Luciano, Bispo de Viseu

A Ressurreição de Jesus Cristo é o acontecimento mais marcante do cristianismo, pois Aquele, que venceu o pecado e a morte, deixou o túmulo vazio, oferece a todos a vida gloriosa em plenitude, fonte da verdadeira liberdade e raiz de toda esperança.
A Ressurreição de Cristo é a festa das festas, no calendário litúrgico da Igreja. A Palavra Páscoa quer dizer “passagem”, “libertação”, novo rumo na vida, no contexto espiritual significa identificação com o “Vivente”, pois quem ressuscita com Cristo, recebe uma vida nova e torna-se uma nova criatura.
A nível antropológico ressuscitar significa mudança de vida comportamental, conversão do coração, regeneração do que estava morto e perdido e foi regenerado, na dimensão biológica dar vitalidade aos órgãos que entraram em falência, deu-se uma reanimação. A nível social e político pode significar alcançar objetivos novos, mudar de estilo de vida, e ainda de imagem, compromisso novo com os outros e mesmo mudar de governo ,de regime político ditatorial, com uma revolução pacífica de feição democrática como aconteceu há cinquenta anos em Portugal com a Revolução dos cravos..
A Páscoa cristã é o grande acontecimento salvífico da história da humanidade, fonte e cume de toda a vida litúrgica e espiritual dos cristãos. Tudo caminha para Cristo ressuscitado e tudo promana da vida nova oferecida por Ele à humanidade como dom Pascal.
Um olhar atento sobre o mundo contemporâneo, não pode acontecer ser sem uma profunda reflexão sobre a vida nova, que brota da Ressurreição de Cristo. Só Jesus é o fundamento da Esperança daqueles, que caminham pelo mundo de mãos dadas e abertas à procura da essência fundamental para a construção de um projeto livre e responsável.
A vivência da Páscoa continua liturgicamente, a ser celebrada durante a Oitava, e depois continua no tempo pascal, durante 50 dias, culminando com a vinda do Espírito Santo, na Solenidade do Pentecostes.
O tempo pascal é sinal de uma nova esperança, uma primavera espiritual na Igreja, que toca todas as franjas da sociedade, de modo particular, as periferias existenciais, onde vivem e convivem juntos os pobres, os vulneráveis e os marginalizados da sociedade. Neste sentido, a celebração da Páscoa é um tempo privilegiado para a renovação espiritual da Igreja e a esperança de possuir a vida nova como renascimento dos cristãos na busca do equilíbrio integral da pessoa humana e da sociedade.
O Espírito de Jesus Ressuscitado, que venceu o pecado e a morte, liberta a pessoa humana de todas as amarras, prisões, opressões, ou até mesmo do roubo da própria liberdade.
Neste contexto, no mês em que celebramos o acontecimento da Páscoa de Jesus, não podemos esquecer, que como cidadãos conquistámos a liberdade democrática com o 25 de Abril, cujo cinquentenário celebrámos e continuamos a celebrar com o convite a sermos construtores de um mundo novo, de uma vida nova cheia de valores, que assentam nos pilares do respeito pela vida, pela verdade, pela liberdade, pela responsabilidade, pela democracia e muitos outros valores indispensáveis à realização da vida humana e transformação Pascal do mundo..
À semelhança da Páscoa, também o 25 de Abril culminou com a libertação de um regime totalitário para uma experiência de vida democrática, aberta a novos valores, onde há lugar para todos aqueles, que se sentem empenhados na construção de uma sociedade livre e justa, base plausível de uma civilização renovada no amor e na esperança.
Neste sentido, preocupa-me bastante o horizonte de orientação global que está se está a tomar e seguido por muitos responsáveis das nações, que impacta a economia, os valores humanos e sociais com o equilíbrio de respostas promotoras de mentiras e injustiças capazes de promoverem desigualdades entre as pessoas e os povos pondo em risco perder os valores alcançados na revolução do 25 de Abril. Não podemos colocar em questão os valores alcançados de modo a que destruam a vida humana e ponham em causa o equilíbrio da nossa pátria e na Europa. É urgente e necessário formar civicamente as novas gerações de Portugal para os valores da democracia, da liberdade, da dignidade e do respeito mútuo pelo outro.
A liberdade e a democracia andam de mãos dadas e são dois pilares fundamentais para que cada pessoa possa realizar a sua missão de um modo livre, consciente e responsável.
A Páscoa e o 25 de Abril são, neste mês de primavera, dois eventos e momentos importantes para a vida dos cristãos e dos cidadãos portugueses na construção de uma sociedade portuguesa mais justa, fraterna e solidária.
Convidados a refletir de uma forma mais profunda e autêntica sobre os valores que dimanam da Páscoa e podem unir a as pessoas e a sociedade democrática, fugindo de extremismos de direita ou de esquerda é preciso encontrar o equilíbrio de forças democráticas credíveis e bem preparadas para conduzir os destinos do povo.
Em tempo de profundas mudanças, de preparação para as próximas eleições, com companhas esclarecedoras, os candidatos pensem no bem das pessoas, no bem comum, na falta de habitação digna, nas desigualdades sociais, no aumento exponencial da pobreza e na falta de trabalho digno para todos, sem excluir ninguém.
É preciso criar e unir esforços para promover diálogo entre os patrões e operários, favorecer relações sadias entre todos os que estão empenhados na libertação dos oprimidos, e na construção de uma vida com um futuro melhor e com dignidade para os cidadãos. A liberdade e a democracia são elementos fundamentais para a pessoa humana realizar a sua missão com responsabilidade e esperança.
Na liturgia cristã, a Páscoa é o ponto mais alto do calendário, celebrando a vitória da vida sobre a morte e da luz sobre as trevas. Num mundo mergulhado em profundas valas de tristeza, de opressão psicológica, de guerra declarada e de morte programada é preciso agir com prudência e ética responsável.
Neste contexto, apraz-me chamar a atenção de todos para a celebração do Domingo da Pascoela, festa da Divina Misericórdia, instituída por são João Paulo II para a Igreja Universal. Nesta festa lembramos a mensagem da Divina Misericórdia, revelada a Santa Faustina, uma religiosa Polaca a quem Jesus confiou uma missão de a espalhar pelo mundo através da renovação interior, da libertação do pecado e do anúncio do Evangelho da Misericórdia com esperança e confiança sobrenatural: “Jesus eu confio em Vós”.
No tempo em que vivemos a lutar contra a indiferença religiosa e social, contra o abandono dos pobres, a aversão e a repulsa dos frágeis, o esquecimento dos marginalizados, ou mesmo a ignorância de migrantes e refugiados é preciso reinventar uma forma nova de viver a fé e de exercer a cidadania pessoal e comunitária. Como cristãos, pessoas livres e de boa vontade, podemos curar estes males do mundo valorizando o sentido da Páscoa cristã e as Liberdades alcançadas com a revolução do 25 de Abril.
Cinquenta anos após a Revolução temos que estar atentos e vigilantes porque ainda há muito que fazer, muitas mudanças a operar para que o Portugal moderno e democrático seja uma sociedade envolvida em princípios da Doutrina Social da Igreja e valores cristãos e democráticos vividos com o equilíbrio de todos.
O mês de abril continua a ser um tempo de esperança, de renovação, de compromissos para connosco e para com os outros, lembrando que a liberdade e a fé se constroem diariamente juntos.
Porque, no fundo, tanto a fé como a liberdade religiosa e cívica precisam de ser vividas, cuidadas e celebradas todos os dias, sempre com o auxilio de Deus, que cuida de nós e nos ampara em cada dia da nossa existência.
Este mês de abril ficará também marcado pela canonização do Beato Carlo Acutis “apóstolo da Eucaristia, devoção profundamente assumida, falava de Jesus presente no Santíssimo Sacramento da Eucaristia como autoestrada para o céu.
Padroeiro da Jornada Mundial da Juventude 2023 em Lisboa e com grande experiência de navegar nas redes sociais, tornou-se apóstolo através da Internet”. No dia 27 deste mês será canonizado em Roma, tornando-se O Santo, modelo da caminhada na fé para todos os jovens do mundo.
Estamos a viver um tempo de alegria e libertação, mas também um tempo de compromisso com a transformação pessoal e comunitária na Igreja e no mundo. A liberdade não tem preço e a humanidade constrói-se todos os dias, com Deus no nosso coração, através do acolhimento, da proximidade, da escuta, do serviço, do voluntariado e do cuidado aos outros no exercício da fé e de uma vida em democracia sadia e renovada.
Este é o sinal da verdadeira Páscoa, de passagem de um estilo de vida egoísta e de exclusão, para uma experiência de comunhão e inclusão social, de inculturação, de portas abertas a todos, no verdadeiro valor da liberdade, que nos ajuda na integração do que significa ser cristão e no que significa ser verdadeiro cidadão.
Uma mudança de coração e de atitudes que deve ser feita com o coração novo, aberto aos outros com ao valores que Jesus nos ensinou, amando e respeitando o próximo. Coloquemos Deus acima de tudo e os irmãos acima de todas as decisões democráticas e políticas, mesmo que respeitem a verdadeira liberdade.
Hoje ao terminar este meu escrito, escuto através dos meios de Comunicação Social a notícia da morte inesperada do Pastor da Igreja Universal. Morreu o Papa Francisco e com Cristo Ressuscitado regressou silenciosamente à Casa do Pai. Ontem o Papa Francisco desejou a todos os cristãos e pessoas de boa vontade os votos de Santas Festas de Páscoa da Ressurreição, na Praça de São Pedro, dando-nos a Bênção “Urbi et Orbe”.
Agora na Casa do Pai lembremos o Papa Francisco como o Pastor da “Alegria do Evangelho”, da Misericórdia, da Santidade, da Sinodalidade, do Amor de Coração de Jesus, da oração pela Paz, da luta contra a Indiferença, a pedir o fim da Guerra em gaza na Ucrânia e em todos os países, do Jubileu de Esperança, da Renovação da Igreja, do amor pelos jovens, pelas crianças, pelas famílias, pelos doentes, pelos pobres, pelos migrantes e refugiados. O Papa da Fraternidade e da Solidariedade, do Cuidado da Criação, O Pastor imagem de Cristo com uma palavra para Todos! Todos! Todos! O Pastor em casa ou nas periferias do mundo, que nos dizia: “Reza por mim”. O Papa da Igreja, das viagens, das catequeses, dos bispos, dos sacerdotes, dos diáconos, dos consagrados, dos leigos e dos seminaristas, que nos ensinou a chamar Maria por Mãe, partiu para a Casa do Pai. No tempo da novena da Divina Misericórdia, agora junto de Deus Pai, na graça do Espírito Santo, participa para sempre na vida de Cristo Ressuscitado, a verdadeira Esperança, que não Engana.
Demos graças a Deus pelo dom da vida do Papa Francisco e façamos orações juntos pelo seu eterno descanso, para que repouse no Coração de Cristo, que nos amou até ao fim.
Viseu, 21 de abril de 2025
D. António Luciano, Bispo de Viseu