A prática que responde à Eutanásia

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Tenho uma leve impressão de entrever uma resposta ao problema da Eutanásia. As minhas dúvidas surgem por ser uma resposta, aparentemente, demasiado simples e contra-intuitiva: praticar a gratidão.

A prática da gratidão está acessível a todas as pessoas. É um modo de ver a vida que altera o olhar. Viver com gratidão só é possível quando nos damos conta de que as outras pessoas fazem por nós coisas que não podemos fazer por nós próprios. Por isso, quando gratos, afirmamos o bem que experimentamos, apesar do nosso sofrimento, e damos crédito ao outros por isso. Ou seja, a prática da gratidão reconhece o bem no pouco que temos e projecta-nos para fora de nós mesmos ao reconhecer o bem que os outros nos fazem.

A capacidade para a gratidão está profundamente entrelaçada em tudo o que nos faz humanos, e sem a gratidão, perdemos a oportunidade que temos de florescer como pessoas.

Há quem pratique a gratidão escrevendo num diário algo pelo qual está grato. Esta prática leva-nos para além de pensar somente naquilo pelo qual estamos gratos, e aprofunda, também, o processo mental associado uma experiência humana tão importante como essa. A mente pode alterar o cérebro de muitos modos e duradouros. Por isso, ao pensarmos e escrevermos razões e experiências de gratidão, de certa forma, deixamos que o fluir das palavras que nos passam pela mente esculpa o nosso cérebro. Algo fundamental para aprender a lidar com o sofrimento.

A prática da gratidão amplifica o bem que vemos em nós próprios e nos outros, e torna-nos pronoios em contraposição à “paranóia” que reage como se os outros estivessem a conspirar contra nós. A pronoia – uma expressão que li em Robert Emmons, psicólogo da gratidão – é a crença de que os outros estão a conspirar para nos ajudar. Por isso, as pessoas que praticam a gratidão são pronoios. Ou seja, esperam e veem mais a benevolência no mundo do que a violência. São pessoas cientes de que ao praticarem a gratidão, amplificam o bem em si e nos outros, e estimulam a construção de relacionamentos humanos autênticos.

A gratidão estrutura as nossas vidas e mentes, e altera de tal forma o modo como falamos, que aumentamos, ainda mais, a consciência das experiências positivas e transformativas que a gratidão produz. A linguagem reflecte sempre o que pensamos. E os pensamentos – quer queiramos ou não – criam, em certa medida, a realidade à nossa volta. Por isso, as pessoas que praticam a gratidão usam palavras como dom, bênção, abundância, expressando não tanto o que têm, mas o que lhes é dado. Nesse sentido, a linguagem da gratidão chama a nossa atenção para o que de bom os outros fazem na nossa vida, ajudando-nos a ter a visão do todo e não apenas da parte diante dos nossos olhos.

Penso que estaremos mais conscientes de que a gratidão não é uma simples emoção de quem está bem de saúde e alegre, mas, pelo contrário, será a prática da gratidão que nos dá alegria, tornando a nossa vida mais intensa e profunda. Pois, não é a alegria que nos leva a estar gratos, mas a gratidão que nos leva a estar alegres.

A relação entre gratidão e alegria reflecte uma vida plena e desperta, entre cada pessoa e o mundo que a rodeia, sendo algo essencial para um bem-estar sustentável apesar do grau de sofrimento que se vive. De tal modo que faz crescer em nós o desejo de reflectir o bem que nos é feito ao procurar, criativamente, a primeira oportunidade de dar alguma coisa aos outros. Nem que seja um sorriso. Por isso, quem pratica a gratidão vive, especialmente, a dimensão do amor como dom de si mesmo, tornando-se numa força transformadora do mundo.

«Existem dois tipos de gratidão: o tipo efémero que sentimos por aquilo que tiramos; e o tipo duradouro que sentimos por aquilo que damos.» (Edward Arlington Robinson, poeta)

A inspiração é um indicador importante de que a gratidão transformou-nos de um modo significativo e transforma, também, a sociedade. A eutanásia não me parece uma grande inspiração, mas estou certo que se praticarmos a gratidão iremos dar mais de nós aos que vivem grandes sofrimentos e, seguramente, saborear com eles como cada batimento do seu coração é uma dádiva.

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Agência ECCLESIA

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